Há dois vídeos publicados no canal do YouTube da Mano Unica. São performances ao vivo gravadas. As vozes registradas, síncronas aos instrumentos, tocados com as mãos, soprados, numa maneira “artesanal” de fazer música. Antes da chegada dos sintetizadores, samples, e da tecnologia como conhecemos hoje, antes de existir a possibilidade de fazer cortes num programa de edição, quando tudo precisava ser gravado sem erros, porque tinham poucas fitas, era assim que a música era gravada. Numa sala, promovendo uma real reunião dos envolvidos nas faixas.
Essas são as impressões que Nascentes, primeiro disco de faixas autorais do conjunto, passa. Não só a impressão de que vocalistas e instrumentistas se uniram para fazer as sonoridades fluírem juntas, mas sobretudo, a própria ação humana nesse processo. Como se fosse possível sentir que é a mão quem bate no tambor, que é o fôlego que produz os sopros, ora doces, ora metalizados. Além disso, as vozes e as interpretações vindas delas, só reforçam essa sensação de corpo presente.
Formada por músicos dedicados à explorar as sonoridades latino-americanas, a banda paulistana investiu nessa dedicação para criar o primeiro disco de autorais, vindo depois de Lecturas (2019).
Unidos, Julio “Dreads” Oliveira (voz principal e percussão), Leandro Canhete (percussão e voz), Pedro Rodrigues (percussão), Macarena Rozic (voz), Lourdes Miranda (voz), Fernando Salvador (guitarra), Thor Moura (baixo) e Pedro Vithor Almeida (clarinete e sax Soprano) passeiam pela América Latina musical através de ritmos como maracatu, candombe, coco, chacarera, zamba, vidala, cumbia e ijexá.
O grupo contou com a participação de artistas da cena cultural brasileira como Thiago Elniño, Brisa Flow, Fabiana Cozza, Loreta Colucci, Hélio Francisco, Máximo La Malfa e os integrantes do naipe de sopros do grupo Samuca e a Selva (Bio Bonato, Kiko Bonato, Victor Fao e Felippe Pipeta).
A conexão latina é sentida para além das mesclas sonoras mas também na esfera do idioma. Faixas cantadas em português e espanhol demarcam essa fusão. Outra característica neste aspecto é a presença da cultura originária indígena, tanto no título quanto na temática das faixas.
Mano Unica aproveita, nesse resgate às raízes da cultura popular, para não só imprimir a musicalidade, como também levantar discursos necessários e políticos sobre os corpos criadores dessa cultura, entendendo que a mesma tem base negra e indígena. Como exemplos, em “Guerrilha”, é abordada a resistência ao processo de disputa por território originário forjado de um sistema colonial persistente na nossa sociedade; em “Në Waripë”, por sua vez, o extermínio ocasionado pelo garimpo.
A exaltação da natureza, da ancestralidade, assim como da conexão entre essas, são sentidas nas letras e nas escolhas dos arranjos instrumentais. Estes, ora trazem a calmaria da mata, ora o calor e refresco de uma ilha caribenha pelas latinidades experimentadas.
Mano Unica entrega dedicação em Nascentes. Explora com êxito ritmos latino-americanos que chamam para a dança, que reconectam com a natureza, com o ancestral, além de incluir as mensagens que são motores de sua realização artística. Para o primeiro trabalho de autorais, a banda consegue transpor sua essência, na música e nos conceitos.
Ouça Mano Unica – Nascentes:
Leia mais críticas
- “SOPHIE” é uma homenagem sem coerência ao legado de um dos grandes nomes do pop
- Caxtrinho canta crônicas sobre desigualdade em “Queda Livre”
- Uana na dianteira do pop pernambucano em “Megalomania”
- Kaê Guajajara cria mosaico de sons em “Forest Club”
- Floating Points faz disco talhado para as pistas em “Cascade”