Nova origem de Superman de Frank Miller não adiciona nada ao mito do herói

HQ desenhada por John Romita Jr. traz ideias pouco desenvolvidas e abordagem confusa da formação do personagem

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Nova origem de Superman de Frank Miller não adiciona nada ao mito do herói
5.5

Mitos modernos, os super-heróis preenchem um campo de fácil identificação com o público aqui no Ocidente, seja você um leitor assíduo de quadrinhos mainstream ou não. E uma das principais forças dos mitos reside no fato de serem acessíveis e reconhecíveis por todos. Adicione a essa receita o poder mercadológico desses personagens e temos uma das maiores commodities da cultura pop mundial. Por isso o tempo todo estamos lendo e relendo novas aventuras e interpretações das origens desses personagens. Superman – Ano Um segue essa premissa e traz um dos mais famosos artistas da indústria, Frank Miller, para recontar a história do mais famoso super-herói ao lado do amado e odiado desenhista John Romita Jr..

Precisávamos de mais uma história de origem do Superman? Provavelmente não, mas esta nunca foi uma questão: como mito, a história de Clark Kent, o alienígena do planeta Krypton que vem à Terra para se salvar e se torna o ser mais poderoso do planeta, está aí para ser contada e recontada. Mas já o fato de ser uma boa história, isso sim podemos discutir.

Este novo gibi, lançado no Brasil pela Panini Comics, faz parte do selo Black Label da DC Comics, que tem como proposta a criação de histórias mais sofisticadas e atemporais, para leitores adultos, com a presença de nomes renomados da indústria mainstream de quadrinhos. O formato magazine e maior número de páginas para uma HQ americana reforça isso. A ideia de Miller aqui foi trazer uma abordagem mais pé no chão para a origem de Clark Kent e por isso os primeiros momentos de sua origem, como a saída do planeta condenado Krypton e toda a concepção do seu nascimento foi contada muito brevemente, de relance, pelos olhos do bebê.

O desenvolvimento do personagem em Smallville, da infância à adolescência, foi o principal interesse do roteiro, que reforçou a importância das relações de Clark com seu ambiente para a formação de seu caráter. É divertido ler histórias bem pé no chão do Superman, o que rendeu divertidas subtramas envolvendo sua vida no colegial e o relacionamento com seus pais. Lembra bastante o espírito do seriado Smallville, no início dos anos 2000, que também era uma típica história de formação.

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Mas é só isso. Nenhuma ideia levantada por Frank Miller aqui adiciona relevância ao cânone do Superman. Nenhum aspecto do roteiro é interessante e cativante o suficiente para justificar a existência dessa HQ. Há ainda outro problema, de ordem estrutural, que diz respeito ao entendimento de Miller para uma história voltada ao “público maduro”. Há diversos momentos da trama cuja violência gráfica em nada enaltece a história ou o desenvolvimento do personagem. A cena de tentativa de estupro de Lana Lang, além de tosca, é repleta de uma misoginia latente e antecede o início do namoro entre os dois. Bizarro.

O outro problema da HQ é o subaproveitamento de tramas que parecem interessantes, como a alienação do personagem por conta de seus poderes. Clark Kent é confrontado com o fato de ser diferente dos demais por conta de sua força e habilidades sobre-humanas, mas também de seu intelecto. Enquanto outras histórias de origem do Homem de Aço colocam essa questão com uma força edificante e uma oportunidade, aqui Miller tentou transparecer o desconforto de Clark em se situar à margem da normalidade. Mas isso é logo superado e Clark rapidamente já se mostra adaptado a essa nova realidade sem nenhum tipo de transição ou resolução do que foi posto pelo texto.

Há ainda o parco desenvolvimento de uma trama contra o bullying. Clark Kent precisa lidar com o fato de que seus poderes o colocariam em larga vantagem contra valentões que atormentam seus amigos. E esses amigos de Clark preenchem clichês do tipo “o garoto gordo”, “o garoto gótico”, sem muita nuance. Após alguma reflexão, o personagem decide responder violência com mais violência em um desfecho de puro cinismo que não só rompe com a proposta original do herói como mostra pouca paciência de Miller em dar um desfecho ao plot.

A arte de John Romita Jr. é amada e odiada na mesma proporção. Mas aqui, o artista pareceu um pouco contido pelo fato do roteiro trazer uma rigidez nos requadros, com praticamente todas as páginas com cinco ou seis painéis. Acostumados aos arroubos cênicos e páginas duplas dando uma ideia de movimento, Romita explorou mais os detalhes e focou na ambientação daquele universo mundano, do dia a dia do jovem Clark. É uma arte bonita, mas bem distante dos melhores trabalhos dele. Romita segue com o velho e conhecido estilo na representação de pessoas jovens (e crianças, sobretudo), onde todos ficam com uma aparência esquisita fora de proporção, como adultos em miniatura. Mas não é tanto um problema e mais um opção estética, mas é difícil de se acostumar.

Miller e Romita retornam uma colaboração que fez muito sucesso nos anos 1990, no clássico arco do Demolidor, O Homem Sem Medo (republicado aqui pela Panini em formato de luxo em 2009, que também era uma história de origem. Superman Ano Um, no entanto, falha em apresentar aspectos originais e interessantes de um personagem tão conhecido e frustra expectativas para o que parecia uma abordagem mais sofisticada e “adulta”.

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SUPERMAN – ANO UM
Frank Miller (texto) e John Romita Jr. (arte)
[Panini Comics, 96 páginas, R$ 19,90 / 2020]
Tradução de Rodrigo Oliveira

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