Curta Sem Coração, de Tião e Nara Normande, foi o melhor da abertura, que teve ainda críticas do progresso brasileiro com Brasil S/A
Por Alexandre Figueirôa
Da Revista O Grito!, no Recife
O Janela Internacional de Cinema, em sua sétima edição, reflete o bom momento da produção cinematográfica em Pernambuco. Na sua programação estão incluídos nada menos que seis longas metragens de realizadores locais: Ventos de Agosto, de Gabriel Mascaro; Permanência, de Leonardo Lacca; Sangue Azul, de Lírio Ferreira; Brasil S/A de Marcelo Pedroso; A História da Eternidade, de Camilo Cavalcanti; e Prometo um Dia Deixar Essa Cidade, de Daniel Aragão. E a presença desses filmes no Janela, segundo o próprio organizador do festival, o cineasta Kleber Mendonça Filho, não é fruto de uma reserva no evento para prestigiar o cinema local, mas resultado de uma seleção que leva em consideração a qualidade das obras apresentadas.
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E para confirmar essa relevância, a abertura do Janela, ocorrida na noite da sexta-feira no Cinema São Luiz, foi marcada pela exibição do curta Sem Coração, de Nara Normande e Tião, e Brasil S/A, de Marcelo Pedroso. O filme de Nara e Tião foi premiado na Quinzena dos Realizadores em maio último no Festival de Cannes e ganhador do Candango de Melhor Curta no Festival de Brasília, em setembro. Brasil S/A também brilhou no Festival de Brasília, ganhando cinco Candangos, incluindo o de Melhor Diretor e Melhor Roteiro para Marcelo Pedroso, e Melhor Montagem para Daniel Bandeira.
Sem Coração é um filme forte e delicado. Ele mostra um grupo de adolescentes de classes sociais diferentes que passam dias juntos numa cidadezinha do litoral. Eles brincam na praia, fazem passeios pelos coqueirais, mergulham nos viveiros de pesca e um dos divertimentos do grupo consiste em abusar sexualmente de uma garota chamada de Sem Coração, que se entrega sem resistência aos seus colegas.
Um deles é Leo, um garoto da capital que está passando férias no local. Apesar de compartilhar com os demais o corpo de Sem Coração, Leo e a menina acabam compartilhando também entre si um mútuo desejo de sexo e ternura. O filme encanta pela expontaneidade do elenco formado por jovens da localidade e pela poesia que emana das imagens carregadas de pureza e ao mesmo tempo reveladoras dos dramas e crueldades cotidianas na construção da sexualidade entre os gêneros masculino e feminino.
O filme de Marcelo Pedroso é uma grande alegoria carregada de ironia sobre o modelo desenvolvimentista escolhido pelo Brasil cujas escolhas copiam os mesmos procedimentos de países estrangeiros, uma marca de nossa cultura de país colonizado. O longa amplia e potencializa o tom épico que já estava presente no curta Em Trânsito, onde Pedroso explorava as contradições de um progresso industrial que não leva em conta as consequências dos danos ambientais e sociais por ele provocado.
Em Brasil S/A, o cineasta reafirma suas críticas criando situações que partem de um contexto concreto e se transformam em ações que beiram o fantástico, expressando os significados camuflados e os paradoxos de um progresso que exclui de seus feitos elementos essenciais da vida humana. Sem narração ou diálogos, Pedroso arma uma sinfonia audiovisual plasticamente bonita e com uma trilha musical eloquente que dá sustentação ao filme. Por vezes as metáforas soam óbvias e superficiais, mas há momentos realmente instigantes que alinhados provocam reflexão e questionamentos.
O Janela de Cinema vai até o dia 2 de novembro. Veja a programação completa.