Longa pernambucano Amigos de Risco estreia 15 anos depois de ter sido produzido

Filme de Daniel Bandeira na direção teve a cópia original em película extraviada em 2007

amigos
Still do filme, em cópia restaurada. Foto: Divulgação

O longa Amigos de Risco estreia em circuito comercial após mais de 15 anos de ter sido produzido originalmente. Dirigido pelo pernambucano Daniel Bandeira, em 2007, o longa foi extraviado em 2008 e depois sofreu vítima de uma longa batalha travada para obter nova cópia. A estreia em circuito comercial acontece nesta quinta (19).

Amigos de Risco surge a partir de elementos da realidade vivenciada pelo próprio diretor – como a vida na periferia, o submundo recifense, as noitadas no Recife Antigo, a efervescência do movimento Manguebeat, a necessidade de atravessar a cidade para voltar para casa de bacurau (ônibus da madrugada) ou de metrô.

O filme relata o tenso encontro de amigos que, após uma noitada, atravessam a cidade e a madrugada – sendo tomados por vários sustos ao longo desse trajeto – para levar um deles ao hospital, após um mal súbito.

“A gente precisa do outro para encarar a nossa própria vida. Às vezes, quando você tenta salvar um amigo, também está tentando se proteger, está desenhando o seu lugar no mundo. Em certos casos, seu altruísmo pode ser a expressão do seu próprio egoísmo”, explica Daniel, que também escreveu o roteiro.

Périplo

A narrativa do filme se comunica muito com a própria história do longa, também recheada de sobressaltos. Rodado no final de 2005 e montado e finalizado em 2007, Amigos de Risco teve sua primeira exibição naquele ano no 40º Festival de Brasília. “As latas da película chegaram com o finalizador apenas duas horas antes de exibirmos o filme”, conta o diretor.

Em 2008, no dia da exibição na Mostra de São Paulo, e pouco antes de entrar em salas comerciais, a cópia- zero do filme, finalizado em 35 mm, foi extraviada por uma companhia aérea. Só restou a versão rascunho, do laboratório, não finalizada, que salvou a exibição da Mostra. Contudo, sem recursos para refazer outra cópia, a partir deste momento, o filme entrava num moroso litígio jurídico, cujo custo maior, além de prejudicar um lançamento comercial, foi o tempo e energia despendidos.

Somente em 2015, após toda a luta em torno do extravio e dada causa favorável ao filme, uma nova cópia foi feita, dessa vez em masterização digital, enquanto a “cópia-zero”, em película, foi encaminhada para a Cinemateca Pernambucana. Enfim, naquele ano, o longa era reexibido finalizado no VIII Janela Internacional de Cinema do Recife.

IRANDHIR SANTOS JOCA
Irandhir Santos interpretou Joca em um dos seus primeiros papeis da carreira. (Divulgação).

Amigos de Risco surge a partir da ideia de um curta-metragem e com baixíssimo orçamento. É o primeiro longa-metragem de Bandeira que, em início de carreira, havia realizado alguns curtas experimentais com coletivos e trabalhado, sobretudo, como montador. À época, havia corroteirizado, codirigido e montado, junto a Kléber Mendonça Filho, os curtas Menina de Algodão e Vinil Verde.

Daniel soube escolher bem os ‘amigos’ para a equipe que realizaria este longa. Todos começando a trilhar suas carreiras em cinema, os colegas – que hoje se destacam em grandes festivais, como Kléber Mendonça Filho, Pedro Sotero, Kika Latache, Juliano Dornelles, Marcelo Pedroso, Marcelo Lordello – eram parceiros em diversos trabalhos e, assim, entraram em Amigos de Risco, como no caso de Sotero, que assina a Direção de Fotografia, Dornelles, que dividiu a Direção de Arte com Ananias de Caldas e Kika Latache, que produziu.

Já à frente das câmeras, outra pedra preciosa começava a se esculpir no cinema brasileiro: Irandhir Santos (Joca). O ator havia trabalhado em apenas um longa (Cinema, Aspirinas e Urubus, 2005) e foi selecionado para Amigos de Risco pouco antes de brilhar em Baixio das Bestas (Claudio Assis, 2007).

Com distribuição da Inquieta Cine, lançar Amigos de Risco nos dias de hoje trata-se de um grande desafio. O longo período em que ficou no limbo do extravio nos conduz a um interessante e contraditório debate em torno do conceito de temporalidade do filme. Isto é, ao mesmo tempo que representa uma obra referência do cinema de autor e um dos pioneiros do novo Cinema Pernambucano, é uma produção que assistiu à toda transição do analógico ao digital; que, durante esse período, viu nascer novas formas de linguagens e de ferramentas tecnológicas. Tempo este e tecnologia que, para Bandeira, não influíram necessariamente na narrativa de Amigos de Risco, já que o roteiro também se insere no contexto do ‘utilizar os recursos que nós temos naquele momento’.

“Estrear em salas, depois do que passamos, traz a sensação de missão cumprida, de termos dado a volta por cima. Afinal, o filme praticamente só passa a existir quando você lança ao público”, explica o diretor. Sou extremamente grato a esse esforço coletivo que fizemos para trazê-lo de ‘volta’. Foram justamente as boas relações, com pessoas que fui agregando ao longo da vida, que proporcionaram a estreia do filme agora.”