POLÍTICA ENTRE IRMÃOS
Fraternidade ameaçada por rixas ideológicas e emocionais dá o tom nesta ótima comédia-dramática italiana
Por Eduardo Carli
MEU IRMÃO É FILHO ÚNICO
Daniele Luchetti
[Mio Fratello è Figlio Unico, Itália, França, 2007]
A briga entre irmãos, explícita no título do filme e descrita em todas as sinopses como central na trama, é de fato o que conduz a narrativa deste Meu Irmão É Filho Único, ótimo drama familiar pontilhado por elementos cômicos. Nele vemos continuada esta longa saga de tretas intra-sangüíneas que atravessa a história humana, de Abel e Caim a Noel e Liam Gallagher, num filme que vem sendo considerado um dos melhores do cinema italiano nos últimos anos.
Nestes 100 minutos em que os acompanhamos, os dois bambinos briguentos Manrico (o irmão mais velho) e Accio (o caçula) digladiam-se com uma frequência e uma ruidosidade exemplares, provando a cada cena que não sabem lidar com suas diferenças através do diálogo tranquilo ou da diplomacia respeitosa. São adeptos mesmo é dos bons e velhos métodos tradicionais de relacionamento fraternal: sopapos, pontapés e berros. Só desconhece esses arroubos de violência quem foi sortudo o bastante para ser filho único!
O filme de Daniele Luchetti se insere numa certa tradição do cinema italiano, trazendo à mente o clássico de Visconti Rocco e Seus Irmãos: em ambos uma família ameaça cair aos pedaços com os terremotos causados pelas brigas internas. Mas Meu Irmão É Filho Único também possui semelhanças ainda mais notáveis com obras mais recentes, especialmente a adorável comédia A Culpa É do Fidel, de Julie Gravas – na qual a garotinha que protagoniza o filme, questionadora e iconoclasta como uma discípula de Mafalda, cresce no Chile de Pinochet debaixo de um fogo cruzado ideológico que compreende muito mal.
Uma dificuldade semelhante em distinguir entre os Defensores do Bem e o Lado Negro da Força acomete Accio, o irmão menor da família no filme de Luchetti. Ele, que quando pivete se alia ao fascismo, vai percebendo aos poucos que o maniqueísmo simples dos contos-de-fada, inclusive os hollywoodianos, não se deixa aplicar com tanta docilidade no mundo real. Já Manrico é o extremo oposto de seu irmãozinho que foi tristemente raptado por uma ideologia má. O irmão mais velho da família trabalha como operário, é líder sindical e durante as greves assume o megafone para conclamar o proletariado à rebelião contra a exploração. Obviamente abomina o fascismo e a guerra que ele causou e trata com uma fervente revolta a adesão do caçulinha à gangue de canalhas que ainda reverenciam El Duce. Está desenhado o quadro para o começo dos ataques mútuos e violentas desavenças.
Apesar do filme ter um pano de fundo sócio-político bem marcante, fotografando a Itália dos anos 60, dividida entre forças conservadoras e movimentos de esquerda, o central do filme não está aí. Meu Irmão é Filho Único é um filme mais sobre pessoas que sobre política. Mais sobre relacionamentos humanos que sobre picuinhas partidárias. Mais sobre conflitos emocionais que sobre divergências ideológicas.
Isso fica claro quando surge na tela a atriz Diane Fleri para encantar os olhos dos espectadores no papel de Franscesca. E não só dos espectadores, decerto, já que é ela a mulher que, desejada igualmente pelos dois irmãos, só vai pôr mais pimenta no tempero da belicosidade entre eles. O filme tem várias qualidades dignas de nota: atuações autênticas, narrativa veloz e bem-editada, trilha sonora muito adequada e muitas “sacadas” inteligentes e hilárias (como na cena em que o grupo comunista resolve fazer, em um concerto de música clássica, uma “cover” de Beethoven com uma letra “menos fascista”). Além disso, tem a grande vantagem de não ser um filme simplista ou maniqueísta, que diaboliza os fascistas e louva os comunistas, ou vice-versa.
Alguns espectadores podem ver uma postura apolítica da diretora, apostando no desengajamento, o que pouco provável. Outra leitura possível é ver no filme um excelente estudo de personagens, que analisa e descreve seus apegos a doutrinas e ideologias de modo bem realista. Pois aqui a gênese de opiniões políticas frequentemente nada tem a ver com um frio raciocínio, mas é motivada por questões emocionais muitas vezes extremamente irracionais.
Por isso é possível enxergar nessa guerra entre irmãos um microcosmo de algo maior: o combate ideológico presente em qualquer sociedade, e que se dá entre pessoas sempre impregnadas de interesses emocionais e convicções irracionais. Afinal de contas, se no filme dois irmãos estão se espancando por questões políticas, literalmente falando, na sociedade, vigora também uma sangrenta rixa entre irmãos, metaforicamente falando. E, se eles não podem se entender, a explicação parece ser sempre a mesma: é porque sempre dão mais ouvidos ao coração que à razão.
NOTA: 8,5
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