juntos

“Juntos” é provocação extrema sobre o amor romântico  

Horror corporal com toques de humor, filme traz cenas que apostam no desconforto do espectador

“Juntos” é provocação extrema sobre o amor romântico  
3.5

Juntos
Michael Shanks
EUA, 2025. 1h42, Terror/Suspense. Distribuição: Diamond Filmes
Com Alison Brie, Dave Franco


Há mais de dois mil anos, o mito das almas gêmeas já era tema de elucubrações na Grécia Antiga. Em O Banquete, obra primordial da filosofia ocidental, Platão evoca o grande discurso feito por Aristófanes acerca das origens do amor, no qual o pensador relata que, no início dos tempos, os seres humanos eram mais poderosos e tinham um formato distinto: cada ser tinha quatro mãos, quatro pernas, dois rostos opostos sobre uma mesma cabeça. Para lidar com a situação, os deuses partiram os humanos ao meio. Nesta nova era de eus separados, as duas metades vagariam pela terra à procura de sua complementar. Encontrar essa parte original de você mesmo seria, para Aristófanes, o amor. 

A partir desta premissa do amor romântico dos gregos – inclusive literalmente citada por um personagem do filme – e refletindo sobre as complexidades contemporâneas da dependência emocional, Juntos (2025) propõe uma experiência cinematográfica na qual o desconforto é leitmotiv da história. Dirigido por Michael Shanks, o filme acompanha as nuances do casal Tim (Dave Franco) e Millie (Alison Brie); psicologicamente abalado por alguma experiência traumática, o rapaz é apresentado como o elo frágil da relação. Ao se mudarem para uma casa no campo e vivenciarem um específico incidente numa gruta, os dois começam a vivenciar manifestações sobrenaturais e corporais cada vez mais intensas. Alguma força invisível faz com que seus corpos se atraiam, quase magnetizados. O roteiro original, assinado pelo próprio diretor, viabiliza a elaboração de cenas absurdamente angustiantes, cuja criatividade é fincada de maneira orgânica à narrativa. 

Hábil na construção da tensão através dos elementos em cena, Shanks se aproveita do sucesso comercial recente de filmes de horror corporal, como A Substância (2024), para mergulhar a obra numa progressão aritmética de momentos aflitivos. Cenas como a do banheiro não passam incólume à reação do público; na sessão para imprensa na qual assisti ao filme, os sussurros e mãos na boca eram facilmente identificáveis entre quem estava presente. O impecável desenho sonoro é, talvez, o componente mais eficiente para a instauração do suspense e do desconforto; da respiração ofegante dos personagens ao barulho dos corpos se descolando, tudo ali é executado em função do incômodo. 

Na primeira metade (sem trocadilhos) do filme, o tom mais pesaroso e sério comanda a narrativa com a abordagem de temas como traumas, saúde mental e luto parental. Do meio para o final, numa tentativa de amenizar a experiência ao público, o filme adota alívios cômicos em sequências essencialmente violentas. Esta faceta mais amena de Juntos reforça o universo fantasioso do filme, aproximando-o a obras de terror da década de 80, tais quais A Hora do Espanto (1985) e A Bruma Assassina (1980). O equilíbrio entre perturbar e divertir nem sempre funciona perfeitamente na obra de Michael Shanks, que acaba por perder densidade narrativa ao optar por soluções mais previsíveis. 

Incrível como utilizar gravações em vídeos mostradas numa televisãozinha, no terceiro ato, para pincelar explicações ao mistério é daqueles clichês que o cinema comercial dos EUA parece não ter se cansado. Outro ponto questionável é entender o real olhar do diretor-roteirista acerca das relações modernas. As críticas ao amor romantizado e à consequente perda da individualidade estão ali, até de certo ponto explícitas. Mas a trama inteira só problematiza isso? A impressão é de que a crítica em si é limitada, funcionando apenas como gatilho narrativo para as cenas inquietantes que a criativa mente do cineasta quis pôr no mundo. 

Em relação à dupla de atores, Alison Brie entrega-se com mais vigor e sensibilidade à sua personagem; Dave Franco tem menos capilaridade dramática, mas não compromete e a química funciona bem. Mas os principais aplausos vão para o estreante Michael Shanks. Um primeiro longa-metragem enérgico que, apesar das vulnerabilidades, se apresenta como um dos filmes mais interessantes do ano e descortina o talento de um diretor que devemos ficar de olho. 

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