Motel Destino
Karim Aïnouz
BRA/FRA, 2024. 1h55. Drama/Suspense. Distribuição: Pandora Filmes
Com Fábio Assunção, Nataly Rocha, Iago Xavier
Antes de tudo, um aviso: essa crítica contém spoiler. Para tecer comentários sobre Motel Destino, o mais novo trabalho do cineasta cearense Karim Aïnouz, é impossível não abordar aspectos das características e atitudes dos personagens, assim como detalhes da trama. A leitura, portanto, é mais aconselhável para quem já viu o filme. E outra advertência: as observações aqui relatadas são ilações que me ocorreram, interpretações pessoais sem querer dizer para o realizador – um diretor experiente, consagrado a quem admiro, sobretudo, por filmes excelentes como Madame Satã (2002) e O Céu de Suely (2006)– que ele está certo ou errado.
Que o filme, atualmente em cartaz nos cinemas, reúne algumas qualidades não duvido. A presença na seleção oficial do Festival de Cannes 2024 o legitima dentro de um certo contexto da produção cinematográfica contemporânea do filme de arte com notas de experimentalismo de olho no sucesso comercial. A combinação de thriller com romance é atraente e a cinematografia refinada conjugada com a atuação vigorosa do elenco principal Fabio Assunção (Elias), Nataly Rocha (Dayana) e Iago Xavier (Heraldo) sugerem uma obra potente e sedutora. No entanto, ao acender das luzes, fui tomado por um sentimento bem maior de decepção do que de regozijo.
Motel Destino conta a história do jovem Heraldo em uma cidade do litoral cearense. Em fuga, por se meter em alguns rolos e ser jurado de morte, envolvendo comércio de drogas e extorsão, o moço acaba se escondendo em um motel de beira de estrada propriedade de um casal. A dupla tem uma relação conturbada, marcada principalmente pelo comportamento tóxico de Elias sobre Dayana. A chegada do rapaz bonito e atraente vai desencadear reações amorosas e sensuais que culminam com o envolvimento de Heraldo com a mulher.
O ambiente em que a trama se desenrola é convincente e estabelece uma relação intensa com os sentimentos que se desenvolverão entre os três protagonistas. Enquanto nos quartos do motel o sexo corre solto, embora só vejamos essas cenas de relance, nos bastidores, ele vai aflorando de forma galopante em que fica claro que tanto Elias quanto Dayana se sentem atraídos pelo jovem fugitivo. Para garantir sua sobrevivência, Heraldo joga sutilmente com o casal, mas é arrastado pela paixão por Dayana, motivo de todo o conflito que vai marcar o andamento da narrativa.
No decorrer da ação vamos percebendo a intenção de Karim Aïnouz de construir uma história na qual os desejos e os tormentos existenciais dos personagens forjam um relacionamento conflituoso por estarem obrigados a conviver em um ambiente fechado, em um espaço, como ele mesmo afirmou em entrevistas, “de prazer, de fantasia, mas também uma prisão”.
O erotismo que emerge é, portanto, um ciclo de atrações e repulsas que vão do gozo ao suplício. Deste imbróglio, guardando as devidas proporções, é como se o argumento de O Destino Bate à Sua Porta (1946 e 1981), desembarcasse numa praia paradisíaca do Ceará. Elias é um homem de meia-idade, violento, machista e de caráter duvidoso e o desejo de Dyana e Heraldo de tirá-lo do caminho para viverem a sua paixão não tarda a surgir.
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Esse motivo central da trama é envolvente e as interpretações de Fabio Assunção e Nataly Rocha conseguem segurar a tensão e até contagiar o ator Iago Xavier que, apesar de mostrar certa imaturidade em algumas cenas, ao contracenar com eles entrega-se ao seu papel com muita força.
O problema de Motel Destino, todavia, são as ações que contextualizam a história. Elas são necessárias para o andamento da narrativa, mas pela forma como foram trabalhadas parece que é outro filme convocado eventualmente para pontuar a narrativa principal, mas sem estabelecer com ela uma interação mais próxima e intensa. Por isso saltam aos olhos as imprecisões no roteiro com relação aos personagens secundários, cujas caracterizações nos é sonegada, e as várias situações mal resolvidas e mal explicadas, como a morte do francês no quarto do motel.
O mais complicado, porém, são as sequências finais que, a meu ver, afundam o filme num redemoinho de situações com diálogos e atitudes risíveis, mal ajambradas com clichês manjados de filmes de suspense. Também não vi muita utilidade nas inserções de imagens fantasmagóricas com efeitos estroboscópicos, de figuras diabólicas pelos corredores do motel, das imagens sobrepostas de animais como bodes, cobras, jumentos acasalando sugerindo serem visões e pesadelos dos personagens quando elas já tinham entrado na trama num registro realista.
Acho a ideia de ouvirmos os sons de coito com gemidos e urros que escapam dos quartos do motel quando se caminha pelos corredores plausível, mas depois vira uma sinfonia de ruídos repetitiva e tão alta que acaba atrapalhando a compreensão das conversas dos personagens.
Uma outra camada que o filme parece querer trabalhar, mas que acaba não sendo muito bem desenhada é a representação do que é hoje uma cidade turística do litoral do Ceará. Vendo Motel Destino impossível não lembrar de Canoa Quebrada, Jericoacoara com suas pousadas e hordas de visitantes, sobretudo, pessoas do sudeste brasileiro em busca de baladas com drogas e música techno, os estrangeiros com suas pousadas descoladas ou artistas que acham ter encontrado o paraíso para viver.
Os bandidos da trama são uma pintora italiana que tem negócios escusos, um comerciante francês metido em falcatruas, o ex-playboy com pinta de paulista dono de motel, e as vítimas são os jovens moradores locais. Pelo pouco apresentado ficamos com a impressão de que para Aïnouz, seria essa gente responsável por obrigar Heraldo a pegar a estrada e enviar uma mensagem para Dayana onde diz que “trabalha numa fábrica de gelo para esquecer o calor do Ceará”. Mas como os personagens secundários não estão bem desenvolvidos, fica a dúvida.
Ao final fiquei com a impressão de que se Aïnouz tivesse feito uma obra mais próxima ao estilo do que fez em O Céu de Suely talvez o resultado fosse mais consistente. É muito válido um cineasta explorar novos caminhos e devemos respeitar suas escolhas estéticas como a opção de enveredar pelo nem sempre tão fácil cinema de gênero.
Essa trilha, todavia, necessita talvez de um olhar e uma linguagem enraizada numa descoberta mais interior, inerente ao objeto narrado de modo a preservar sua originalidade.
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