Luz nos Trópicos
Paula Gaitán
BRA, 2020, 4h20. Distribuição: Descoloniza Filmes
Diante da velocidade com que os acontecimentos, hoje, são difundidos nos meios de comunicação, ancorados em narrativas audiovisuais cada vez mais sintéticas e aceleradas, assistir ao novo filme da cineasta Paula Gaitán não deixa de ser um desafio ao qual poucos, talvez, queiram enfrentar. Todavia, quem tiver a coragem de encarar as quatro horas e vinte minutos de Luz nos Trópicos viverá uma experiência ímpar. Entenderá também por qual motivo a realizadora, cuja obra sempre foi marcada por um trabalho que explora as imagens em toda sua plenitude expressiva, não faz concessões ao formato padrão dos filmes atuais com média entre 90 e 120 minutos de duração.
Luz nos Trópicos é uma obra para ser apreciada com o espírito e os olhos atentos. É um filme que se move literalmente como um barco navegando por rios sinuosos. Sua narrativa flui a partir de um texto onde as imagens têm o controle total sobre o que se enuncia, convidando o espectador a entrar no mundo que ela constrói e que, sem pressa, a ele se revela. Há tempo para apreciar a paisagem, para ouvir os ruídos das árvores e dos pássaros e também para compartilhar as mesmas sensações vividas pelos personagens que conduzem a trama. Uma trama que transita entre o real e a imaginação acompanhando um jovem que troca o país frio do hemisfério norte, onde vive, para voltar às suas origens em uma terra de luz intensa, florestas e rios e reencontrar seu povo da nação Kuikoro, no Alto Xingu.
O filme de Gaitán não comporta uma classificação precisa como espetáculo cinematográfico. Ele tem elementos que remetem a um ensaio etnográfico e, ao mesmo tempo, evoca um tratamento estético aberto a múltiplas possibilidades visuais que o aproximam do cinema experimental. A cineasta explora diferentes texturas da imagem, usando, inclusive, diversos suportes que vão da película ao digital, passando pelo super 8 e o 16mm, elementos que não são gratuitos, pois estão articulados com a urdidura do roteiro, além de sugerirem uma estrutura poética conduzida pelo olhar da câmera.
Luz nos Trópicos suscita ainda uma reflexão sobre o desejo de busca e descobertas (ou redescobertas) que movimentam a alma humana, aspecto ressaltado quando o filme coloca em cena um grupo de europeus com indumentárias do século XIX do qual apreendemos que eles largaram seu continente para se aventurarem por rios e igarapés em uma região tropical. A inspiração para inserir este elemento no filme, segundo a realizadora, foi o episódio conhecido como a expedição Langsdorff. Organizada e chefiada pelo médico alemão, naturalizado russo, Georg Heinrich von Langsdorff, a expedição percorreu entre os anos de 1824 e 1829 mais de dezesseis mil quilômetros pelo interior do Brasil registrando tanto aspectos da natureza quanto da sociedade da época.
Paula Gaitán nasceu na França, mas cresceu na Colômbia e vive entre o Brasil e a Europa. Não há dúvidas de que essa sua trajetória de vida está de alguma forma retratada no filme, seja pelo olhar de viajante em permanente questionamento com o que vê ou quando ela refaz parte do caminho de Langsdorff pelos rios brasileiros. Esse olhar testemunha e indagador do que nos cerca está também configurado pela visão indígena que ela incorpora com delicadeza na narrativa. Num momento em que os processos de colonização estão sendo debatidos, Luz nos Trópicos é um interessante ponto de partida para pensarmos como o nosso imaginário e nossas convicções sobre o que somos precisam ser revistas.
O filme foi rodado em 2018 e fez sua estreia em 2020 na 70ª Berlinale, na Alemanha e ganhou o prêmio de Melhor Filme no Olhar de Cinema – Festival Internacional de Cinema de Curitiba. Ele será exibido neste sábado no Cinema da Fundação no Derby em sessão única às 16h10 seguida de debate com a realizadora.
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