Longlegs – Vínculo Mortal
Osgood Perkins
EUA, 2024. 1h41. Terror. Distribuição: Diamond Films
Com Maika Monroe, Nicolas Cage
Como é prazeroso testemunhar um cineasta manipular, com maestria, a potência do silêncio na construção de uma atmosfera tensa. Cada vez mais, o afã pelo barulho sequestra a criatividade dos diretores de filmes de gênero (horror incluso); tornam-se passivos reféns de jumpscares, arquitetando silêncios tão previsíveis que funcionam apenas como aviso evidente: vem susto aí.
Em Longlegs – Vínculo Mortal, Osgood Perkins atinge a direção mais hábil da sua carreira, fundamentalmente pela habilidade sonora com a qual conduz a narrativa. Das convenções de filme de serial killer ao cinema de terror (e seus subgêneros), o longa apresenta-se visualmente sofisticado de cara: a primeira cena, em razão de aspecto 1.33:1, é uma aula de composição e servirá, narrativamente, para a compreensão de outras sequências ao longo da projeção.
Sem delongas, a trama se apresenta: o FBI reabre o caso de um assassino em série que dizima famílias, sem deixar vestígios nos locais dos crimes, com exceção de cartas escritas em códigos e assinadas pelo seu codinome, Longlegs (Nicolas Cage). A agente Lee Harker (Maika Monroe) é convocada a acompanhar o caso e logo percebemos existir algum tipo de relação entre a oficial e o criminoso.
Sempre desconfortável, fisionomia inquieta, Monroe imprime uma densa interpretação à sua personagem. Através da sua postura corporal, a atriz revela – muitas vezes sem dizer qualquer palavra – que estamos diante de uma pessoa instável, atordoada, profundamente marcada por algo do seu passado. Há uma espécie de capacidade psíquica de vidência na agente Lee Harker, e esta informação é o primeiro passo da produção ao terreno do sobrenatural. Não estamos lidando com um criminoso comum e, à medida que as forças invisíveis ganham relevância no roteiro, o filme se avigora em uma trama satânica de arrepiar os cabelos.
Perkins é muito eficaz ao criar a percepção de perigo que ronda a protagonista; a câmera caminha por trás de Maika Monroe, como uma ameaça que a persegue e pode, a qualquer momento, alcançá-la. Há diversos outros planos abertos, nos quais a personagem está sozinha nos ambientes, ampliando o sentimento de solidão e desamparo.
Sublinho, em específico, a cena na qual a protagonista, sozinha em casa, de noite, escuta pancadas à porta. Mais uma vez, o arranjo do desenho de som – entre silêncios, respiração ofegante e passos agoniados – é essencial para a tessitura de uma cena excelente.
Em mais um papel que parece feito sob medida para seu característico overacting, Nicolas Cage concebe um vilão curiosíssimo. Com um rosto desfigurado (talvez por intervenções estéticas malogradas? O filme nunca revela), o personagem Longlegs se aproxima do estereótipo de roqueiro andrógeno dos anos 1970, com os cabelos grandes e uma maquiagem excessivamente branca.
Não associo ao gênero musical por mero achismo; ao lado do espelho no, digamos, local de trabalho do personagem, há uma imagem da capa do álbum Transformer, de Lou Reed. Em mais de um momento, o personagem canta aos pulmões e, na cena do ponto de ônibus, carrega o que aparenta ser uma case de teclado em uma das mãos. A associação do rock e do heavy metal ao satanismo também reforça essa concepção.
A narrativa não dá pistas sobre o passado do serial killer, e isso é ótimo para intensificar o mistério. Quando tenta esclarecer pontos demais, amarrar o roteiro em excesso, Longlegs se refugia num desfecho exageradamente expositivo, numa tentativa de plot twist que, convenhamos, é pouco surpreendente. Após dois atos iniciais praticamente irrepreensíveis, a terceira parte da obra recai na conhecida insistência do cinema estadunidense em explicar tudo, com flashbacks e diálogos bem dispensáveis.
Ok, o filme até cria certa dubiedade, a partir da confusão mental da protagonista; mas não me parece suficiente para um final que merecia melhor conclusão. Longe de ser a obra-prima pintada pelo hype nas redes sociais (salientado por uma pesada campanha de marketing), Longlegs é uma grata surpresa do gênero e se soma à lista de melhores produções de horror do ano, nos Estados Unidos – ao lado de obras como Entrevista com o Demônio e A Primeira Profecia.
O filme de Osgood Perkins dá margem, ainda, a interpretações sobre o american way of life e a política estadunidense: em mais de uma tomada, vemos a câmera do diretor focalizar quadros com os rostos dos ex-presidentes Bill Clinton e Richard Nixon (nos dois períodos temporais distintos da história), além da bandeira da nação notadamente presente nos escritórios do FBI e nas casas dos personagens.
Teria Longlegs, portanto, uma subliminar relação com Donald Trump – e seus seguidores extremistas – ou estou viajando demais? Dado curioso (entenderá quem já assistiu ao filme): o republicano, coincidentemente, também nasceu em um dia 14.
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