Cantora, compositora, atriz e dançarina, a jamaicana Marion K é uma artista de muitos talentos. Ao longo de sua extensa carreira, ela já teve a chance de conhecer e cantar com grandes nomes da música como Jimmy Cliff, Pato Banton e o rei do reggae Bob Marley, que em uma ocasião elogiou sua performance como dançarina em um espetáculo na Jamaica.
Vivendo em São Paulo há quase quatro anos e dona de um português impecável, a cantora falou sobre diversos assuntos, inclusive sobre sua conversão (cristã evangélica) e sobre seu novo álbum, que será lançado logo após a pandemia. Este novo trabalho será um eletrônico gospel, com swing africano e rock, algo totalmente diferente do som que as pessoas estão acostumadas a ouvir.
Dona de hits como “It Feels So Good” e “What Can I Do”, Marion comentou sobre as principais semelhanças com a sua terra natal, a Jamaica. Muito simpática e com sorriso na voz, Marion apenas falou sério quando recordou um grave problema nas cordas vocais que teve há poucos anos, e que, segundo ela, foi curado graças à fé.
A artista vive entre a Jamaica e o Brasil – inclusive tem um filho brasileiro – e ressaltou seu carinho pelo público brasileiro, fã de seu trabalho musical.
Você fala português fluente, como aprendeu tão facilmente o nosso idioma?
Eu tenho facilidade, eu acho, a minha mãe era poliglota. Quando vim [para cá pela] primeira vez e vi as pessoas falando, eu pensei “meu, eu nunca vou aprender a falar português”, mas depois, estando aqui algumas vezes e por alguns meses, eu já saquei várias coisas. Eu aprendi na rua mesmo, com as pessoas.
Eu iria ter aulas e uma amiga minha me disse “pra quê? você vai ficar aqui uns meses, aprende na rua, com as pessoas”, aí foi assim mesmo. Eu amo a língua brasileira, é muito linda.
Você já trabalhou com vários artistas conhecidos, como Jimmy Cliff, como foi essa experiência?
Sim, eu ensaiava na casa do Jimmy Cliff. É engraçado porque eu sempre tive uma conexão com gente famosa, mas eu nunca achei nada demais, sempre achei algo normal. Quando eu comecei seriamente a entrar na música, a desenvolver a minha carreira, vi que essas coisas significavam muito.
Você inclusive cantou em uma das músicas dele, em um álbum dele que fez muito sucesso.
Foi sim, mas eu não viajei com ele em turnê. Eu era jovem né, aí eu chutei o pau da barraca (risos), porque não era a minha intenção ficar famosa. Ele tinha três pessoas (backing vocals), eu, a jamaicana, uma americana que era a minha amiga, e uma africana, com quem eu não me dei bem. Aí eu pensei naquele momento: “Eu não vou ficar”, minha cabeça não estava naquele foco. Então eu sai, a americana saiu e anos depois eu vim a cantar com o Jimmy Cliff. Só pra mostrar que quando Deus diz que é, ninguém tira né?
Eu gravei no álbum dele, fiz uma participação grande em uma das músicas dele. Você acredita que eu não me lembro do nome da música, eu sou péssima nessas coisas. Eu tenho algumas coisas minhas, mas não sou muito de guardar as coisas que fiz, porque eu fiz muitas coisas. Mas como para mim isso era normal, então eu não guardei muita coisa também por isso.
Você também cantou com o rapper britânico Pato Banton.
Ele é jamaicano, mas mora na Inglaterra. Eu gravei uma música com ele no Brasil, “Aea-Oaê, Things from Brazil”. Eu estava em contato com ele, mas já faz um tempo que não nos falamos.
Há quanto tempo você mora no Brasil (São Paulo)?
Vai fazer quatro anos, mas eu vou e volto, geralmente, pra Jamaica.
Inclusive você tem um filho brasileiro, não é? Ele trabalha com você na produção dos shows?
