A DOR DA PERDA
Sarah Polley estréia no cinema transformando tristeza em beleza e deleite visual
Por Fernando de Albuquerque
LONGE DELA
Sarah Polley
[Away From Her, Canadá, 2006]
Chega a ser no mínimo bizarro resenhar um filme produzido há dois anos atrás e que somente hoje chega às telonas com legendas em português. Mas vamos lá. Qual seria sua reação se você saísse para comprar flores, se demorasse um pouco, caminhasse no frio por horas e quando de repente você vê o amor da sua vida de mãos dadas com outro homem? Por todo o corpo corre uma torrente de ciúme, pânico, medo, raiva, violência e o que mais valha nesses momentos. É incontrolável. Ela, ou ele, se esqueceu de você. Perdeu a memória… E é justamente esse o enredo de Longe Dela.
No filme, Grant e Fiona, são casados por 45 anos e são separados pela grave doença da mulher. Ela, que é encaminhada a uma casa de tratamento para idosos, conhece outro homem enfermo que mexe com seus sentimentos provocando uma crise de ciúmes no marido, também conhecido por ser um grande galanteador. Os dois passam a rever as trajetórias de suas vidas e analisam como poderiam ter vivido bem diferente se não estivessem juntos.
Ela perde a memória aos poucos. Coloca a frigideira na geladeira; vai esquiar e não sabe voltar para casa; apaga a marca do vinho predileto. E decide que o melhor é ir para a clínica para poupá-lo da dor. Se interna, por puro amo e porque ambos sabem que, um dia, não se sabe quando, ela vai se esquecer completamente dele.
E Fiona esquece Grant depois de 30 dias de isolamento obrigatório. Ela está de mãos dadas com outro paciente, mas seu rosto está esvaziado, sem expressão e nesse exato momento o filme se torna uma enorme batalha entre o amor de Grant e o (pra lá de suposto) esquecimento de Fiona. Ele tem ciúmes. Mas do quê? De quem? O ciúme geralmente tem um objeto: a nova relação da pessoa querida. Mas quando o ciúme emerge sem objeto, já que Fiona simplesmente não sabia (ou estava fingindo) que um dia amara Grant? O ciúme se torna uma grande planta morta na sala para a qual se olha com resignação. Dói, mas faz parte da paisagem.
A narrativa é baseada em um conto homônimo de Alice Munro, tem roteiro e direção da atriz canadense Sarah Polley. Esse é o debute da diretora e se configura como uma viagem inaugural invejável já que surpreende por ter sido feito por alguém com apenas 28 anos. Sarah Polley já era conhecida pela sua série de acertos em escolhas de papéis. Nos últimos anos atuou tanto em produções pequenas e impressionantes como A Vida Secreta das Palavras, Estrela Solitária e Minha Vida Sem Mim, como em um ou outro filme mais comercial, Madrugada dos Mortos.
Longe Dela então, talvez pelo debute de Polley, talvez pelo próprio distanciamento, é voltado aos personagens. A boa qualidade aparece, especialmente, nas interpretações já que deve ser fácil comandar um elenco cujas idades passam ao norte dos sessenta anos. Ainda mais verdadeiras lendas da sétima arte como Julie Christie (aos 66 e naturalmente bela) e Olympia Dukakis. Mas Polley mostra-se à altura do trabalho e extrai algumas das melhores atuações das longas carreiras das duas atrizes. Impossível não se emocionar com a primeira, ou partilhar da discreta necessidade de distanciamento da outra.
Brincando com a cronologia ao alternar o rumo de Fiona com uma conversa de Grant com a personagem de Olympia Dukakis, Longe Dela faz questão de confundir o espectador com assuntos que nem deveria fazê-los, tropeçando e tornando a obra cheia de bons excessos. No final, chega-se à conclusão que Longe Dela é um filme sem lágrimas, sem risadas, mas que talvez suscite um pouco de reflexão pessoal sobre perdas físicas e emocionais. Pensar sobre o fim das coisas. Que mesmo paixões que duram anos chegam a um fim, mas a mácula que causam no peito são tão irreparáveis quando um “te odeio por não me amar, mas nunca vou te esquecer”.
NOTA: 6,0