Isadora Melo
Anagrama
Independente, 2022. Gênero: Pop
Para despontar na cena da música pernambucana e nacional não existe uma receita de bolo, mas, certamente um dos caminhos pode ser o de investir num trabalho que revele a identidade do artista. Nesta premissa, Isadora Melo faz nascer Anagrama, segundo álbum da carreira, sendo o primeiro a integrar composições suas, parcerias com poetas e compositores em canções com temas que trazem sentimentos e protestos.
A pernambucana já coleciona trabalhos como atriz, quando em 2015, a convite de Juliano Holanda, participou da trilha sonora da minissérie global Amorteamo, ganhando ainda a oportunidade de fazer parte do elenco. Em seguida, foi convidada por João Falcão para o musical Gabriela, baseado na obra de Jorge Amado.
No ano de 2018, as trocas com o diretor João Falcão, a experiência de uma turnê com o Cordel do Fogo Encantado, e sua montagem do espetáculo A Dita Curva, com 10 mulheres pernambucanas criadoras, compositoras e intérpretes, despertaram um insight de Isadora em musiciar suas próprias ideias. O último e primeiro disco lançado, Vestuário, revelou seu trabalho como cantora intérprete.
Nesse desejo, junto a visão de mundo, quanto às injustiças, desafios da vida, problemáticas ambientais, o resgate de poemas, a expressão dos sentimentos e parcerias com compositores, acontece Anagrama, nordestinamente influenciado em sua sonoridade, de percussão, guitarra, violão e pífano. Da construção do trabalho participaram os produtores Rafael Marques, Henrique Albino e Lucas dos Prazeres.
Um prelúdio abre alas. “Proposta para um estado crítico” traz o dueto de Isadora consigo mesma nma voz média-águda firme carregada de sotaque, em cima de uma base instrumental, quase como um decreto de uma proposta lúcida para um estado crítico, evidenciando o mantra eu cuido de você e você cuida de mim. Implícitos ou explícitos, há protestos e diálogo direto com a situação vigente, dá para considerar que o estado da letra é o Brasil.
Numa percussão que remete ao maracatu, um sax (com direito a um solo firulante) que traz a memória o frevo, e arrisca-se numa passagem meio lambada, “Não Ando Bem”, parceria com Marcelo Rangel, revela uma mescla dinâmica. O eu lírico está cheio de nuances, inquieto, admite que não tá bem, fala Quem pensa muito seus males encontrou e reclama Estamos nus desde o tempo da maçã.
O pife ilustre divide espaço com uma guitarra pesada e uma percussão de batuques, compondo uma melodia ágil na faixa homônima. A canção de parceria com Lira, musica a poesia de Philipe Wolnney, escrita em meio a notícia do crime da Vale na cidade de Brumadinho. Com lírica e melódica, Isadora traz suas críticas aos ditos desastres naturais.
“Sorriso de Faca”, composta por Martins, vem com uma guitarra mais dramática e instrumentos de sopro pontuais e melancólicos, falando de um sorriso que ataca, que machuca, na expressão de uma relação conflituosa. Em “Para os Prédios”, composição de Julio Holanda, Isadora começa quase numa embolada, soltando o verbo, como se acompanhasse a percussão e vice-versa. A atitude na letra revela um eu-lírico decidido. Instrumentos e voz casam na agilidade de uma música preenchida que termina abrupta, épica.
“Quanto Mais” bate pandeiro e palmas, abrindo espaço para uma flauta ou um pife, cantando sobre resistência, persistência, como alguém que alcança soluções nas demais situações da vida. Mais uma composição de Juliano Holanda, “Habite-se” traz o frevo com propriedade, versando sobre arriscar, testar possibilidades.
“Um Lugar”, presente de seu companheiro Rafael Marques e de Martins, protagoniza uma voz e violão sensíveis falando sobre se desprender de coisas velhas, despregar da linha que me costurou, suave e reflexiva. Na esteira das poesias musicadas, para fechar o disco, “Antes de Ir” traz a melodia de Isadora ao texto do Fred Cajueiro. Deixar um pé de arruda no terraço significa dar espaço para o que é bom chegar em meio a despedida, com uma mensagem imersa em instrumentos numa vibe camponesa, feliz e positiva.
Anagrama desabrocha o fio criativo autoral de Isadora, nascido e guardado desde 2018. Com o apoio de parceiros compositores, a sensibilidade através da poesia e com ousadia nas apostas sonoras, a cantora se lança numa produção mais identitária, de personalidade, de influências nordestinas, presenteando com novidade a cena independente pernambucana.