O cantor e compositor recifense Lauro, de 23 anos, estreou seu novo espetáculo, Araras, Leões e Capivaras, no Teatro Barreto Júnior, no bairro do Pina, Zona Sul da capital pernambucana. O artista, que faz parte da Nova MPB, desde 2021, vem conquistando espaços dentro da nova geração musical. Encantado pelos ritmos locais como frevo e maracatu, também é engajado com tudo que envolve sua região, costumes, folclore e estética. “Cada verso tem o poder de tocar em lugares que jamais imaginei que conseguiriam acessar em alguém”, conta.
O EP homônimo, lançado em agosto deste ano, traz três canções que exaltam a cultura pernambucana, trazendo referências do maracatu, da ciranda, do ijexá e do samba. São elas: “Pernambucana”, “Aurora” e “Não Me Chame de Amor”. “Pernambucana” é inspirada na música “Baiana“, de Emicida, e a letra busca valorizar a cultura do estado personificando-a em forma de mulher, passeando por territórios, personagens, costumes, cenários e a culinária da terra.
“Esse é um dilema que vivo diariamente, é um constante passeio em corda bamba, o equilíbrio entre ser porta-voz dos inconformados e um sopro de esperança para o que vem”, reflete Lauro, que tem como premissa a valorização da história da terra e dos ritmos brasileiros, respeitando as raízes, brincando com o novo, numa troca constante de identificação com seu público, sempre embaladas pelo seu característico dedilhado no violão.
Confira o bate-papo com o artista sobre carreira, inspirações, espetáculos e do novo disco no próximo ano:
Vamos falar um pouco da sua história. Por que você começou a cantar?
Uma hora ou outra aconteceria. Tudo começa de um interesse repentino, aos 16 anos, por querer tocar violão. Aprendi tudo que sei na internet, vídeo-aulas e sites de cifra, tocava Nando Reis, Alceu Valença, Forró do Muído.
No dia 19 de dezembro de 2018, meu namoro completaria um ano, e como um péssimo planejador, não tinha comprado ou feito presente nenhum, cogitei a ideia de tentar escrever algo. Escrevi uma música chamada “Do nada”. Amei, ela amou, e, desde então, nunca parei. Nem escrevia por querer, mas por precisar.
Chegou um momento em que já tinham tantas composições e gostava tanto de tudo aquilo, que cheguei à conclusão do desperdício que era guardar aquelas músicas para mim. Daí, surgem os primeiros vídeos na internet cantando covers com o intuito de construir um público que se interesse pelo estilo que viria adiante.
Lauro, você faz parte da nova geração MPB e já é sucesso nas plataformas. A que se deve esse êxito você sendo ainda tão jovem?
Acredito que tudo alcançado até hoje foi fruto de uma noção de responsabilidade, respeito e sinceridade com cada música que escrevo e me proponho a lançar. Cada verso tem o poder de tocar em lugares que jamais imaginei que conseguiriam acessar em alguém. Tenho frequentemente me surpreendido com os lançamentos, com a recepção, com os novos sentidos que cada música produz em cada um.
Reconhecer a importância das redes sociais na nova dinâmica de consumo musical também é crucial nesse processo. Tento sempre construir laços com fãs, entender o que têm escutado, o que gostariam de escutar, e criar da forma mais pura possível uma identificação, um senso de comunidade. Tenho orgulho da base de fãs que tenho construído, são pessoas incríveis e interessantíssimas que amo trocar.
Você é recifense, terra de vastidão cultural, reconhecida nacional e internacionalmente. De que forma a cultura local influencia a sua arte?
Pisar em solo recifense e não ser influenciado de alguma forma pela música é pouco provável. Em fevereiro ou março acontece o Carnaval, mas desde novembro já começam as prévias. Chega abril e o clima junino vem junto, se estendendo até junho. O resto do ano tem festival todo mês.
Não dá para ouvir um brega funk e ficar parado, um frevo e não tentar frevar, uma ciranda e não querer juntar todo mundo para abrir uma roda. O que se produz aqui carrega uma imponência como pouco se vê. Acredito que o carnaval de Recife e Olinda costumam ser os meus principais catalisadores de inspiração, em cada beco tem um batuque, um palco, um instrumento novo, é um verdadeiro retiro artístico. Você não sai do Carnaval do mesmo jeito que entrou.
Como foi o processo de composição da faixa “Pernambucana”?
“Pernambucana” nasce em 2021 durante a pandemia. Estava de mudança e, no meio de caixas e caixas, encontrei o primeiro violão que ganhei na vida, todo empoeirado e sem uma corda. Em cada oportunidade que tinha, parava para escrever. Esse ano ouvia muito “Baiana” de Emicida, que brinca com a ideia de personificar Salvador em uma mulher. Tentei seguir a mesma linha de raciocínio em Pernambucana.
É uma junção de muita coisa que envolve o imaginário pernambucano, cito lugares, personagens, folclore, e culinária do Estado de Pernambuco. De todas, é a mais simples no que diz respeito à melodia. Um refrão com referência à uma composição de Lampião, considerado o primeiro xaxado, e dois acordes durante toda a música que me remete um pouco ao violão de Lenine. Amo a ponte, uma referência direta ao maracatu nação, mais especificamente à noite dos tambores silenciosos, é sempre o momento que quem conhece canta mais alto e quem não conhece se deixa mergulhar de vez na música.
Como funciona esse seu lado criativo? Quem é Lauro compositor?
