Slumdog: Bollywood pra inglês ver
Por Luiza Lusvarghi, colunista d’O Grito!
No Brasil Colônia, cunhou-se o termo “pra inglês ver”, expressão que designava a lei contra o tráfico negreiro aprovada em 1831, pelo ministro Feijó, para atender as demandas da coroa inglesa, que exigia o fim da escravidão para manter seus acordos comerciais. Lei que jamais seria cumprida naquela época, como sabemos. O termo é perfeito para entender a premiação do Oscar 2009 de melhor filme e melhor diretor para Quem Quer Ser Um Milionário?, de Danny Boyle. Não que o diretor e o filme não tenham seus méritos. Mas certamente ele venceu uma concorrência forte não por acaso.
Irã e Índia são de longe, os países de mais elevado market share do planeta. Neles, a produção hollywoodiana não tem vez, a não ser via pirataria, pois são mercados fortes apoiados pelos respectivos Estados. No Irã, sob a tutela da Farabi Arabian Foundation, a produção local domina 99% do público. No caso da índia, cujo órgão mais importante é a National Film Development Corporation, a produção bate de longe a produção americana de filmes, em número, mas não em faturamento, devido ao baixo valor do ingresso, US$ 0,35. Por isso, a economia do cinema norte-americano gerou, só em 2003, uma renda de US$ 9,5 bilhões, enquanto o cinema na Índia ficou em US$ 642 milhões.
O próprio pesquisador americano Robert Stam chama a atenção, em sua obra Introdução à Teoria do Cinema, para o fato da idéia da nação norte-americana ser a maior produtora do mundo estar ancorada nas estratégias de marketing difundidas pela mídia e não na realidade. Paises periféricos menos preocupados com grandes orçamentos podem ser muito mais ágeis na produção de filmes, como demonstra a Nigéria. Mas o nó continua a ser a distribuição, que é monopolizada pelas majors na maior parte do mundo e no Brasil.
A Índia possui uma das indústrias cinematográficas mais potentes do mundo, produz a maior quantidade de filmes e atrai maior público. A maioria é produzido em Bombai, daí o nome Bollywood. Em 2005, o país bateu pela primeira vez a marca dos mil filmes, totalizando 1.041 longas-metragens produzidos, sendo que 95% desses ingressos foram para produções nacionais. Nos EUA, foram lançados no mesmo ano 535 filmes.
O namoro entre a América e Hollywood vem se intensificando nesta última década. No ano passado, a grande atriz de Bollywood, Aishwarya Bachchan recusou um papel no filme de Will Smith, Seven Pounds, para participar de um ritual de casamento em Bombai, ao menos foi o que a imprensa divulgou. Mas o fato é que a grande estrela certamente não teria no filme de Smith um papel à sua altura.
Voltando ao filme de Boyle, o argumento é tremendamente auspicioso nesse sentido. Um jovem garoto analfabeto, morador de uma favela de Mumbai, ganha o maior prêmio de um programa de perguntas e respostas. Detalhe: o filme, em inglês Slumdog Millionaire, faz alusão a um programa real. Trata-se da franquia do game show Who wants to be a millionaire, extraído de uma canção de Cole Porter, e propriedade da Sony Corporation. Slumdog foi baseado no romance Q&A, do escritor indiano e diplomata Vikas Swarup. Foi realizado pela Warner Independent Pictures, divisão da grande Time Warner destinada ao cinema de baixo orçamento, prática comum entre as majors para abocanhar a sua fatia dentro do chamado mercado “independente”. Com isso elas asseguram sua competitividade e podem se dar ao luxo de arriscar investimento em produtos ainda não consolidados. Sony, Warner e Disney vêm tentando ampliar sua presença no mercado indiano, sem muito êxito.
A inclusão de gente comum na tela da televisão nestas duas últimas décadas, como se sabe, tem sido uma fórmula muito mais conveniente para assegurar faturamento, barateando cachês, e promovendo uma rápida identificação com o público, do que por qualquer sintoma de democratização ou popularização de novos modelos de produção. Os reality shows são o pão e circo da contemporaneidade.
Sem fazer concessões, a poderosa Warner passou a ter mais visibilidade na Índia, onde os jovens e desconhecidos astros de Slumdog se tornaram celebridade da noite para o dia. A atriz Freida Pinto vai participar do próximo filme de Woody Allen. O tapete vermelho continua a ser uma referência de tendências, e uma vez que 65% do faturamento desta indústria é proveniente do mercado externo, nada mais conveniente do que cotejar novos públicos com premiações, caso de astros latinos nas principais categorias – Bardem, Marion Cottillard, e agora Penélope Cruz. Mas isso não significa necessariamente diversidade ou multiculturalismo. O monopólio ainda dá as cartas.
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