Sim, tenho. Ele já trabalhou comigo no passado, mas agora não mais.
Já vivendo no Brasil, você teve um problema sério nas cordas vocais, como foi isso?
Antes da pandemia eu já tinha parado, eu tive um problema nas cordas vocais e a primeira pausa foi por isso. Eu parei por um ano. Eu decidi parar por um ano para a minha voz voltar ao normal e aí ela voltou e muito melhor. Mas após isso, eu fui pra Jamaica e fiquei lá quase dois anos e meio antes de voltar ao Brasil.
Mas nessa ida à Jamaica, Deus me chamou, acredite se quiser. Aconteceu uma coisa muito doida comigo (risos) e Deus me chamou. Eu estudei com uma pastora/profeta na Jamaica durante esse tempo, aprendendo sobre Deus e eu decidi me tornar cristã. Já tinha decidido isso quando perdi a minha voz. Foi o meu primeiro encontro, eu havia pedido pra me tornar cristã, porque eu havia perdido tudo, assim como Jó, sabe? Perdi shows etc, mas eu não me desesperei, comecei a ler a Bíblia e tudo mais e pedi para me tornar cristã. Mas uma coisa é você se decidir, outra coisa é Deus te chamar.
Eu estou trabalhando em uma música super enlouquecida com batidas eletrônicas, que mistura reggae jamaicano com rap, super dançante e que é gospel. Minhas amigas me chamam de “piricrente” (risos).
Deve ter sido um momento muito marcante pra você, tanto pela questão do problema nas cordas vocais como a religião na sua vida.
É engraçado porque quando alguém se torna cristão, a gente logo pensa “xiii vai ficar chata etc” enfim (risos). Eu nunca imaginei que eu ia sair da música dance para o gospel, mas Deus não falou que eu tenho que mudar o meu estilo, meu jeito de ser, não é nada disso. Ele simplesmente muda o conteúdo. Foi uma mudança que eu não tive o trabalho de fazer, porque basta você querer realmente.
Eu estou trabalhando em uma música super enlouquecida com batidas eletrônicas, que mistura reggae jamaicano com rap, super dançante e que é gospel. Minhas amigas me chamam de “piricrente” (risos). Porque viver para Deus não significa que você tenha que usar aqueles vestidos longos, cobrir a cabeça, essas coisas todas, não é nada disso e tem mais: Deus não vem para os perfeitos, não! Deus vem para pessoas como eu, como você, Deus vem para nós, para as pessoas diferentes. Meu show, minha onda de Deus é justamente isso. Nada é forçado. Deus chama a gente onde a gente está.
Há quanto tempo você se converteu?
Há três anos que fui chamada. Eu ouvi a voz dele, foi uma coisa assim enlouquecida, entendeu? Na hora que ele desceu em mim, eu gritando na igreja, uma coisa de louco, uma coisa muito incrível.
A recuperação total desse problema vocal você atribui à sua fé?
Foi minha fé e foi Deus que me recuperou de verdade. Eu estava sem voz, não sabia o que fazer. O telefone tocou, uma pessoa disse que eu tinha uma consulta na Santa Casa (SP). Veja bem, eu nem sabia o que era a Santa Casa, onde era, quem me indicou lá, procurei todo mundo com quem eu trabalho e disseram “não, a gente não fez isso (consulta na Santa Casa), a gente nem sabia que você estava com esse problema” eles disseram.
Ninguém pôs o meu nome naquele lugar, e eu fiz a cirurgia né. E detalhe, o médico que me operou, é o melhor médico de doenças de garganta do Brasil. Eu estava indo para a fono e quando perguntei se ela o conhecida, ela não acreditou. Disse que ele era um dos maiores cirurgiões do Brasil referente à doenças da garganta, e ela tinha pensado em me indicar pra ele antes. Olha que louco Deus fez.
Veremos versões gospel de “It Feels So Good” e “What Can I do” em breve?
