IZA
Afrodhit
Warner, 2023. Gênero: Pop
“Ser artista é traduzir as coisas que eu vivo através da minha arte”, disse Iza em entrevista à Folha de São Paulo. A descrição é um ótimo começo para entender o excelente Afrodhit, seu mais novo álbum. O lançamento, vindo depois de cinco anos desde o primeiro trabalho de estúdio (Dona de Mim, 2018), entrega uma gama de sonoridades e conceitos, provando ao público que toda espera foi válida.
Desmembrando o título do disco, percebemos uma nova configuração do nome da conhecida deusa do amor (Afrodite). O “afro” aqui se prova no aproveitamento dos potenciais da música negra, tanto em ritmo quanto em elenco, no que diz respeito aos artistas convidados para os feats. A parte “hit” pode ser compreendida como uma aposta para as faixas. E, contemplando a referência a entidade grega, o amor é pauta.
Discreta sobre sua vida pessoal, mas não imune à repercussão dos fatos da mesma, Iza faz aqui justamente o que relatou ao veículo citado acima. Ela traduz. A separação do ex-marido e ex-produtor musical não pode ser considerada o único motor para o disco, mas, é fato, o que traz toda uma carga. Até porque o novíssimo trabalho veio no lugar de uma sequência inteira de faixas jogadas no lixo. Representando um período de incertezas, inseguranças e aflições na vida pessoal da artista, as canções anteriores não dialogariam com seu momento atual.
Em Afrodhit, Iza é completamente dona de si a partir da maturidade que apresenta, tanto em retratar nas melodias, fases difíceis de uma relação, quanto permitir-se a novas histórias. Essa trajetória que finda no recomeço se percebe a partir da ordem em que cada canção foi encaixada numa audição que permite o gingado, a dança, a reflexão e o escapismo através da paixão.
Quando “Fé” surgiu já foi possível perceber uma Iza mais combativa. Não no sentido de rebater, e sim no sentido de se impor. A perseguição corriqueira que uma pessoa preta sofre na sociedade molda esses corpos a uma busca constante de higienização. Como se o preto precisasse sempre se adequar a certo padrão centrado de comportamento para não ser taxado de agressivo. O uso do palavrão como em “Fé” se perpetua nestas novas faixas como um símbolo da sinceridade, liberdade e desligamento desses moldes apontados acima.
E a liberdade se faz presente em tudo, desde a aventura no funk e no trap, e consequentemente nas mesclas brilhantes desses dois com os afrobeats, à abordagens mais salientes nas baladas do álbum.
A audição do disco começa com uma sequência mais tensa, respeitando essa trajetória já mencionada, da fase conflituosa até os novos ares. Faixas como “Nunca Mais”, “Que Se Vá” e “Tédio” são desabafos de uma relação fadada ao fracasso, que machucou, que se mostrou infundada no amor e que não tem mais remédio.
Nesse combo também está a ilustre adiantada “Fé nas Maluca”, parceria com MC Carol. É, aliás, a partir deste lançamento, em conjunto com o videoclipe, que toda a identidade visual do disco se desenvolve. Numa letra que versa sobre o empoderamento feminino e se concretiza uma narrativa cinematográfica. Assim como no projeto Três, Iza entrega atuação e performance no videoclipe. Ela é a mulher de pedra, ser intraterrestre. Encontrada por um garimpeiro e fonte de pedras preciosas, ela é explorada comercialmente contra a própria vontade. Com a ajuda da justiceira Carol, percebe seu valor e retorna ao seu cativeiro para uma vingança.
A metáfora instalada aqui (proposital, ou não) da mulher forte e cheia de potencial (“de pedra”), mas que se perde nas mãos de quem só quer dinheiro, é bem significativa.
Com “Mega da Virada”, os ares do disco começam a mudar. As batidas agitadas da sequência chegam com essa parceria com Russo Passapusso, sobre um instrumental que abraça o molejo do pagodão baiano.
A saidinha pro baile e pra curtição como próxima etapa da fase ruim flui em “Batucada” e “Boombasstic”. Esta última, parceria com a rapper King, como uma releitura brasileira e bem mais gingada do hit “Bombastic” de Shaggy.
Iza ainda abre espaço para a irreverente “Terê”, narrando uma mulher explosiva e imprevisível. Podemos considerar a musicalização da figura da mulher preta agressiva num lugar de apreciação e não de julgamento.
A sequência “Fiu Fiu” feat L7NNON, “Sintoniza” feat Djonga e “Bomzão” feat Tiwa Savage representam esse recomeço no amor. Esse início de uma paixão. Com L7, o flerte come solto, com o dono do lugar, um feat é sinônimo da relação à dois, e com a cantora nigeriana, já é paixão. “Exclusiva” e “Uma Vida é Pouco Pra Te Amar” contam mais sobre essa redescoberta do sentimento em baladas envolventes que Iza sabe fazer tão bem.
Para conclusão da análise, em “Fé nas Malucas”, Iza solta uma assertiva que também pode, dessa vez, fazer com que Afrodhit se entenda: ela está no seu melhor momento.
Ouça: IZA – Afrodhit
Leia mais críticas de discos:
- “SOPHIE” é uma homenagem sem coerência ao legado de um dos grandes nomes do pop
- Caxtrinho canta crônicas sobre desigualdade em “Queda Livre”
- Uana na dianteira do pop pernambucano em “Megalomania”
- Kaê Guajajara cria mosaico de sons em “Forest Club”
- Floating Points faz disco talhado para as pistas em “Cascade”