“Tem muita luta pela frente no que diz respeito à valorização da nossa arte. Parece mentira, mas, às vezes, por pedir o mínimo, somos colocadas como chatas ou ingratas”, dispara Bhelchi, uma das queens mais carismáticas e queridas da segunda temporada do Drag Race Brasil, ao pontuar que a realidade da arte drag no país é marcada por diversos desafios.
A piritubana foi a última eliminada do reality, que se encerrou no último dia 11 de setembro, com a vitória da pernambucana Ruby Nox. O nome artístico dela é uma homenagem direta ao cantor e poeta Belchior. “Escreveu e cantou sobre a vida, e arte para mim é isso, falar sobre sua verdade, sobre o que te toca, transmitir suas emoções, ainda que não seja vendável. Mostrar nossa singularidade, e isso ele fez lindamente”, afirma.
Bhelchi é vivida por Jonathan Freitas, 37 anos, professor de ballet, jazz, coreógrafo e designer de moda, que estreou no reality com um look para atropelar a concorrência: um vestido de couro com o letreiro “Term. Pirituba” e as cores do ônibus que circula na Zona Noroeste de São Paulo.
A artista relembra que iniciou a carreira durante a pandemia de Covid-19, quando participou de um curso on-line de maquiagem drag. Uma das marcas de Bhelchi no Drag Race Brasil é o fato de ter criado todos os seus looks sozinha. “Ao mesmo tempo que é gratificante fazer um guarda roupa completo para um programa desse porte, é um desafio lidar com a quantidade, tempo, regras e dinheiro”, pontua.
Para a rainha piritubana, a principal coisa sobre drag é não ter regras. “Por mais que as pessoas julguem, e tentem o tempo todo te colocar em uma caixa, não existe um padrão”, avalia.
Nesta entrevista à Revista O Grito, Bhelchi conta sua trajetória, inspirações e como foi estar na competição.
Como foi assistir ao episódio da sua eliminação?
Foi emocionante, estava acompanhada de muitas pessoas importantes na minha vida, casa lotada, até Keiona foi me ver. Então por mais que seja triste não estar na final, recebi tanto carinho do público, fui tão celebrada, que é isso que quero guardar desse dia.
Você teria feito algo diferente no programa?
O que fiz foi o meu melhor, dentro das condições e possibilidade que tinha, então já está feito. O diferente será daqui para frente.
Tem algum momento que considera o seu favorito?
“Tricotarde” com Melina e Mercedez, e meu lipsync da saída que amaria ver completo.

segunda temporada do reality. (Foto: Divulgação).
Como foi começar a fazer drag durante a Pandemia de Covid?
Comecei em um curso online, da minha mãe Drag Follet, e foi um alívio para tudo que estávamos vivendo naquele momento. Ter contato com outras pessoas, histórias, mesmo que fosse por uma tela, foi ótimo. Mais uma vez, a arte nos salvou.
Você é bailarina profissional e já atuou como coreógrafa. Acha que isso foi um dos seus trunfos na competição?
Dancei profissionalmente até 2017, quando tive um acidente no palco. Hoje em dia sou professor e coreógrafo. A bagagem da dança me ajudou em muitas coisas, por exemplo ter ética e respeito com quem está no comando e com as colegas de trabalho.
Quando e como decidiu enveredar pela arte drag?
Durante muitos anos me dediquei ao ensino, cuidar das pessoas, e comecei a sentir a necessidade de fazer algo por mim. No ano de 2024, coloquei como meta fazer tudo que pudesse pela minha drag, colocar em primeiro plano, independentemente de qualquer dificuldade.
Na sua saída, você cita versos da música “Alucinação” de Belchior, que também inspira o nome da sua drag. Quais influências do cantor e compositor cearense para sua arte?
Belchior escreveu e cantou sobre a vida, e arte para mim é isso, falar sobre sua verdade, sobre o que te toca, transmitir suas emoções, ainda que não seja vendável. Mostrar nossa singularidade, e isso ele fez lindamente.
Ao longo do programa, sua drag apresentou-se como um mosaico de referências afetivas e artísticas, que busca provocar e emocionar ao mesmo tempo. Quais outras referências você poderia destacar?
A principal coisa sobre drag é não ter regras, por mais que as pessoas julguem, e tentem o tempo todo te colocar em uma caixa, não existe um padrão. Não sou a mesma que se inscreveu no programa, nem a que gravou, e nem a do pós e a graça da vida é isso, ver algo diferente, poder ser diferente. Quero fazer o que faz meu coração vibrar, e o que acho que pode me conectar ao público.

