Maya Angelou, 90 anos: a recusa do espaço imposto aos negros na América. Leia trecho da nova autobiografia

Maya Angelou (1928-2014) foi cantora, atriz, dançarina, ativista, cineasta e escritora. É uma das vozes mais importantes da luta contra o preconceito racial nos EUA. Seus escritos, sobretudo sua poesia, a tornaram uma das figuras mais influentes da cultura americana no século 20. Este mês, Maya completaria 90 anos. A editora Rosa dos Tempos lança sua autobiografia, Mamãe & Eu & Mamãe, em que ela aborda a reconciliação com sua mãe e também como superou um trauma de infância.

Publicamos aqui um trecho da obra, cortesia da editora Rosa dos Tempos. Leia abaixo.


 

“Telefonei para a minha mãe. ‘Vou para Nova York e adoraria que você viesse me encontrar em Bakersfield ou Fresno. Queria ficar um pouquinho com você antes de deixar a Costa Oeste.’

Ela disse: ‘Oh, meu amor, eu também quero te ver, porque vou me aventurar no mar.’

‘Se aventurar onde?’

‘Eu vou me tornar marujo.’

Perguntei: ‘Por quê, Mãe?’ Ela tinha licença de agente imobiliária e havia sido enfermeira e era dona de um cassino e um hotel. ‘Por que você quer se aventurar no mar?’

‘Porque me disseram que nenhuma mulher pode participar do sindicato deles. Insinuaram que o sindicato com toda a certeza jamais aceitaria uma mulher negra. Eu disse: ‘Querem apostar?’ ou enfiar o pé na porta deles até o quadril e só tirar depois que todas as mulheres puderem entrar nesse sindicato, embarcar num navio e ir para o mar.’

Eu não tive dúvidas de que ela faria exatamente o que disse. Nós nos encontramos alguns dias depois em Fresno, na Califórnia, em um hotel que recentemente passara a permitir a entrada de negros. Eu e ela chegamos ao estacionamento quase ao mesmo tempo. Quando apanhei a minha mala, Mamãe disse: ‘Ponha isso no chão, ao lado do meu carro. Ponha aí. Agora venha.’

Entramos no saguão. Mesmo naquele hotel, recentemente não segregado, as pessoas ficaram literalmente espantadas ao verem duas negras entrando. Minha mãe perguntou: ‘Onde está o carregador?’ Alguém caminhou até ela. Então, ela disse: ‘As minhas malas e a mala da minha filha estão lá fora ao lado do Dodge preto. Por favor, traga-as para cá.’ Eu a segui enquanto ela ia até o balcão e dizia ao recepcionista: ‘Sou a Sra. Jackson e esta é a minha filha, a Srta. Johnson. Temos duas reservas.’

O recepcionista olhou para nós como se fôssemos criaturas selvagens. Olhou para a agenda e descobriu que de fato tínhamos reserva. Minha mãe pegou as chaves que ele nos ofereceu e acompanhou o carregador com as malas até o elevador.

Lá em cima, paramos em frente a uma porta e ela disse: ‘Pode deixar minha bagagem aqui com a da minha pequena.’ Ela deu uma gorjeta ao homem.

Mamãe abriu sua mala e, no topo, sobre suas roupas, havia um revólver calibre 38. Ela disse: ‘Se eles não estivessem preparados para a integração racial, eu estaria preparada para lhes mostrar isso aqui. Meu amor, preparada para qualquer situação que você possa encontrar pela frente. Não faça nada que acredite ser errado. Faça simplesmente o que acha que é certo e depois esteja preparada para bancar sua decisão, ainda que seja com a sua própria vida. Tudo o que você disser deve ser dito duas vezes. Ou seja, uma vez você diz para si mesma e, em seguida, se prepara para dizê-lo nas escadarias da prefeitura e esperar vinte minutos até atrair uma multidão. Nunca faça isso para ser notícia. Faça para que todos saibam que o seu nome é sua garantia, e que você está sempre bancar o seu nome. Nem toda situação negativa pode ser resolvida com uma ameaça de violência. Confie em seu cérebro para encontrar a solução e, depois, tenha a coragem de segui-la.”