Eu já mudei um pouquinho da letra. Mudei algumas palavras, porque é uma música de amor. Essas duas músicas, eu fiz um trabalho em cima delas e posso tocar, eu fiz uma versão inacreditável de “What Can I Do.”
Em 2014, você fez um projeto chamado “Sounds of the Ghetto”, como foi isso? Eu vi o clipe, você dançando junto com várias pessoas de uma comunidade.
Era uma música que eu compus. Aí eu conheci as pessoas da comunidade carente de São Mateus onde eles tinham uma oficina para ensinar aos jovens sobre música, videoclipes (CineMateus coletivo), e foi bem incrível trabalhar com eles. Um trabalho muito bem feito, com produtores, figurinistas, eu me entrosei muito com eles, nós trabalhamos muito juntos, ficou muito legal, os bailarinos, enfim. Nós fizemos um show, aí depois não deu continuidade por outras questões, a música chama-se “Lova” e o projeto “Sounds of the Ghetto”.
Eu soube que você também faz um trabalho voluntário com crianças, fale um pouco sobre isso.
Eu faço um trabalho às vezes com crianças especiais em um centro cultural em uma comunidade, ligado à aulas de dança e outras coisas, porque eu era bailarina. Eu ajudo eles a ler etc. Eu amo trabalhar com crianças. Eu amo mesmo.
E como você lidou ou melhor está lidando com a pandemia? Estamos desde março nesse regime de confinamento.
Fiquei em casa, doente com o Coronavírus. Eu fiquei super mal, mas eu pedi pra Deus não me deixar faltar ar. Não tive falta de ar, fiquei também parada, não podia fazer nada (movimento), foi um Deus nos acuda. Eu fiz exames, fui ao médico, me deram remédios, eles me monitoravam. No início acharam que teria que me internar, mas depois não foi necessário, pois eu estava respirando. Eu malho muito né, então isso ajudou muito, e Deus, lógico em primeiro lugar. Às vezes eu achava que não ia aguentar mas eu aguentei firme (risos).
Sente saudades da Jamaica nesses quatros anos vivendo no Brasil?
Sinto. Eu sinto saudades mas também quando vou pra lá e fico um tempo lá, eu sinto saudades do Brasil (risos).
Existem muitas semelhanças entre o Brasil e Jamaica?
O carisma das pessoas. O Brasil não é muito tropical. O Rio de Janeiro é, mas São Paulo é mais intermediário, aqui (SP) a temperatura é mais imprevisível, mas eu gosto daqui e estou feliz morando aqui. Eu me adapto facilmente à muitas coisas.
E quais são os seus projetos pós-pandemia, você comentou sobre essa música eletrônica gospel.
Após a pandemia, vamos gravar um videoclipe com a música nova, chama-se “Without Him”. Como te falei, ela é gospel, eletrônica misturada com swing africano. É uma mistura, com rock também, muito legal, tem muitas batidas. Nós vamos fazer o videoclipe em breve e em seguida vamos fazer uma live, e fazer a divulgação, com muito eletrônica, batidas, backing vocal e tudo mais e vamos soltar isso nas plataformas. Acho que será incrível. Eu acho que quando sair a música, as pessoas vão ver a diferença do que eu disse, digo, vendo o gospel sob um ângulo diferente. Eu gostaria de deixar um grande beijo para todos os meus fãs do Brasil, se inscrevam no meu Instagram.
Leia mais entrevistas:
- Lauro, nome da Nova MPB, e o imaginário pernambucano como inspiração
- Um papo com André Antônio, diretor de “Salomé”: “o sexo e o tesão são algo centrais para a experiência subjetiva”
- Um papo com Jaloo: “Tudo é um gozo. Se estou conseguindo me manter aqui é porque, de alguma forma, estou gozando”
- Um papo com Hellena Maldita: “o mais importante foi ser porta-voz das pessoas positivamente vivas”
- De fotógrafa a finalista do Drag Race Brasil, Betina Polaroid celebra as cenas drags pelo país