O lançamento do livro/catálogo Viver é Um Risco e Outros Rabiscos nos oferta a oportunidade de apreciar os desenhos do artista plástico, ilustrador e designer Java Araújo. O conjunto de sua obra nos revela um criador instigante que manuseia linhas e cores para construir um universo onde o real e o fantástico andam abraçados.
O catálogo, com incentivo do Funcultura, apresenta uma retrospectiva do artista com 88 desenhos e ilustrações – com técnicas diversas – criadas ao longo de 20 anos. O lançamento acontece no sábado (20), no Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães (Mamam), na Rua da Aurora, 265, no Recife, às 14h. A obra será vendida por R$ 30.
Nascido no bairro da Mustardinha, no Recife, Java Araújo é artista plástico, ilustrador e designer. Em entrevista à Revista O Grito!, ele nos conta aqui um pouco sobre o significado do seu trabalho e do caminho estético por ele percorrido.
O Grito! – Chama atenção em muitos dos teus trabalhos as formas híbridas onde vemos figuras que são meio animais e meio objetos ou meio plantas e, também, meio humanas meio animais. Quando as observamos temos a sensação de estarmos, às vezes, diante de seres em metamorfose e, em outras, diante de criaturas mutantes. Que sentimentos ou reflexões você busca provocar com essa construção?
Java – Desde que me reconheci como desenhista, compreendi que não existem limites para a criação artística. A ideia de liberdade está intrinsecamente ligada a esse contexto. Desenhar permite explorar uma infinidade de seres, formas e possibilidades. Sempre me encantei com a capacidade de criar algo novo, em vez de simplesmente repetir o que já existe.
Suas ilustrações estão quase sempre no limiar entre a fantasia e a realidade. Podemos atribuir isso a uma visão dialética da arte em que o real é a ação e a fantasia a reação para chegarmos a um mundo de mais afeto e de mais espaço para a imaginação e a criatividade?
Fantasiar é transcender. A criatividade nos incita a romper com os limites impostos pela razão, e é dentro desse contexto que isso acontece. É a dialética entre razão e imaginação que se estabelece. Em geral, estou sempre em busca dessa fascinante brincadeira que a semiótica proporciona.
Corações e pássaros são elementos recorrentes na tua obra. Elas expressam algum sentimento específico de tua visão de mundo que se concretiza nos desenhos?
Sim, corações, pássaros, peixes, pessoas, e a natureza em geral são temas que me fascinam. Afeto e liberdade são filosofias de vida que sempre estão presentes em meu caminho, de forma direta e significativa.
Apesar das diferentes técnicas e motivos, percebemos em tuas ilustrações, uma marca pessoal, uma identidade autoral. Isso foi algo que surgiu espontaneamente desde os teus primeiros trabalhos ou é fruto de uma busca estética que foi se consolidando com o passar do tempo?
Minha estética é algo que se desenvolveu organicamente, ao mesmo tempo em que foi construída com base em minhas referências pessoais. Minhas primeiras experiências visuais foram influenciadas por obras icônicas como o “Abaporu” de Tarsila do Amaral, os trabalhos de Wellington Virgolino, Corbiniano Lins e Picasso. Atualmente, com o advento da internet, temos acesso a uma infinidade de referências ao alcance dos nossos olhos. Acredito que a restrição no acesso a uma ampla gama de referências desempenhou um papel fundamental na formação da minha estética.
A falta de recursos disponíveis permitiu que eu encontrasse soluções criativas e inovadoras para expressar minha visão artística. Em vez de depender apenas das influências óbvias, fui forçado a explorar caminhos menos convencionais. A falta de acesso ilimitado a referências foi, de certa forma, um trunfo que moldou minha abordagem artística.
Em um mundo cada vez mais voltado para a imagem virtual, para a reprodução via ferramentas digitais e agora com os computadores gerando obras artísticas por Inteligência Artificial, como você se posiciona diante disso tudo? Os pixels substituirão definitivamente os desenhos feitos à mão usando nanquim, aquarela ou sempre haverá espaço para ambos?
Assunto polêmico, sempre fui um entusiasta da ficção científica, e diversos livros e filmes já previam a possibilidade de substituição do ser humano pelos robôs. Hoje em dia, vivemos em uma sociedade amplamente dominada pela tecnologia. Acredito que os robôs eventualmente irão superar os seres humanos. Embora ainda exista beleza em nós, há também uma grande quantidade de destruição e dominação. A inteligência artificial veio para ficar e é como se a máquina estivesse se tornando o lobo do homem. É uma visão pessimista mesmo sabendo que o cinema não substituiu o teatro, a fotografia não substituiu a pintura. Não existe um ponto final e sim várias reticências para este assunto.
Na tua trajetória como artista plástico e ilustrador condensada em “Viver é um risco e outros rabiscos” percebemos traços da arte popular, da charge, das histórias em quadrinhos etc. Como essas expressões influenciaram no teu trabalho? Você também destacaria nomes que foram importantes na tua formação?
Como bom nordestino, sou profundamente influenciado pelas referências populares que permeiam minha vida. Cresci assistindo Daniel Azulay na TV e lendo Mauricio de Souza, além de muitos desenhos animados que fizeram minha criança mais feliz e cheia de imaginação. No entanto, um evento que teve um impacto significativo em minha trajetória foi a revolução liderada por Chico Science e o Movimento Manguebeat. Vivi intensamente essa época e suas ideias revolucionárias deixaram marcas profundas em minha forma de criar e me expressar artisticamente. A fusão de estilos musicais, a valorização da cultura local e a consciência social presente nas obras de Chico Science tiveram um efeito direto e duradouro em meu trabalho criativo.
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