June e John Diamond Films 03
Foto: Divulgação.

“June e John”: vertiginosa queda de um diretor admirável 

Romance aborrecido com personagens tão desinteressantes quanto esquecíveis

“June e John”: vertiginosa queda de um diretor admirável 
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June e John
Luc Besson
FRA, 1h32, Comédia/Romance. Distribuição: Diamond Filmes

Durante a pandemia da Covid-19, em 2020, o cineasta francês Luc Besson se viu de mãos atadas. Diante das restrições impostas pelo lockdown, o diretor não suportou por muito tempo o castigo de ficar sem produzir: juntou equipe mínima e, gravando tudo através de smartphones, rodou June e John (2025), em Los Angeles. Há bons exemplos de obras filmadas com celular: Sean Baker utilizou três Iphones para criar o ótimo Tangerine (2015). Mesma estratégia adotada por Steven Soderbergh na feitura do eficiente suspense Distúrbio (2018). O uso do dispositivo, por si só, não garante a inventividade ou a qualidade propriamente dita da obra. Isso fica absolutamente evidente com o novo filme de Besson. 

Em entrevista para Deadline, o cineasta de 66 anos se disse instigado ao desafio de pegar um celular e filmar um casal de atores, nos moldes underground como fazia no início da carreira. Nas palavras de Besson, o que o empolgava era ver se ele “ainda era capaz de manter a mesma ingenuidade, entusiasmo e acuidade visual nos atores”. Infelizmente, para alguém como eu, que admira inúmeros trabalhos anteriores do diretor, a única das três palavras que salta aos olhos, após a sessão de June e John, é ingenuidade. O fragilíssimo roteiro inunda de clichês um romance desinteressante, com personagens que se propõem subversivos às opressões do sistema capitalista, mas que, na verdade, se revelam tolos e superficiais.

John (Luke Stanton Eddy) é o típico jovem adulto estadunidense, exaustivamente representado em comédias românticas anteriores, frustrado com as pressões do emprego que detesta. Vive a tomar calmantes e, apesar da idade, parece ainda não ter deixado a adolescência por completo. Ao fim de um dia infernal, encontra June (Matilda Price) de passagem, no metrô. Amor à primeira vista. Decide então criar uma conta no Instagram no intuito de achá-la…e é bem sucedido na empreitada. A partir daí, a trama se desenrola em episódios que, de tão esdrúxulos, nos levam a cogitar se tudo não passa de fantasia masculina do jovem apatetado. Se ousasse ao onírico, talvez o enredo frutificasse em outras paisagens. Mas a história faz questão de fincar raízes na realidade daquele universo maçante e o resultado é sofrível. 

Caso alguém me apresentasse a este filme, sem mencionar o diretor por trás, e me pedisse para chutar o nome do responsável, eu jamais imaginaria Luc Besson. Difícil conceber que o autor de O Profissional (1994), Angel-A (2005) e Lucy (2014) seja o mesmo de uma obra tão soporífera e sem vida quanto June e John. O didatismo narrativo empreendido pelo cineasta, nesta última obra, beira o inacreditável. Mesmo após várias sequências deixarem claro o sufocamento do protagonista com a própria vida, o filme cria uma cena onde o personagem verbaliza, com todas as letras, que não aguenta mais a pressão da vida adulta. Em outro momento, quando June tenta elevar o ânimo do rapaz, ela o compara a um balão preso ao chão (precisando se libertar para voar). O que Luc Besson faz? Sobrepõe imagens de balão voando logo após a fala da personagem. E acontece novamente, quando a metáfora se refere a aviões. 

A leitora e o leitor podem se questionar se o filme não se trata, na verdade, de uma obra satírica, explicitamente caricatural e crítica a estereótipos sociais. Mesmo com toda boa vontade do espectador, tal interpretação é afugentada pelo filme repetidamente. O texto que apela à emoção com frases de efeito, a narrativa água com açúcar dominada por fórmulas batidas e o sentimento preponderante de filme-que-quer-deixar-uma-mensagem estão todos lá. A concepção da arquitetura do dispositivo fílmico se perde, é anulada por uma narrativa limitada e limitante. Para este crítico, a cena de June ensinando John a nadar numa piscina é uma das mais constrangedoras do ano. Esta ideia problemática de amante-mãe, inclusive, permeia toda a relação entre os personagens (pois é, Simone de Beauvoir, eles lhe devem muitas desculpas). 

Numa tentativa de estabelecer alívios cômicos, o filme acaba por ridicularizar e deslegitimar causas sociais importantes, como a defesa da causa animal. Para uma obra que, de início, aponta para críticas ao modo de vida capitalista norte-americano, June e John se contradiz cena após cena com as decisões do seu casal de foras-da-lei que mataria de vergonha Bonnie, Clyde, Thelma, Louise e tantos outros. Uma peça horrenda na biografia de Luc Besson. Torço para um retorno ao êxito em seu próximo longa, Dracula: A Love Tale, nova adaptação da obra de Bram Stoker com Caleb Laundry Jones no papel principal. A produção tem lançamento previsto para 30 de julho na França.  

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