Menos um na multidão: o trabalho do fotógrafo Claudio Marmorosch

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Foto: Cluden.
Foto: Claudio Marmorosch/2014

MENOS UM NA MULTIDÃO
O incrível trabalho de Claudio Marmorosch: “A foto deve promover uma experiência em si mesma”

Por Joana Coccarelli

Talvez ele saia do mar amando.

“Existe um motivo para o pôr do sol ter virado um clichê. É porque ele é fantástico”. Então ajoelhou-se na areia, guardou a GoPro na mochila e sacou uma semi-profissional. E eu noto que seus olhos mudaram de cor.

“Mas o pôr do sol é a manutenção de uma limitação, porque ele vai invariavelmente ganhar os likes num Instagram. Não tem como um pôr do sol ser ruim”.

Em seguida se afasta novamente em direção ao mar. Posiciona-se na beira e segue apontando as lentes para o morro Dois Irmãos. Nenhum comentário, ainda, sobre se gostou ou não das fotos que tirou na água.

Eu sei sobre o desconforto que ele sente a cada chance de fotografar gente ao invés de paisagem. Pensei, enquanto o observava, que tirar fotos do pôr do sol poderia ser a camuflagem perfeita para, na verdade, tirar fotos de sujeitos humanos.

Afinal, ao nosso redor, dezenas de pessoas direcionavam câmeras e celulares em direção ao crepúsculo. Ali, aparentemente, era mais um na multidão – ninguém repararia se ele desviasse discretamente sua mira para um alvo humano. “Ele podia tentar”, pensei.

Quando volta, me mostra a melhor foto do dia: a de uma menininha cavando um buraco na areia.

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A imagem, um primor, vem provar que Claudio Marmorosch, o cluden, carioca, 37 anos, pode ser muita coisa (e é), mas menos apenas mais um na multidão.

Seu quase total desconhecimento técnico sobre fotografia – curso, nunca fez, e não tem paciência para indicadores e regulagens de câmeras – é justamente o que o faz se destacar para cada vez mais gente.

“Eu não busco a técnica. Não quero um pôr do sol perfeito, eu quero é um sentimento. E o que me move não é o status que a fotografia promove numa rede social. A foto deve promover uma experiência em si mesma”.

E deve, de preferência, explodir em cor. No verão do Rio de Janeiro, as imagens tiradas no iPhone fazem qualquer Instagram sangrar em laranjas e vermelhos e dourados. Para Claudio, inclusive, “nublado” é adjetivo para sujeito ou circunstância sem vida.

“Mas poderia ser diferente”, ouço, dias depois, incrédula. “Acho que não buscaria tanta cor se eu morasse na Europa. Sou meio que produto do meio”.

Essas guinadas de conceito sobre si mesmo não expressam dicotomia, mas uma universalidade latente capaz de fazer seu olhar transmutar-se em outro completamente novo dependo das condições de temperatura e pressão. Assim como na praia, quando, de uma hora para outra, os olhos passaram de castanhos para verdes.

Fotos tiradas em Jerusalém, por exemplo, revelam uma interioridade completamente diferente – mais arrojada, denunciando um sujeito muito mais volátil ao que o rodeia. Lá, o que é cor aqui, se traduziu em intensos flagrantes de ação.

Claudio transporta o observador para dentro da cena, garantindo uma apreciação quase que em primeira pessoa. Ele te empresta seus próprios olhos, já ajustados ao próprio olhar. Mas não é totalizante: há sempre um forte componente afetivo que se doa ao espectador, sujeitando-se a ele.

Recentemente me mostrou suas fotos do Atacama, viagem de 2012, e só então percebeu que foi ali que começou a aliar ao clique todo esse conjunto de sensações que me levaram a trazê-lo a público.

“Antes do Atacama minha câmera funcionava no sentido exclusivo do registro”, avalia retrospectivamente.
Lá, deslumbrado com o lugar, tornou o ponto de fuga perspectivista numa linha de fuga deleuziana: o horizonte do deserto supera o significado de pura divisão com o céu, permitindo ao observador a construção de mundos profundamente pessoais.

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Suas predileções sintonizam com essa suscetibilidade artística: Claudio não fecha com um ídolo definitivo. Cita, com algum entusiasmo, Banksy, Sebastião Salgado, Miró. Mas a grande delícia é saber sobre sua pequena obsessão pelos “anônimos do Thumbrl”.

Pois não há uma forma fechada, não há uma ligação definitiva. Não há cartografias congeladas, apenas traços de intensidade que fazem e desfazem alianças com aquele cenário, com aqueles sujeitos.

Mapas como Berlim, Londres, Paris, Nova York, que também aconteceram para ele, foram desmembrados em fotos que nos dão a chance de desterritorializar culturas inteiras.

Ou tempos.

Voltando ao Rio de Janeiro, uma de suas imagens mais emblemáticas mostra a pedra do Arpoador na virada dos anos 70 para os 80. Mas foi tirada em janeiro passado.

Na sala de estar de seu apartamento, Claudio abriga duas ampliações de fotos do extinto píer de Ipanema – reduto de surfistas da primeira metade dos anos 70 – que parecem quase contemporâneas a ela.

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Na busca pela elaboração de sua própria existência, o leigo procura o filósofo, e o filósofo procura o fotógrafo.
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Flickr: https://www.flickr.com/photos/cluden/