Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente
Thiago Pimentel (showrunner) e Marcelo Gomes e Carol Minêm (direção)
BRA, 2025. 5 episódios disponíveis no HBO Max
Com Johnny Massaro, Ícaro Silva, Bruna Linzmeyer
Quando a HBO Max anunciou a estreia da minissérie Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente, em um perfil nas redes sociais surgiram comentários questionando a validade da produção neste momento. Entre eles, afirmava-se que era um assunto superado e que o público não aguentava mais recordar tanta dor e sofrimento, pois a trama da minissérie gira em torno da epidemia da aids no final dos anos 1980, tendo como foco central um grupo de comissários de bordo de uma companhia aérea que passa a trazer clandestinamente, dos Estados Unidos, o remédio AZT, então proibido no Brasil.
Realmente, em 2025, o quadro em torno do HIV/AIDS mudou bastante. Embora a cura definitiva ainda não exista, é possível ao portador do vírus levar uma vida saudável e conviver com ele sem adoecer. No Brasil, hoje, os medicamentos antirretrovirais são distribuídos gratuitamente pelo SUS e novas drogas, inclusive preventivas como a Prep, estão acessíveis. No entanto, cerca de 10 mil pessoas morrem por ano pela doença, seja por falta de informação ou preconceito. E, mesmo quarenta anos depois dos primeiros casos, qualquer soropositivo pensa duas vezes antes de se declarar como tal. Fazer uma série que aborda o tema continua, portanto, atual.
E, certamente, foi esta uma das motivações dos roteiristas Patricia Corso e Leonardo Moreira e dos diretores Marcelo Gomes e Carol Minêm, para darem vida a Máquinas de Oxigênio Não Cairão Automaticamente, realização idealizada por Thiago Pimentel. Ver o que aconteceu no passado é valorizar as conquistas que temos nos dias de hoje. Além de prestar uma justa homenagem a quem no auge da epidemia correu riscos para ajudar doentes que conseguiram ter uma sobrevida e até escaparem da morte certa graças ao uso do AZT, a minissérie põe em cena, a partir de uma contravenção – o contrabando de remédios – o início de uma reação que foi fundamental para toda aquela geração e as seguintes.
Já nos primeiros episódios, um dos aspectos a chamar a atenção, como mostra a trama, é o fato de ter sido graças à tomada de consciência da gravidade da situação, sobretudo, pela comunidade gay, a mais atingida, que foi possível pressionar o governo brasileiro a implementar políticas públicas de saúde para conter o avanço da doença. É bom lembrar que a aids rapidamente fez vítimas entre hemofílicos, trabalhadoras do sexo, usuários de drogas e, também, pessoas fora desses grupos expostas, de alguma forma, ao vírus.
Outro ponto a ser destacado é como a minissérie mostra a solidariedade nascida entre os atingidos pela aids, uma atitude fundamental no combate ao preconceito e na prevenção da doença, em um período em que bastava alguém ser diagnosticado como portador do então chamado “câncer gay” para se tornar uma espécie de morto-vivo do qual ninguém queria se aproximar. O medo e o estigma por atingir, principalmente, as camadas mais marginalizadas da população, provocavam até mesmo a negação de que o risco de contrair o HIV fosse real.

Apresentar a complexidade vivida naqueles anos tão difíceis foi, sem dúvida, um desafio para os realizadores. Mas as escolhas feitas mostram que foi uma aposta válida. A trama é inspirada em uma história real e mescla fatos verdadeiros com situações e personagens fictícios, tendo como principal pano de fundo a cidade do Rio de Janeiro com sua vida noturna agitada e frenética.
Nos cinco episódios que compõem a série e já estão disponibilizados, vemos uma teia bem urdida de acontecimentos e pessoas que emergem da tela e vão nos seduzindo e nos jogando diretamente no olho do furacão de um drama cuja representação exige não apenas apuro estético, mas um senso ético equilibrado na conduta da história. E nesse sentido, o caminho escolhido, tratando cada questão com o respeito e a sensibilidade adequados, foi muito bem trilhado pelos responsáveis da produção uma vez que a epidemia da aids abalou certezas, transformou fantasias em pesadelos e soltou demônios.
A narrativa, apesar de percorrer situações por demais conhecidas em se tratando de um drama envolvendo a aids, foi construída de modo a apresentar os principais dilemas e reações – o medo da morte, o sofrimento, a angústia, o desespero, a esperança – enfrentados por cada uma das vítimas, seus parentes e amigos, a partir de perspectivas originais e até inesperadas.
Para isso, a história conta com uma galeria de personagens compostos com a profundidade necessária para trazer a dimensão dramática que o tema exige. O destaque evidentemente recai sobre os protagonistas, principalmente Johnny Massaro, no papel do comissário de bordo Fernando, e Ícaro Silva, como Raul, um dos integrantes da casa noturna Paradise, onde boa parte do enredo se desenrola. Ambos apresentam performances impecáveis e condizentes ao que eles representam na história.
Esse desempenho notável percebe-se, na verdade, em todo o elenco que conta com atores e atrizes profissionais e também travestis e pessoas pretas em papéis chaves, cuja presença, aliada a uma ambientação bem desenhada, proporcionam uma mise-en-scène vibrante e envolvente. Junto a isso, vê-se claramente como a direção de Marcelo e Carol trabalhou com habilidade o uso da fotografia, privilegiando os planos fechados e as cores fortes, e imprimiu um ritmo narrativo guiado pela emoção, onde o glamour e os desejos se misturam com a feridas e as lágrimas.
Esse conjunto de elementos evidenciam o caleidoscópio de sentimentos de quem era tragado pelo que estava acontecendo em que se passava da festa para um leito de hospital ou uma cova em questão de dias. A minissérie Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente, embora, de forma inevitável, recaia em alguns clichês cinematográficos de filmes e séries envolvendo personagens LGBTQIA+ e a epidemia da aids, consegue ir além, pois revisita com sinceridade tempos difíceis e tristes e mostra que os corpos dissidentes e os que não se submetem à heteronormatividade são capazes de lutar e resistir. E essa disposição tem que ser lembrada e enaltecida.
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