Invocação do Mal 4: O Último Ritual
James Wan e Michael Chaves
EUA, 2025. 2h15. Terror. Distribuição: Warner Bros.
Em meio aos jumpscares e à atmosfera de malignidade dos filmes da franquia Invocação do Mal, há um componente discursivo que me incomoda desde a primeira produção de 2013: o subtexto conservador que compreende a família e a religiosidade como pilares fundamentais para a vitória contra o demoníaco. Falas como “Deus nos uniu por uma razão”, além do modo como as famílias estadunidenses são retratadas nas tramas, reforçam esta visão tradicionalista que os diretores James Wan e Michael Chaves abraçam na composição dos personagens. Neste quarto e último (assim esperamos) capítulo da saga, a veneração ao cerne familiar atinge seu ápice dramático.
Na sequência inicial da nova obra, o espectador é levado a 1964: ano de nascimento de Judy (Mia Tomlinson) filha do casal Ed (Patrick Wilson) e Lorraine Warren (Vera Farmiga). Por interferências de forças diabólicas, o parto é extremamente complicado e a bebê nasce morta. Com a força da fé da mãe que ora e pede a Deus pela filha, a criança milagrosamente volta à vida, depois de um minuto sem qualquer batimento cardíaco. O episódio é marcante no desenvolvimento de Judy que, da infância à fase adulta, lida com intrusões mentais regidas por entidades espirituais nada amigáveis. Já em 1986, manifestações paranormais afetando uma família na Pensilvânia são o fator desencadeante para os Warren revisitarem os fantasmas do passado – os mesmos responsáveis pela quase morte da recém-nascida Judy.
Boa parte da crítica especializada reprovou A Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio (2021), segunda empreitada de Michael Chaves no chamado “Invocaverso”, depois do pavoroso A Maldição da Chorona (2019). Não estou entre os ferrenhos detratores do Invocação 3: apesar da puerilidade do roteiro, há boas sequências que sobem alguns degraus no gore e no desconforto corporal. Dito isso, Chaves parece desinteressado, neste quarto filme, em experimentar artifícios diferentes. O filme soa como uma refeição requentada cujos ingredientes já provamos nas produções anteriores. Até o tradicional plano-sequência (presente em todos os Invocações, no qual as câmeras passeiam pelos ambientes das casas, prenunciando os acontecimentos tenebrosos que ali irão ocorrer) desta vez é tão tímido que dá a impressão de obrigação narrativa por parte do cineasta.

Incontestavelmente menos sofisticado que James Wan, Michael Chaves exagera nos maneirismos estéticos – principalmente os atrelados à montagem – que buscam mascarar pela técnica a insuficiência dramática da narrativa em curso. O roteiro pincela ameaças pouco eficientes, como – mais uma vez – uma certa tensão ao perigo de novo ataque cardíaco de Ed Warren. Para um filme de mais de 2 horas de duração, Invocação do Mal 4 não consegue equilibrar o próprio ritmo; enquanto há cenas breves demais e fragmentadas, outras sequências alongam-se sem necessidade, como aquelas protagonizadas pelo Padre Gordon (Steve Coulter).
Quando foca no drama da família Smurl, o longa alcança seus melhores momentos (cenas impactantes como a do vômito de sangue); infelizmente, o filme não é hábil suficiente ao entrecruzar as duas linhas narrativas simultâneas – família Smurl e família Warren – e o resultado compromete a identificação do espectador com aquelas pessoas vítimas das forças malignas. Totalmente diferente, por exemplo, do Invocação do Mal 2, onde as agruras vividas pela jovem Janet (belamente interpretada por Madison Wolfe) dão o tom dramático de todo o filme.
Sem surpresas, o terceiro ato deste quarto capítulo da franquia se mostra mais preocupado com uma simplória mensagem motivacional que poderia ser retirada de manuais de como enfrentar seus demônios interiores. O exercício de futurologia de Lorraine Warren ressalta a concepção discursiva mencionada no começo deste texto: a família tradicional (leia-se heteronormativa e religiosa) como espinha dorsal da sociedade. Para uma franquia esticada ao limite, com spin-offs de pouquíssima relevância, Invocação do Mal 4 é uma conclusão que nos faz torcer para que este seja, de fato, o último filme deste universo.
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