“Sorrir, conseguir me virar pra sair / o amor pode vir que eu já vou…“. Poucos versos conseguem sintetizar tão bem o espírito libertário de “Puro Disfarce”, uma das faixas mais engenhosas do disco “Letrux em Noite de Climão”. Quando falei com Letícia Novaes pela primeira vez, em meados de 2017, ela me confidenciou duas coisas a seu respeito: um encantamento com a composição, fruto de uma parceria com Marina Lima e um desejo de transformar seu novo projeto em um álbum visual.
Dois anos se passaram e essa vontade foi tomando forma. A diferença é que, ao contrário de Marina, que instituiu por meio de sua música um jeito chique de sair “à francesa”, a canção da tijucana se converteu em um hino pop dessa crônica sonora e tragicômica. “Puro Disfarce” transborda e é o retrato do que acontece no ápice de uma festa que tinha tudo pra dar certo, mas que por algum motivo… falha. É uma explosão, um pé metido na porta, um marco da liberdade de se permitir jogar tudo pro alto. É a hora de pedir socorro.
O “Climão”, que se despede, não vai sem antes deixar o registro visual da faixa, dirigido pelo brilhante Pedro Colombo. Gravado em São Paulo, o clipe surgiu despretensiosamente a partir da amizade dos três, tendo sido costurado a partir de uma série de histórias pessoais e de um desejo de reverenciar a carreira de ambas. Por e-mail, Colombo comentou sua criação: “Quis cenários e ambientes paradisíacos, mas já beirando uma certa bad trip, algo que eu acho que é bem a vibe do disco e, especificamente, dessa música. Pensei também nos “paraísos artificiais” que a Marina canta em ‘À Francesa’ e uma das cenas foi bem inspirada nisso”.
Durante as filmagens, um episódio curioso: a própria Marina riu ao lembrar que a situação traçava vários paralelos entre passado e presente. Uma das cenas, por exemplo, remete à primeira sessão de fotos que fez na vida. A posição em que se encontrava era a mesma da contracapa do disco “Simples Como Fogo”, seu debut lançado em 1979.
Mas além dos recursos visuais, “Puro Disfarce” também traz cenas antológicas como quando Marina resolve se jogar num karaokê. Afinal, a arte imita a vida? Neste caso, aparentemente, sim. “Algumas semanas antes da gravação, a Marina fez um show na Virada Cultural [de São Paulo] com participação da Letícia e nós saímos depois para comemorar. Lá pelas tantas da madrugada, acabamos indo parar num desses karaokês e a Marina comentou que era a primeira vez dela em um. Foi irresistível incluir essa referência no clipe também”, conta Pedro.
As musas, por sua vez, não poupam elogios uma à outra. Marina disse que a experiência foi nada menos que “uma delícia”. “Curti muito participar, porque é sempre leve e divertido estar com a Letícia. O Pedro eu conheço há bastante tempo, é um cara talentoso, engajado, inteligente. Fora q eu adoro essa música dela”. Letrux, por sua vez, revelou que estar ao lado da amiga e ídola é sempre uma surpresa. “A gente riu muito, ela de peruca, a gente trocando de roupas, fazendo lip synch”.
Ainda sobre referências, a política não poderia ficar de fora – até porque com elas é sempre esperada muita lucidez sobre o assunto. Tanta que em 2018 foi lançada uma outra parceria chamada “Mãe Gentil”. A canção, presente no disco “Novas Famílias”, faz uma crítica ao Brasil burguês e a tudo de ruim que a nação tem cultivado. Por isso mesmo é que ao se perceber na lama Letícia grita e convoca uma espécie de protesto. Materializam-se nas ondas sonoras que saem de sua boca o rosto do ex-presidente Lula e uma placa com o nome da vereadora Marielle Franco, executada no Rio de Janeiro.
O resultado é uma obra de arte cheia de cores, genuína e que deixa o rap orgasmático da produção ainda mais vívido. Assista: