Mato Seco em Chamas
Adirley Queirós e Joana Pimenta
BRA, 2023, 2h33. Distribuição: Vitrine
Os desafios da vida do crime são uma realidade distante para muitas pessoas. Entender o porquê de uma pessoa entrar nesse mundo soa inimaginável para boa parte de uma sociedade, principalmente uma sociedade como a nossa, acostumada a vilanizar as classes empobrecidas e associá-las à criminalidade. Entender o que leva indivíduos a se manter neste sistema e fazer um exercício de conexão com a realidade brasileira é uma demonstração de empatia que não alcança a maior parte das pessoas. O crime retrata muito o que é o Brasil. O longa Mato Seco Em Chamas mistura o documental com a ficção dentro de uma narrativa criada com o intuito de fazer um retrato com muita sensibilidade dessa realidade.
Dirigido por Adirley Queirós (Branco Sai, Preto Fica) e Joana Pimenta (Rádio Coração), o roteiro acompanha a trajetória de mulheres ex-integrantes do sistema prisional, aqui interpretando elas mesmas dentro de uma narrativa de faroeste. Joana Darc Furtado, a Chitara e Léa Alves da Silva, são irmãs que vivem na favela do Sol Nascente, em Ceilândia, Distrito Federal. Chitara é a grande líder da gangue feminina “Gasolineiras de Kebradas”, que rouba petróleo de um oleoduto, refina o recurso e vende como combustível ao grupo de motoboys da comunidade.
O roteiro orbita a rotina destas mulheres, assim como se conecta a um período político divisor de águas para a história brasileira: as eleições de 2018, que culminaram na presidência de Jair Messias Bolsonaro. Em paralelo às imagens documentais de Brasília no dia da vitória do representante de extrema-direita, o longa segue também a campanha ficcional de Andreia Vieira, candidata a deputada distrital pelo PPP – Partido do Povo Preso. Neste arco, o jeitão de fazer política dá um show de realidade social, talvez o mote principal do longa. Enquanto o adversário de Andreia passeia em um trio tocando uma música de campanha convencional, a personagem manda um papo reto e direto ao som do funk sobre as vivências da favela e em prol dos direitos da comunidade carcerária e do povo da periferia.
O trunfo do longa está na sinceridade das atuações que entregam muito mais material testemunhal do que encenação. Os pontos altos estão nos momentos de descontração das mulheres que trabalham na fábrica de petróleo clandestina, e até mesmo nas conversas mais particulares entre Chitara e Léa. Nestes momentos, podemos entender de forma espontânea a realidade de quem fez/faz parte do crime. Uma realidade dura, arriscada, mas que infelizmente traz mais benefícios do que a vida convencional, que na maioria das vezes não funciona, não traz oportunidades, e não faz sobreviver corpos como estes retratados: mulheres periféricas, lésbicas, pretas e subjugadas por uma sociedade elitista, branca e conservadora. Outro aspecto explorado é que o ciclo do crime, que, além de extremamente aderente, pode ser vicioso e permanente em alguns casos.
Ao longo de Mato Seco Em Chamas, fica evidente que nada encenado traria tanta verdade quanto às histórias verídicas deste grupo de mulheres. Histórias que se mesclam e movem os elementos ficcionais aplicados. A ficção em foco aqui, é a aparição do inimigo, um grupo de tiras, justiceiros, que ronda Sol Nascente em busca de combater o crime por “Deus Acima de Todos, Brasil Acima de Tudo”, em clara referência ao bolsonarismo. Tudo com uma narrativa eletrizante, que busca elementos no faroeste.
No filme, o protagonismo feminino é o guia e o norte, revelando nesta junção entre ficção e documentário, um Brasil como ele é. Após percorrer mais de 36 festivais e ser premiado 27 vezes, Mato Seco Em Chamas chega aos cinemas nesta quinta-feira (23), em todo o país, com distribuição do projeto Sessão Vitrine.