A Sindicalista
Jean-Paul Salomé
Com Isabelle Huppert, Grégory Gadebois, François-Xavier Demaison
FRA, 2022, 2h01. Distribuição Synapse Distribution
Em cartaz nos cinemas
A produção de energia elétrica a partir de usinas nucleares é um tema controverso. Alguns as veem como uma forma de diminuir a emissão de gases e reduzir o aquecimento global, enquanto outros são contra sua existência por temerem acidentes como os que já ocorreram em Chernobyl, na Ucrânia, e Fukushima, no Japão. Outro ponto negativo apontado é a difícil gestão dos dejetos radioativos por elas produzidas. A Alemanha, por exemplo, por pressão de ativistas ambientais, fechou as suas 19 usinas. Todavia, países como a França têm 70% de sua eletricidade produzida por usinas nucleares e com a crise energética provocada pela guerra entre Rússia e Ucrânia, o seu governo já anunciou que vai construir mais. Bom, esse blá blá blá todo se faz necessário para entender melhor o contexto do drama que se desenrola no filme A Sindicalista, que estreia hoje nos cinemas, com direção de Jean-Paul Salomé e a atriz Isabelle Huppert como protagonista.
Baseado em acontecimentos reais, A Sindicalista ganhou o prêmio de Melhor Filme da Mostra Horizontes do Festival de Veneza em 2022. Ele aborda a história vivida pela representante sindical Maureen Kearney, cujas denúncias de acordos secretos da indústria nuclear francesa, colocando em risco o emprego de milhares de pessoas, se tornou um grande escândalo político envolvendo ministros, deputados e gestores das empresas de energia. Corajosa e determinada em proteger os trabalhadores que representava, Maureen sofreu ameaças que culminaram com uma violenta agressão em sua própria casa, episódio, porém, que no decorrer das investigações a transformaram de vítima em suspeita.
A trama desenvolvida por Jean-Paul Salomé, que também assina o roteiro com Fadette Drouard, tem os elementos ideais de um bom filme de suspense ao colocar em confronto uma líder sindical em luta contra os eternos tubarões do capitalismo. A base para o filme é o livro da jornalista Caroline Michel-Aguirre, de 2019, onde todo o drama vivido por Kearney é minuciosamente relatado. Neste sentido, a narrativa desenvolvida por Salomé, tem dois caminhos que se entrelaçam.
O primeiro deles é o que diz respeito aos bastidores do complô que se arma contra Maureen Kearney. Nele, encontramos o usual das histórias com políticos inescrupulosos e corruptos capazes de tudo para ganharem dinheiro e poder. Não esquecendo que a França, guardando as devidas proporções, é um país com empresas multinacionais na mesma briga de interesses geopolíticos e econômicos com nações como os Estados Unidos e China. O segundo aspecto, o mais interessante, e cuja atuação de Isabelle Huppert é essencial para ele sobressair-se, é o que põe em evidência como o mundo masculino se relaciona com as mulheres, sobretudo com as que os enfrentam.
A personagem de Maureen Kearney é complexa e Huppert, com sua reconhecida habilidade para interpretar papéis que demonstram altivez e fragilidade, compõe com perfeição os estados emocionais da sindicalista. As diversas fases que se sobrepõem – perplexidade, depressão, resistência –, enquanto a história avança, são finamente trabalhadas pela atriz, auxiliada por um roteiro que sabe dosar os eventos de modo a prender a atenção do espectador até o final e uma montagem bem articulada com elipses precisas e um curioso jogo de possibilidades que nos joga dentro da trama. Para quem gosta de Huppert e histórias de complôs e de julgamentos, A Sindicalista é um prato cheio.
Leia mais críticas
- “Wicked”: adaptação do musical da Broadway é tímida, mas deve agradar fãs de Ariana Grande
- “Herege”: com boa premissa, novo suspense da A24 se perde em soluções inconvincentes
- “Gladiador 2” é ambicioso ao explorar os dilemas de uma Roma decadente
- Um “Seu Cavalcanti” para chamar de seu
- “Ainda Estou Aqui”: tomografia de uma família flagelada pela ditadura