Banda paulista fala de caos social, relacionamentos ruins, feminismo e amor no mais importante disco de rock brasileiro este ano
A banda In Venus é parte de uma renovação do rock brasileiro hoje, e não estamos falando apenas de sonoridade. Existe uma busca mais profunda de encontrar o lugar e a função do estilo dentro uma perspectiva mais cultural e identitária. Enquanto o pop e o hip hop seguem mesclando inovações estéticas com conteúdos relevantes, o rock pode ter se estacionado em uma posição confortável com um público já cativo. Uma banda como a In Venus traz de volta o espírito de contestação que marcou a gênese do gênero e certa dose de risco.
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Ruína é um disco-chave para entender os rumos do rock no Brasil daqui em diante. Dispostos a tratar de um tema difícil – a destruição enquanto ferramenta de construção – o grupo conseguiu olhar para o nosso conturbado momento sociopolítico ao mesmo tempo em que seguiu uma trilha mais atemporal quando fala de relacionamentos instáveis, meritocracia, depressão, luta por status, egocentrismo e ostentação.
Formado por Cint Ferreira (voz e teclados), Patricia Saltara (baixo), Camila Ribeiro (bateria) e Rodrigo Lima (guitarra), o In Venus surgiu em São Paulo e faz parte de uma geração de bandas da chamada cena rrriot que despontou, entre eles estão a Rakta e a Charlotte Matou um Cara. Mas a In Venus é a mais punk de todas e traz o movimento nas veias de maneira tão intrínseco que chega a ser quase acadêmico. Pra começar o disco vem acompanhado de um manifesto anti-capitalista, que pode ser lido online. “Do trabalho, o dinheiro para sobreviver. Os instintos de conforto aos quais somos submetidos. Compras programadas sem necessidade real. Uma das técnicas que esses sistema encontrou de nos acorrentar. Nos tornamos impulsivos, graças a ansiedade”, diz um trecho do texto, que é acompanhado por colagens que mesclam de maneira caótica a pressão por felicidade e consumismo do cotidiano.
Na sonoridade o grupo busca influências tanto no post-punk como no shoegaze, pegando referências também no riot grrrl (movimento que revelou nomes como Sleater-Kinney e Bikini Kill, entre outros). Há momentos mais viscerais, como a dobradinha de abertura “Youth Generation” e “Burn”, outros mais soturnos como “What Do You Fight For”. Formado quase inteiramente por mulheres, a In Venus tem um conteúdo fortemente apoiado no feminismo, o que está bem claro em “Mother Nature”, o primeiro single, um retorno à relação com a grande mãe. “Go” traz uma levada que lembra o ritmo do maracatu, mas aponta para uma atmosfera mais amarga.
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O encerramento, “Inverno da Alma”, quase hardcore, é uma catarse que destrincha todos os temas pesados de Ruína, mas traz um tantinho de esperança (ou ao menos o combustível necessário pra partir pra luta). Apesar do grito primordial punk ao qual se conectam, as músicas de Ruína são sofisticadas e cheias de camadas, com um instrumental encorpado por texturas, ecos, vocal diversificado. Os sentimentos perpassam o disco, indo da tristeza, frustração até a raiva liberta.
Com nove faixas, letras em inglês e português, a banda consegue passar com clareza seu discurso roqueiro com muita atitude e originalidade. Que uma nova e instigante fase do gênero comece com a In Venus.