Uma grande quantidade de HQs foi lançada este ano, mas te ajudamos a conhecer as mais interessantes neste nosso giro de reviews de obras. Tem Star Wars, nova de Orlandeli, o experimentalismo de Galvão, odisseia dentária de Raina Telgemeier e quadrinhos franceses.
Boa Noite, Darth Vader
Jeffrey Brown transformou-se em fenômeno editorial ao repensar o universo de Star Wars dentro de um cotidiano de famílias com filhos pequenos. De cara fisgou os fãs trintões da série, muitos pais de primeira viagem. A Aleph vem lançando esses volumes com regularidade e este Boa Noite, Darth Vader é o mais recente (já são seis ao todo). E como são divertidos. Neste número Brown mostra o périplo que todo pai enfrenta na hora de colocar os filhos para dormir, com a diferença de que esses pequenos são Luke e Leia Skywalker. Tem ainda muita piada com personagens da saga, como um Darth Maul insone e Jar Jar Binks que não consegue colocar o pijama. O traço do autor é bem mais próximo dos livros infantis do que cartuns. Da gigantesca quantidade de material relacionado de Star Wars que chega todos os meses ao mercado essa série é uma das mais divertidas. [Aleph, 64 páginas, R$ Tradução de Matheus Duque Erthal] Nota: 7.5
Manual Prático da Complexidade Adquirida
O quadrinista Galvão, autor da série Vida Besta, tem um trabalho autoral experimental e ousado, bem longe do formalismo das tiras. Seu novo livro, (Quase Um) Manual Prático da Complexidade Adquirida saiu por sua editora independente, Juarez & Donizeti. Tratam-se de crônicas da sarjeta temperadas com surrealismo e nonsense, ambientadas em cenários sem filtros das grandes metrópoles. Galvão se nutre dessas falsas aparências e hipocrisia das pessoas dos dias de hoje. Sem deixar de fazer uma autocrítica (ou autodepreciação), ele tira o véu dessas situações cuja socialidade requer uma mentira, um disfarce. “Desde que perderam os rostos as pessoas parecem mais felizes nas salas de espera”, diz um dos cartuns mais inspirados. A HQ ainda aposta em experimentalismo com fontes e traços caóticos que parecem ter sido feitos no ímpeto, sem esboço nem retoque. Um trabalho bastante bruto com uma beleza própria: vale a pena ir atrás de outras obras de Galvão como essa, a exemplo de Compendium e Desastrem. [Juarez & Donizeti, 28 páginas, R$ 15] Compre no site do autor. Nota: 8.0
Hídrico
Criado pelo artista plástico e quadrinista Tiago Judas em 1998, Kocinas ficou famoso no quadrinho underground paulistano. Com um capacete de aquário, o personagem reflete sobre questões existenciais em meio a situações surrealistas, tudo acompanhado por seu peixinho de estimação. Com um traço que remete aos desenhos de Lourenço Mutarelli na fase inicial, Judas é meticuloso e duro com seu desenho, sempre se aproximando do grotesco para representar o mundo e as pessoas. O seu humor provém do cotidiano, mas sem o véu de aparente normalidade que todos lutamos para preservar. E é desse absurdo da vida que está a beleza da obra. Lançado no clássico fanzine Sociedade Radioativa, Kocina chegou a fazer sucesso sendo publicado também pela revista Piauí. Hídrico reúne várias dessas aventuras em um projeto gráfico que deu novo corpo à importância da obra. [Veneta, 224 páginas, R$ 44,90] Nota: 8.5
Sorria
Todo mundo conhece a catástrofe dentária da adolescência: seus dentes não cresceram como deveriam e agora é necessário usar um aparelho. Esse dramalhão é um rito de passagem enfrentado por muitos jovens e virou uma ótima matéria-prima para Sorria, de Raina Telgemeier, pequeno tesouro escondido entre a grande quantidade de lançamentos de 2016 nos quadrinhos. A trama mostra Raina, uma menina norte-americana do ginásio que precisa usar aparelho dentário. A HQ autobiográfica mostra sua jornada ao dentista, o que inclui cirurgias, dentes falsos, etc, em meio às suas descobertas da puberdade, paixões, amizade e seu início como artista. Com um traço cartunesco que remete aos desenhos animados norte-americanos, Sorria é uma HQ leve voltada para o público infanto-juvenil, mas com uma leitura agradável também aos adultos. Vencedora de um Eisner Awards, Telgemeier fez sucesso com sua obra ao tratar de dilemas da juventude – como o bullying – de maneira despojada, livre do tom “educativo” e indulgente já vistos. [Devir, 220 páginas, R$ 39,90 / Tradução de Guilherme Miranda] Nota: 8.0
Uma Morte Horrível
A editora Nemo apostou alto em novos autores do quadrinho francês, ainda pouco conhecidos no Brasil, como é o caso de Pénélope Bagieu. Criadora do blog Ma Vie Est Tout À Fait Fascinant, ela tornou-se best seller com esse Uma Morte Horrível. A trama mostra Zoé, uma jovem de 22 anos que vive uma vida de fracassos financeiros (seu emprego é um poço de assédio moral e constrangimentos). Ela acaba conhecendo Thomaz Rocher, um escrito muito famoso, mas que por conta de uma crise na carreira, vive recluso. Existe uma reviravolta na trama que perde toda a graça contá-la, mas basta dizer que Bagieu consegue manter o mistério de forma coerente sem apelar para o plot twist vazio. A narrativa em si não traz nenhuma inovação e, não fosse o carisma da personagem, poderia tornar-se enfadonho em alguns momentos. Mas é uma HQ que consegue ser autêntica em tratar de um temas muito explorados como os perigos da fama e a relação de pessoas comuns e celebridades. [Nemo, 130 páginas, R$ 39,90 / Tradução de Fernando Scheibe] Nota: 7.0
Daruma
Orlandeli é um dos autores mais prolíficos de sua geração. Autor das tiras Grump e (Sic), ele é bastante publicado no Brasil. Sua nova HQ, Daruma, aposta em uma narrativa longa para falar do conhecido amuleto místico popular nas feiras japonesas. A trama conta a história de Damião, um homem que usa o amuleto em um momento de transtorno emocional. Na tradição oriental o Daruma ajuda a realizar desejos de quem risca seu olho. Mas tudo tem um preço. Acostumado às tiras de humor, Orlandeli se sai muito bem nessa narrativa que começa amena e vai ganhando tons de terror psicológico. A bela edição do Sesi-Sp traz ainda um posfácio explicando origem e significado dos darumas. [Sesi-SP Editora, 98 páginas, R$ 32] Nota: 8.0
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