O Lauro cantor surge depois que o Lauro compositor é descoberto. Li uma vez que a criatividade em teoria é a capacidade de gerar associações entre informações. Gosto dessa ideia, minhas músicas costumam envolver muitas referências, desde o processo bioquímico de formação de uma pérola, até recontar a história de uma das personagens mais queridas do carnaval Pernambucano: a La Ursa. Gosto de estudar as coisas mais diferentes possíveis, manter o balde de referências sempre cheio é fundamental. Nos últimos tempos, o Brasil tem sido matéria prima para o que escrevo, é de onde tenho buscado insumo para compor.
Cada processo de criação é um. Alguns simplesmente saem, as linhas se formam, as palavras aparecem como se sempre precisassem estar ali. Já outros, levam dias, semanas de lidas e relidas no que foi escrito, estudo, dicionário, jornais, às vezes artigos, nunca quis uma linha lógica para compor. Gosto de dizer que hoje canto o Brasil e a morena.
De onde surgiu a necessidade de criar músicas que falassem sobre a realidade à sua volta?
Meu pai sempre foi um grande interessado por questões sociais e políticas brasileiras, pelas temáticas do que acontecia no país apareciam constantemente durante os almoços. Professor de Biologia e, por um bom período, diretor de escola pública, ele sempre fez questão de, frequentemente, me levar para escola, ainda criança, nunca entendi bem, e hoje percebo o quão fundamental foi conhecer de perto a realidade de imensa parte da população. Aquelas idas e interações diretas com a infância das periferias recifenses expandiu meus horizontes, me apresentou a situações trágicas e duras de se acreditar que uma criança/jovem conviva.
Na mesma medida, minha mãe, também professora de escola pública, sempre trouxe para casa a cultura popular do Estado. Por meio dela, conheci Chico Science, Luiz Gonzaga, o maracatu, a ciranda, o frevo… Tenho dois quadros que pintei muito criança, um de Gonzagão e outro de um caboclo de lança. Ninguém me pediu pra fazer, amava aquilo. No colégio, não perdia uma Olimpíada Nacional de História do Brasil (ONHB), percebi o quanto conhecer nosso passado explica tudo que queremos saber hoje.
Enxergo que meu desejo de falar sobre o mundo ao redor venha de uma base rica que tive em casa, de um orgulho por conhecer a cultura de onde eu sou aliado a um sentimento de incômodo constante com a realidade desigual brasileira. Acredito que a gente cuida do que ama, e para amar, precisamos, no mínimo, conhecer. O EP apresenta o que me faz amar meu país, meu Estado e minha cidade para qualquer um que esteja interessado em se apaixonar também.
Você acha que o papel dos artistas é de resistência, mas também despertar esperança?
Esse é um dilema que vivo diariamente, é um constante passeio em corda bamba, o equilíbrio entre ser porta-voz dos inconformados e um sopro de esperança para o que vem. Antes de um conflito artístico, é uma questão pessoal. Sei dos problemas do Brasil, sinto uma constante necessidade de falar deles, de falar, muitas vezes, o que para quem passa correndo, parece óbvio, mas hoje, me parece mais importante falar do que tem de bom, daquilo que dá motivo para se orgulhar.
Do abandono com o centro do Recife todo recifense tem consciência, mas poucos sabem que o histórico Teatro Arraial Ariano Suassuna voltou a funcionar na Rua da Aurora, na área central da cidade. Acho que apresentar também o lado positivo das coisas é um compromisso que tenho com a saúde mental das pessoas.
No final do mês passado, você apresentou seu novo espetáculo Araras, Leões e Capivaras. Como foi pensada essa apresentação? Quais ritmos foram contemplados?
Sempre falo que um dos meus momentos mais felizes em cima de um palco foi no bloco de sambas do show Ametista no Teatro Apolo, também no Recife. Ver as pessoas se levantando para dançar, cantando a plenos pulmões me encantou. Sabia que precisava seguir por essa linha. Vai ter banda completa, voz e violão, participação e surpresas. É o show que celebra o EP Araras, Leões e Capivaras, uma homenagem ao lugar de onde vim. O repertório conta, além das músicas já lançadas, inéditas e grandes clássicos. Tem maracatu, Ijexá, samba, baião… plural.
O que você gosta de ouvir?
Amo a música brasileira, esses últimos dias a banda Revelação tomou conta do fone de ouvido. Estou viciado em Monobloco, Jorge Ben e Tim Maia. Inclusive, recentemente, parei para ouvir pela primeira vez, acredite, o álbum Construção de Chico Buarque… surreal.
Num geral, e repetidamente, digo que amo a música brasileira. Ouço muito também a galera do Recife: Matheus de Bezerra, Têu, Bell Puã, Martins. E quando não sei o que ouvir coloco “Dois amigos, um século de música” de Gil e Caetano, é certeza que vou ser feliz. Vez ou outra quando escuto uma melodia de música estrangeira que me prende, adiciono à playlist “de fora”.
E o que pode adiantar dos próximos projetos? Podemos esperar um disco completo no próximo ano?
A recepção de Araras, Leões e Capivaras foi uma clara liberação que o público me deu para continuar por esse caminho. Ano que vem, teremos disco, o primeiro e muito aguardado, as produções estão acontecendo desde março e me surpreendo dia após dia com o que tem se tornado. Queremos abrir portas para o cenário nacional, não tenho dúvidas de que dias incríveis estão chegando.
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