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Jefre Cantu-Ledesma e a beleza mística de “Gift Songs”

Do noise transcendental à música ambiente meditativa, novo álbum do produtor estadunidense explora texturas acústicas e espiritualidade, mas está longe do seu melhor

Jefre Cantu-Ledesma e a beleza mística de “Gift Songs”
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Jefre Cantu-Ledesma
Gift Songs
Mexican Summer, 2025. Gênero: Ambiente, Experimental, Eletrônico

O produtor estadunidense Jefre Cantu-Ledesma se consagrou no cenário alternativo experimental com o lançamento de Love is A Stream (2010). O disco fazia, há 15 anos atrás, um movimento que ainda é relevante: irrompeu as barreiras sutis da música ambiente para encostá-las nas paredes ruidosas próximas ao que chamamos de shoegaze e noise.

O ruído e a ameaça que a pressão sonora das frequências esculpidas por Ledesma proporcionam remetem aos experimentos de Tim Hecker e Fennesz, ao passo que trabalham as distorções de maneira mais harmônica, a exemplo de nomes como Yellow Swans e my bloody valentine. Um processamento e trabalho emocional de um som agressivo, dilatado pelas disposições que a música ambiente em si estabelece.

Trazer em perspectiva os momentos iniciais do produtor para falar de Gift Songs (2025), seu mais novo lançamento, tem por objetivo observar a trajetória dos sons propostos pelo produtor ao longo de sua carreira. E a palavra que mais se destaque no exercício é “diferença”.

Se a consequência de seu experimento inicial – que pode ser considerado um noise-ambient ou ambient-haze – foram trabalhos que dialogam até mesmo com o rock alternativo, post-punk e dreampop, como o interessante On the Echoing Green (2017), seu mais novo trabalho quase renega toda a autoimposição que os ruídos propunham em suas obras anteriores para aproximar-se de uma música ambiente mais tradicional, não autoritária. Pianos espaçados, timbres suaves, acústicos e atenção às texturas de cada instrumento relacionam-se à nomes como o próprio Brian Eno e projetos como Bing & Ruth e seus lustrosos pianos em Tomorrow Was the Golden Age (2014) e No Home of the Mind (2017).

Isso porque Ledesma parte de uma proposta mais naturalista de sua música – o que também esclarece a escolha para a fotografia-capa, tirada por Traianos Pakioufakis  – em que a obra mais se relaciona à um processo ritualístico e espiritual do que à sua autoimposição rígida trabalhada em seus primeiros discos. É uma ruptura já de alguns anos e trabalhos anteriores, mas que ainda espanta vide o contraste que estabelece em retrospecto.

Ainda assim, Gift Songs (2025) se coloca como um dos trabalhos mais místico de sua carreira, por propor uma abordagem que intenta religar uma espécie de fantasmagoria que, através do belo, o mundo real apresenta ao sujeito. A partir de sua experiência como sacerdote Zen, o produtor se dedica a conectar a qualidade natural desses sons, percebida em sua forma mais pura, à performance humana que cada nota de uma interpretação instrumentalizada sinaliza.

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O músico Jefre Cantu-Ledesma. (Foto: Shawn Brakebill/Divulgação.)

Dessa forma, o naturalismo, que persiste e escapa ao olhar humano – e por isso ainda tão “transcendente” – contrasta a imediata fisicalidade que músicos como Omer Shemesh (piano, arranjos), Joseph Weiss (engenharia de som, baixo), Clarice Jensen (violoncelo) e Booker Stardrum (percussão) estabelecem no tecido sonoro apresentado em Gift Songs

As faixas de maior destaque, por essa exata razão, são a abertura The Milky Sea e o encerramento “River That Flows Two Ways que, de diferentes modos, apresentam a liquidez e movimento da água como tema central. Se a primeira o faz através de pianos espaçados e percussões macias, os dois de texturas muito orgânicas, a última encerra o trabalho com um drone de Hammond B3 de feição contínua e longevidade dos tons.

É exatamente através da continuidade dos sons que trabalhos do gênero ambiente conseguem alcançar uma espécie de representação de uma existência natural das coisas, por tensionar a relação da própria música com o tempo. É nesse sentido, que The Milsy Sea se destaca como faixa que melhor concebe, sobretudo em sua performance, a dinâmica natureza/humanidade, ainda mais por colocar um pulso em um andamento percussivo, proposta não tão comum assim em um gênero que, muitas vezes, nega instrumentos de ataques mais impositivos, como é o caso da bateria.

Entretanto, mesmo com ares espirituais e certo refino em estrutura, composição e sonoridade, os três movimentos que recheiam o trabalho pecam por não acrescentar uma perspectiva intrigante à sua proposta minimalista, e acabam soando seguros, repetitivos e pouco reveladores em relação à proposta estabelecida pelo trabalho.

Apesar desse deslize, o álbum expande as possibilidades estéticas do produtor, mesmo que sem a força criativa e potência em processo composicional de outras obras de sua carreira. Há quem vá tirar muito dessa escuta e há quem passe em branco. Mas é, no mínimo, agradável.

Ouça Jefre Cantu-Ledesma – Gift Songs

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