Você possui uma sólida formação em dança, levando isso ao palco com performance refinada e coreografada. De que forma essa bagagem lhe ajudou no programa?
Ballet não é apenas uma dança, é muito mais que isso, é disciplina, resiliência, é aprender a lidar com as frustrações sem desistir. E isso tudo usei no programa, uso no palco, e no meu cotidiano. Amo ensaiar, pensar no show, mas nessa correria em que estamos, isso não tem sido possível, então entra a parte da experiência, de usar o que é mais funcional.
Uma das suas marcas no Drag Race Brasil é o fato de ter criado todos os seus looks sozinha. Conta como foi esse processo.
Foi exaustivo, pensar, desenhar, cortar e costurar tudo. Tive a ajuda da minha amiga Lady Ruanê com as pedrarias, e do meu marido em um dos figurinos, mas no geral, fiz tudo sozinha. Ao mesmo tempo que é gratificante fazer um guarda roupa completo para um programa desse porte, é um desafio lidar com a quantidade, tempo, regras e dinheiro, que as pessoas vendo de fora, tem uma imagem muito errada, achando que é fácil.
Como foi lidar com o tempo durante as gravações?
É muito corrido, nós drags que estamos acostumadas a duas, três horas, no mínimo, para se montar, realmente é um baque. Então se você tem vontade de entrar no programa, já treina, porque realmente é uma corrida.

pela arte drag no Brasil. (Foto: Diego Feroni/Divulgação).
Considera o programa como uma ferramenta poderosa para a valorização da arte drag no Brasil? E como anda a valorização das queens no país, na sua visão?
Com certeza. Infelizmente existe muita comparação com as queens americanas, como se tivéssemos a mesma cultura, acesso e cachês que elas recebem. Não é porque participamos do Drag Race que estamos ricas, tá?! [Risos]. Sou muito grata pelas oportunidades que tenho tido, mas ainda tem muita luta pela frente quanto à valorização da nossa arte. Parece mentira, mas, às vezes, por pedir o mínimo, somos colocadas como chatas ou ingratas.
Você esteve no topo nos track records durante diversas semanas na competição. Como é sair a um episódio da final, mesmo tendo uma performance tão boa e sendo uma das queridinhas do público?
É uma competição de múltiplos talentos (até onde entendi), então além do track record alto, entreguei um lindo lipsync no meu último episódio. Escolheram não me levar para a final, isso não é sobre eu e as meninas. É chato, mas fui agraciada com o amor e carinho do público que é impagável.

tecido. (Foto: Diego Feroni / Divulgação).
Se houvesse convite para uma franquia internacional, você toparia?
Meu inglês não é bom o suficiente. Se em português é difícil provar nosso valor, em outra língua iriam me eliminar na Promo (risos).
Como você lida com os haters da internet, Bhelchi?
Escolhi não ter quem responda minhas redes, quero eu mesma receber e agradecer o amor que recebo. As pessoas dizem que sou muito boazinha, mas tem uma pessoa em especial que tive vontade de deixar para lá! Entendo que quem fala e julga, SEMPRE é alguém que nunca colocou uma peruca na cabeça, que, na verdade, não é fã de drag, e, principalmente, é oca por dentro, não entende as dificuldades que um artista passa para estar no palco. Para quem dá amor, desejo amor, mas para quem é maldoso, fique com sua insignificância, ignorância e mediocridade.

disciplina”, afirma a queen. (Foto: Adelino Evan/Divulgação).
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