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“Nosferatu”: remake corporifica o pesadelo gótico do clássico de F.W. Murnau

Personagem interpretado por Lily-Rose Depp é o destaque da nova versão

“Nosferatu”: remake corporifica o pesadelo gótico do clássico de F.W. Murnau
3.5


Nosferatu
Robert Eggers
EUA, 2024. 2h12. Terror. Distribuição: Universal Pictures
Com Lily-Rose Depp, Nicholas Hoult, Bill Skarsgård


O cuidado em aclimatar o espectador à predominante atmosfera de tenebrosidade é o renovado atestado da capacidade de Robert Eggers enquanto cineasta. Ao recriar a famosa sequência da carruagem, quando Thomas Hutter (Nicholas Hout) ruma ao castelo do Conde Orlok, submerso na neblina monocromática da Alemanha rural do século 19, o diretor compõe alguns dos planos mais belos que vi no último ano, no cinema comercial norte-americano. Ainda que subaproveite as possibilidades dramáticas do vilão encarnado por Bill Skarsgård, entre outros vacilos, Nosferatu (2024) cultua o clássico de 1922 e adiciona ótimos elementos à história do primevo vampiro. 

Remake do icônico Nosferatu (1922) de F.W. Murnau, baseado na obra matriz de Bram Stoker, a nova produção de Eggers é o retorno do cineasta à celebração do expressionismo alemão, depois de O Farol (2019), filme esteticamente concebido a partir de referências ao clássico movimento. Aqui, o enredo reimagina a história do agente imobiliário Hutter que, a pedido do chefe, precisa viajar e fechar negócio com o misterioso cliente Conde Orlok. A principal distinção desta nova adaptação é como a narrativa dá primazia à relação do vampiro com a esposa de Thomas, Ellen Hutter (Lily-Rose Depp). 

O papel feminino já havia adquirido maior destaque na versão dirigida por Werner Herzog, Nosferatu: O Vampiro da Noite, de 1979, com atuação marcante de Isabelle Adjani. Mas é neste filme de Robert Eggers que Ellen Hutter ganha protagonismo, a partir de um arco dramático mais estruturado e eficiente, reforçando a dicotomia da sexualidade reprimida com a manifestação do mal em um corpo marcado por flagelos (melancolia, epilepsia) desde a infância. Com seus olhos grandes e expressivos, Lily-Rose Depp exprime uma interpretação consistente, cujo trabalho corporal é notável. 

As homenagens aos filmes predecessores estão todas ali; a baixa saturação da fotografia Jarin Blaschke molda a narrativa, com sequências que se avizinham do preto e branco (alusão à obra de 1922), já utilizado por Eggers em O Farol. Mais uma vez, ressalte-se o esmero na aplicação da luz e sombra na composição imagética do diretor; cenograficamente, funciona de modo louvável. Incomoda-me, porém, a decisão de relegar o personagem de Bill Skarsgård à escuridão em quase todas as cenas; ainda que faça sentido à noção de obscuridade do vampiro, sobressai a impressão de que tanto o trabalho de maquiagem quanto o esforço dramático do ator foram preteridos em detrimento da decisão de deixar Nosferatu quase invisibilizado pelas trevas. 

Pela primeira vez, a figura hética do Conde Orlok é contrabalançada à alta estatura do ator, tornando este Nosferatu mais ameaçador que os anteriores. Além da voz cavernosa de criatura demoníaca, Skarsgård aposta num pesado sotaque do leste europeu; coerente à origem romena do personagem, o inglês com a ênfase oral nos erres me parece prejudicial à construção aterrorizante da figura de Orlok. Um cuidado, talvez, realista demais numa obra cuja medula é o fantasioso, o quimérico. 

Diretor adepto a tomadas mais longas,  Robert Eggers chama a atenção ao experimentar, ao longo das 2 horas e 13 minutos de filme, cenas mais bruscas, quase jumpscares, para momentos de violência mais explícita. Talvez numa tentativa de “modernizar” a narrativa e criar dinâmica, o resultado, aos olhos deste crítico, é uma montagem destoante, com cenas aceleradas que se desidentificam ao conceito da narrativa. Em contrapartida, o filme se prende tempo demais à história secundária de Friedrich Harding (Aaron Taylor-Johnson) e sua família. O desenrolar destes personagens pouco acresce à verdadeira dificuldade que atinge Ellen e Thomas. 

Contribuem, muito mais, o Dr. Wilhelm Sievers, interpretado pelo sempre eficiente Ralph Ineson, e o caricatural Prof. Albin Eberhart von Franzpara, com Willem Dafoe em mais um cientista louco no currículo. Beneficiado por um ato final bem lapidado, que consegue extrair tensão mesmo para quem já presume os acontecimentos devido aos filmes anteriores, Nosferatu destaca-se pela meticulosidade visual concebida por Robert Eggers. As inconstâncias narrativas, aqui e ali perceptíveis, não são suficientemente graves para rebaixar o alto nível da produção.