Após nove anos de esforços, teve início no Recife a primeira fase do projeto de preservação do acervo histórico de Naná Vasconcelos (1944-2016), um dos percussionistas mais influentes do mundo. Os objetos pessoais e artísticos do músico foram transferidos para o Museu de Artes Afro-Brasil Rolando Toro (Muafro), no Bairro do Recife, onde passam por um minucioso processo de catalogação e conservação. A iniciativa, coordenada por Patrícia Vasconcelos, viúva do artista, e pelo produtor cultural Amaro Filho, busca não apenas resguardar a memória de Naná, mas também formar integrantes de nações de maracatu na preservação de seus próprios patrimônios culturais.
“O projeto nasce dessa necessidade grandiosa de preservar o acervo de Naná Vasconcelos”, explicou Amaro Filho em entrevista à Revista O Grito! durante uma visita ao Muafro, na última quinta (20). “A Patrícia conversou comigo, tinha vários projetos para serem feitos, mas eu achei que o premente, o que era mais importante, era a preservação do acervo. Porque, a partir da preservação do acervo, a gente faz tudo. A preservação do acervo é conhecer Naná através dos objetos. Então, é a forma mais próxima de conhecer essa pessoa e torná-la ainda mais pública, se ela já é.”


A fase inicial do projeto consiste na catalogação de cada item, incluindo instrumentos, troféus, roupas, documentos históricos e fotografias. O trabalho está sendo conduzido pela equipe da Arte sobre Arte Restauro, sob coordenação de Débora Assis Mendes, e conta com registros fotográficos de Ricardo Labastier.
Patrícia Vasconcelos também desempenha um papel essencial nesse processo, fornecendo informações sobre a origem e o contexto de cada peça. “Estão mexendo na parte física de cartazes, quadros, objetos de premiação, troféus, homenagens e esse tipo de material. Essas duas etapas acontecem antes de entrar em instrumentos, indumentárias etc.”, afirmou Patrícia.
Apesar da importância do projeto, os recursos disponíveis são limitados. Financiado por uma emenda parlamentar do deputado estadual João Paulo (PT), o projeto cobre apenas a primeira etapa. “Estou muito agradecida a essa emenda parlamentar que deu início a esse processo, mas precisamos de mais envolvimento das instituições públicas e privadas, porque isso aqui é trabalho para, no mínimo, seis ou sete meses. Na verdade, no mínimo um ano, porque há muito mais”, destacou Patrícia. Ela também mencionou a necessidade de buscar recursos para trazer instrumentos que estão em Nova York e digitalizar vídeos de festivais.


Formação para nações de maracatu
Uma característica fundamental do projeto é a sua vertente educativa. Amaro Filho explica que a formação dos integrantes das nações de maracatu está no centro da iniciativa. “A emenda é uma emenda de formação, especificamente de formação. Dentro do bojo do nosso trabalho, a formação é uma diretriz fortíssima. Teremos vários encontros com as nações de Maracatu, com representantes de cada uma delas. São quase 20 nações, e cada uma terá duas ou três pessoas participando.”
A ideia é que, em cada fase da restauração, os participantes recebam treinamentos específicos, como higienização e inventário, permitindo que as nações desenvolvam suas próprias práticas de preservação patrimonial. “O grande objetivo desse projeto é esse. Não só a preservação do acervo de Naná, que já é uma ação grandiosa, mas repassá-la através de formação para os Maracatús, algo que Naná sempre defendeu”, afirmou Amaro.

Desafios
A preservação do acervo de Naná Vasconcelos requer um trabalho técnico especializado, conduzido por uma equipe multidisciplinar. “A equipe tem mais de 10 pessoas trabalhando diretamente aqui, fora outras que estão ao redor. O pessoal trabalha com site, vídeo, então são umas 15 pessoas envolvidas diretamente nesse projeto. São profissionais com diversas formações, principalmente na área de restauração, que envolve biologia, memória, história”, ressaltou Amaro Filho.
Ele também destacou que Pernambuco ainda precisa avançar na preservação de seus patrimônios e que o poder público deve se envolver mais ativamente. “A conversa está aberta, estamos procurando, mas eu acho que o poder público deveria nos procurar. Ainda assim, estamos buscando o poder público, obviamente, não vamos ficar de mãos atadas.”


Roubo na casa de Naná Vasconcelos
Coincidentemente, no mesmo período em que o projeto de preservação começou, um homem invadiu a casa onde Naná Vasconcelos morava, no bairro do Rosarinho, Zona Norte do Recife. Câmeras de segurança registraram a ação, que resultou no furto de objetos pessoais do músico. Patrícia Vasconcelos relatou o ocorrido: “Eles mexeram em uma mala de documentos que eu trouxe, onde havia coisas de Naná, álbuns e o diário. A pessoa que entrou descartou o que estava dentro da mala. Ainda não fiz um levantamento completo, porque fui lá ontem. Mas, a grosso modo, sei que essa mala foi enchida com louças específicas que eu havia separado para levar para o apartamento que estou montando: taças, louças de boa qualidade.”
Além disso, o invasor levou um equipamento de som do estúdio de Naná. “Parecia que pretendia levar algo maior do estúdio, possivelmente uma mesa de som maior, com vários canais, porque deixou o equipamento perto da porta, indicando que voltaria para buscar”, acrescentou Patrícia.
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O projeto de preservação do acervo de Naná Vasconcelos segue em andamento. Interessados podem acompanhar as atualizações pelo site oficial.