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Solução passa pela regulação e transparência do algoritmo. (Foto: Francisco Proner/Divulgação).

Livro A Máquina do Caos ajuda a compreender o radicalismo na internet

Trabalho de fôlego do repórter Max Fisher mostra a erosão da democracia causada pelas ideias extremistas e cultura de ódio das redes sociais

A Máquina do Caos – Como as redes sociais reprogramaram nossa mente e nosso mundo
Max Fisher
Todavia, 512 páginas, R$ 99,90. Tradução de Érico Assis.

Um lugar comum repetido por comentaristas e jornalistas nos últimos anos ao reportar crimes cometidos na internet é usar o bordão da internet como “terra de ninguém”. O termo é reducionista, mas ilustra bem o sentimento que motiva praticamente todo plano de negócios no Vale do Silício: é preciso reformatar o mundo à imagem das empresas de tecnologia, da inovação e da liberdade, mesmo que isso esteja, em alguma medida, em desacordo com princípios da democracia. Uma crença de que “a sociedade é um problema de engenharia apenas à espera da solução” e não uma dialética complexa baseada na política e na articulação social.

A Máquina do Caos, do repórter investigativo norte-americano e pesquisador Max Fisher apresenta os bastidores dos negócios bilionários das redes sociais. Em viagens para Sri Lanka, Mianmar, México, Alemanha e Brasil, Fisher recontou como o discurso do ódio e o crescimento do extremismo no mundo está intrinsecamente ligado às estratégias de crescimento de plataformas como Twitter, Facebook, YouTube, Reddit e outras. O autor demonstra que as empresas sabiam que suas ferramentas se aproveitavam de vulnerabilidades psicológicas e que eram um estímulo a comportamentos nocivos.

Na “Terra de Ninguém” da internet, essas empresas se aproveitaram do afrouxo legislativo da maioria dos países em que atuaram e quase nunca eram responsabilizadas em relação ao que era propagado em suas páginas. Elas fizeram uso de tecnologias avançadas como o algoritmo do feed, que escolhia o conteúdo a ser exibido ao usuário, e com isso acabaram influenciando certo tipo de conteúdo em detrimento de outros.

Com o auxílio do trabalho de pesquisadores e delatores, Max Fisher comprovou que as empresas sabiam que essas tecnologias propagavam fake news, ampliavam o preconceito contra minorias e ajudavam a alavancar candidaturas de extrema direita. Como se sabe, a desinformação desenfreada e o discurso de ódio ajudaram a eleger candidatos de índole golpista como Jair Bolsonaro, no Brasil e Donald Trump (nos EUA).

A Máquina do Caos, de Max Fisher.
Manifestantes golpistas invadem a sede dos poderes: desinformação foi o combustível. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil).

O livro abrange diversos tópicos e é bastante eficaz ao dar contorno e relevo para as redes sociais, sempre imersas em uma aura de impessoalidade. Fisher dá nome e descrição das pessoas que trabalham nas plataformas, de pequenos engenheiros aos executivos. E como bom repórter, ele também deu espaço às histórias humanas de pessoas que foram diretamente atingidas pelas decisões das redes sociais.

A Máquina do Caos pelo mundo

Chega a ser difícil ler os relatos de sobreviventes do genocídio em Mianmar, um caso que ficou conhecido por ter sido impulsionado a partir do Facebook. Em 2012, a violência eclodiu entre a maioria budista e a minoria muçulmana Rohingya, no estado de Rakhine. Um monge extremista e anti-muçulmano, Ashin Wirathu, compartilhou uma postagem mentirosa no Facebook afirmando que uma menina budista havia sido estuprada por homens muçulmanos. A mensagem viralizou e se materializou em uma série de atos violentos que culminaram com a morte de 25 mil pessoas e mais de 700 mil refugiados, segundo a ONU.

A Máquina do Caos relata também como a desinformação levou a assassinatos no Sri Lanka, quando um boato no Facebook afirmava que turistas estariam sequestrando crianças para tráfico de órgãos. Aqui no Brasil, Fisher investigou a influência das redes para o crescimento da extrema-direita no Brasil e a ascensão de um candidato antidemocrático como Jair Bolsonaro. Mas conta também histórias humanas, como o caso de Christine, cujo um vídeo da filha de apenas 10 anos no YouTube acabou sendo oferecido no algoritmo da plataforma como conteúdo de crianças seminuas.

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Max Fisher mostra em seu livro que o engajamento e o tempo passado nas redes são altamente lucrativos para as redes, o que leva às diferentes estratégias para aperfeiçoar o algoritmo de seleção de conteúdo. Diferentes estudos mostraram que esses algoritmos, na maior parte do tempo, promovem sistematicamente ideias e teorias da conspiração que se alinham às ideias extremistas e antidemocráticas.

Eles se aproveitam de um sofisticado conhecimento da natureza humana, em que sentimentos de indignação, curiosidade, ódio e medo geram mais e mais engajamento. É o que Fisher chamou de “Teoria da Toca do Coelho”: quanto mais conteúdo violento, extremo e que propague o ódio o usuário consome, mais as redes os oferecem.

O lançamento do livro no Brasil chega em um momento oportuno com a discussão da regulação das redes sociais com o PL 2630, conhecido como PL das Fake News. O projeto de lei busca trazer mais transparência para a moderação de conteúdo, funcionamento dos algoritmos, mas traz uma mudança de paradigma da relação das sociedades com as mídias digitais que é incutir a responsabilização pelo conteúdo trafegado, o que acabaria com a tal “terra de ninguém” falada na abertura desse texto.

“Discussões no Vale do Silício a respeito de como usar seu poder – submeter-se mais ou menos aos governos, enfatizar neutralidade ou assistência social, consistência ou flexibilidade – raramente levavam em conta a possibilidade de que elas não deviam ter poder algum”, diz Fisher.

Leia mais: O Brasil e o pêndulo da democracia, de Leonardo Avritzer

Em maio de 2021, uma funcionária do Facebook que trabalhava na equipe de combate à desinformação, Frances Haugen, copiou milhares de relatórios internos e os enviou para o jornal Wall Street Journal. Neles, ela comprovava que a empresa estava ciente dos males causados pela desinformação, muitas ligadas às vacinas, mas as negligenciava. Os documentos acabaram chegando a uma comissão do Senado americano, onde a funcionária depôs, se insurgindo contra o algoritmo. “Podemos ter mídias sociais que curtimos, que nos conectam, sem rasgar nossa democracia ao meio, sem colocar nossos filhos em risco e sem semear a violência étnica mundo afora”, disse.

Max Fisher sugere que os governos precisam pautar o tema da responsabilização, buscar soluções, tomar as rédeas, enfim. Além da regulação a partir de leis criadas ao redor do mundo ele afirma que a solução passa pelo fim da classificação do conteúdo baseada no engajamento. “Quanto mais tempo alguém passa estudando as plataformas, seja qual for sua área, o mais provável é que chegue à resposta de Haugen: desligue [o algoritmo]”.

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