Quando “Sou Má” foi lançada, Ludmilla já declarava ali as fortes inclinações de seu novo trabalho pelo trap. Nascido nas ruas de Atlanta (EUA), o estilo ganhou o mundo pela batida forte e rápida que normalmente acompanha uma letra cheia de carteiradas embasada nas vivências de seu intérprete. Popularizado no mundo, e até mesmo no Brasil, majoritariamente por homens, o estilo é casa para o fenômeno Tasha & Tracie, por exemplo. E é com a dupla que Ludmilla divide vocais na faixa mencionada, um destaque de Vilã, novo disco da carreira, que além do trap, traz outras sonoridades nascidas nas ruas, como o funk e o R&B.
Após um período dedicada ao Numanice, seu projeto de pagode, e o lançamento de alguns singles, a artista carioca se debruçou na produção desse novo disco, que além de “Sou Má” e da já conhecida “Socadona”, traz 13 faixas inéditas, entre solos e participações especiais.
A atmosfera de Vilã convida o ouvinte a desbravar uma Ludmilla ousada nas letras e versátil nas sonoridades. A nível de comparação, a temática erótica que permeia o hit “Maldivas”, sua evidente homenagem à esposa Bruna, ganha camadas bem mais profundas e explícitas nesta sequência de novatas.
“Malvadona” parceria com Vulgo FK e Oruam, “5 Contra 1” feat. Dallass, “Gostosa com Intensidade”, “Sintomas de Prazer”, “Solteiras Shake” com Gabriel do Borel, são alguns exemplos pungentes dessa verve erótica. A aposta na temática é um ato de coragem e ao mesmo tempo reforça a autenticidade de Ludmilla. Em meio a um país extremamente elitista, preconceituoso com as temáticas libertinas do funk, ter uma artista mulher cantando abertamente sobre sexo livre e bissexual, causa escândalo às mentes mais conservadoras.
Sobre a versatilidade sonora do disco, a cantora carioca traz consigo uma carga muito fiel ao funk e abre espaço para incorporar ao repertório suas preferências como amante da música. O R&B, declaradamente inspirado no som de SZA, aparece bem dosado e mesclado ao funk e ao trap em faixas brilhantes do trabalho, nas baladas “Eu Só Sinto Raiva” com Ariel Donato, “Me Deixa Ir” e “Brigas Demais” com Delacruz e Gaab.
A pluralidade musical do disco também se deve às parcerias internacionais. “Socadona”, a única que destoa do padrão melódico do resto das faixas, traz o afrobeat, ritmo com o artista jamaixano Mr. Vegas, a malemolência caribenha com o dominicano Topo La Maskara e a latinidade com a cantora cubana-estadunidense Maria Angeliq. “Vem Por Cima” conta com o pop colombiano do grupo Piso 21. “Todo Mundo Louco” traz o rapper italiano Capo Plaza se relacionando com o funk dos brasileiros Tropkillaz e os beats do norte americano Ape Drums. E “Senta e Levanta” traz a britânica-jamaicana Steffon Don e Topo La Maskara.
Uma das fortes características do trap são os relatos das vivências pessoais de seu intérprete. Em faixas como “Nasci Pra Vencer” e “Sou Má” as narrativas de conquista são o destaque. Alvo constante de casos deploráveis de racismo, o ato de Ludmilla “bater no peito” e se auto-valorizar ainda é considerado arrogância pelas mentes embranquecidas que não aceitam a ascensão de um corpo preto.
Vilã, ainda que não se revele como um celeiro de hits da carreira da cantora (a ver), vem para renovar o trabalho de Ludmilla na aposta da música popular e no valor da produção que vem das pessoas pretas, das favelas e da rua. As parcerias internacionais talvez sejam o maior trunfo do disco pelo intercâmbio promovido dos que vem de fora com a produção popular brasileira. O que é da rua ganha o mundo, como o trap ganhou, e através de artistas como Ludmilla, o funk e as brasilidades alcançam esse patamar internacional cada vez mais.
Ouça Ludmilla – Vilã
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