Memórias de Caeto

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A ODISSEIA PARTICULAR DE CAETO
Quadrinista expõe intimidade nos quadrinhos e coloca obra entre as melhores do gênero autobiográfico

Por Paulo Floro
Da Revista O Grito!, no Recife

65006 g1Um filho, um pai, um cachorro. Com esses três elementos tão simples, o artista plástico e quadrinista Caeto conta a história de sua vida na HQ Memória de Elefante, que a Companhia das Letras acaba de colocar nas livrarias, através do selo Quadrinhos na Cia. A obra remonta à tradição das graphic novels autobiográficas que se tornaram gênero de prestígio dentro dos quadrinhos, como Persépolis de Marjane Satrapi, Epiléptico de David B., e Fun Home, de Alison Bechdel. Como isso não é comum no mercado nacional este primeiro livro de Caeto ganha relevância.

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Nascido em Assis, no interior de SP, o autor conta de 31 anos sobre sua vida em São Paulo tentando sobreviver. Mas a obra começa a ganhar contornos originais quando explora a relação dele com seu pai, um livreiro ranzinza e falido que sofre de aids. A ligação com o autor-personagem é Julio, um cão vira-lata de olhar psicótico que estabiliza a relação conturbada dos dois já que acaba sendo adotado por ambos. O interesse maior de Caeto não é contar essa história familiar, mas são esses momentos que tornam o livro mais interessante.

O pai do autor é um personagem rico. Homossexual assumido, ele viveu dois relacionamentos longos, um com sua ex-mulher e outro com seu namorado, sempre com amantes. Culto e algo pervertido, ele lembra o pai de Alison na obra Fun Home (lançada pela Conrad). Nessa HQ americana, a relação da autora com o pai costura a trama. Em Memória de Elefante, o personagem pai se impõe, ganhando destaque, sem que isso tivesse sido planejado.

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Quando decide deixar a livraria em que era dono, tudo o que deixa para o filho são três caixas de livro e um relógio-cuco. Contada em tom confessional, a HQ mostra o percurso do autor em sua vida independente sem os pais, pouco dinheiro e sucessivos fracassos na vida amorosa. Nessa sua crônica da cidade grande, Caeto vai se expondo. Desde seus porres homéricos ao lugares infectos em que vive, a narrativa gera empatia em constrangimento com o leitor. Isso mostra que o intuito foi alcançado.

São Paulo
A cidade de São Paulo é outro destaque de Memória de Elefante. Seus bairros, rua, bares, casas noturnas são contados em detalhes minuciosos. A metrópole aparece em algumas digressões na trama, como paineis subjetivos, um tanto surrealistas que Caeto usa para expressar seus sentimentos. Um deles compara mendigos e sem-teto como náufragos numa ilha em que todos veem mas não se importam em salvar. Outro desenho mostra a sucessão de prédios como ideia de imensidão. Fica um desejo de mais momentos como esse.

Caeto achou um lugar especial para seu Memória de Elefante dentro da ótima fase que vive os quadrinhos nacionais. Sua obra confessional não o iguala (ainda) a quadrinistas como David B. e Marjane Satrapi, mas é um pequeno clássico de como histórias de pessoas comuns rendem obras emocionantes.

MEMÓRIA DE ELEFANTE
Caeto
[Quadrinhos na Cia., 234 págs, R$ 39]

NOTA: 8,0

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