O Janela Internacional de Cinema de Recife deste ano reservou um momento especial para homenagear Kátia Mesel, reconhecida cineasta pernambucana com uma vasta produção que abrange diversos aspectos da cultura e história de Pernambuco. O tributo à artista acontece em um momento em que o reconhecimento e a preservação de sua obra se tornam ainda mais relevantes, especialmente para o cenário audiovisual brasileiro.
“A notícia da homenagem para mim foi uma surpresa total, foi um alvoroço no meu juízo, sabe? Eu estava como júri do primeiro festival de cinema nordestino e estava bem moída das minhas tarefas”, contou a cineasta. Acostumada a se concentrar em seu trabalho, Mesel conta que a novidade chegou de forma inesperada. “Quando cheguei à noite no hotel, já bem tarde, fui ver as notícias e vi que um amigo meu tinha mandado uma matéria dizendo: ‘Kátia, você será homenageada no Janela’. Eu dei um grito e quase acordo todo mundo, fiquei muito emocionada e não esperava de jeito nenhum”.
Para Kátia Mesel, a homenagem no Janela Internacional de Cinema representa não apenas um reconhecimento de sua trajetória, mas também da importância cultural e histórica de sua obra. “Foi uma satisfação imensa porque é muito importante a gente mostrar o que faz. Esse tipo de homenagem em um festival do calibre do Janela Internacional, que tem uma visibilidade e uma adesão grande, é muito satisfatório e engrandecedor para a minha carreira”, afirmou. O tributo também simboliza uma conquista para a preservação da memória audiovisual pernambucana, que, segundo a cineasta, enfrentou desafios significativos para ser restaurada.
Ao longo de sua carreira, Kátia Mesel produziu e dirigiu quase 200 obras audiovisuais, especialmente documentários que retratam aspectos culturais de Pernambuco. Entre esses projetos, o programa Pernambucanas da Gema, realizado por sua produtora Recife Produções, teve grande impacto na TV local, abordando temas culturais de forma documental.
Entretanto, a dificuldade em preservar esse material tornou-se uma preocupação para Mesel, que relatou a urgência de manter sua obra acessível. “A restauração das minhas obras é algo definitivo para minha carreira, porque existe o que eu chamo de ‘traição das mídias’. Como eu tinha uma produção muito grande, especialmente na época do programa de televisão Pernambucanas da Gema, a produção foi me atropelando, fui entrando em outras mídias e, quando percebi, algumas nem existiam mais”, explicou.
Com uma produção intensa que variava entre formatos, Kátia Mesel acumulou materiais que, devido à rápida obsolescência das tecnologias de mídia, tornaram-se inacessíveis. “Por exemplo, Super-8. Eu não tinha nem como exibir mais! Fiquei com um material imenso, com quase 200 obras de uma produção semanal ao longo de quatro anos”, relata.
A restauração do acervo foi viabilizada por meio de uma iniciativa apoiada pelo Centro Técnico Audiovisual (CTAV) e pelo produtor William Hinestrosa, que digitalizaram grande parte do conteúdo. “Com a influência de Kleber [Mendonça Filho] junto ao CTAV e William, que digitalizou todos os meus Super-8, foi possível trazer parte desse material de volta”, disse. Ainda em processo de finalização, a restauração do acervo representa, para Mesel, a continuidade de sua obra: “Para mim, é como se um monte de amigos meus estivesse em coma e, de repente, acordou todo mundo – todos lindos, prontos para se mostrar”.
Minha obra estava adormecida, e agora está pronta para o mundo
Kátia Mesel
Para a cineasta, a preservação da memória audiovisual é um compromisso que se estende ao patrimônio cultural de Pernambuco e do Brasil. “Essa valorização da memória é fundamental e está sendo reconhecida no sistema audiovisual brasileiro e internacional”.
Além do reconhecimento à sua trajetória, Kátia destaca a relevância do Janela Internacional de Cinema como um espaço de intercâmbio cultural e incentivo ao cinema. “Esses festivais integram todas as artes e mobilizam pessoas. É teatro, música, fotografia, e até o bar da esquina onde todos se reúnem. Tudo é camaradagem, troca de informações”.
O evento também se diferencia, segundo a cineasta, pelo olhar crítico e inclusivo do diretor Kleber Mendonça Filho, que promove a presença de filmes internacionais e oficinas que incentivam novos realizadores a se inserirem no universo do audiovisual. “Esse contato faz com que novos realizadores se sintam mais confiantes. No Janela, temos oficinas, debates no dia seguinte aos filmes, matérias na imprensa – tudo isso vai dando empoderamento às pessoas para se sentirem seguras para iniciar”.
Refletindo sobre a relação com o público, Kátia pontua que as críticas fazem parte do processo. “É importante que as pessoas não levem a opinião negativa para o lado pessoal. Eu mesma tenho filmes que amo e outros que acho que poderiam ter ficado melhores, mas o público gosta, entende? A gente não faz filme para o nosso umbigo; a gente faz para o público”.
O interesse pela preservação e restauração de obras cinematográficas é crescente, e vejo isso como um ganho para o audiovisual brasileiro
Kátia Mesel
Kátia acredita que o reconhecimento pelo Janela Internacional contribui para sensibilizar o público e as instituições sobre a importância do acervo cultural do país. “Eu sou muito grata a Kleber e a toda a equipe que realiza o festival. Isso mostra que a minha obra, mesmo com suas limitações, tem importância cultural e histórica, e é uma grande honra poder compartilhá-la”.
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