GIGANTISMO 3D
Avatar muda muita coisa na indústria do cinema, mas seu legado pode não ser legitimado pelo Oscar
Por André Azenha
Colaboração para a Revista O Grito!, em São Paulo
Foram quase 15 anos necessários para conceber o projeto. E a espera valeu à pena. Avatar, primeiro filme dirigido por James Cameron desde o ultra-sucesso Titanic, vencedor de 11 estatuetas no Oscar, é um espetáculo visual sem precedentes. Um passo a frente em relação a tudo o que tem sido feito via computação gráfica no cinema. É um filme para ser visto e curtido mais de uma vez. Se possível, numa sala IMAX. O filme está indicado a 9 oscar este ano, mesmo tanto de Guerra ao Terror, seu principal concorrente.
Assim como outros trabalhos tecnicamente revolucionários do cineasta – e a lista é grande: Exterminador do Futuro 1 e 2, Aliens – O Resgate, O Segredo do Abismo, True Lies, o próprio Titanic – sua nova obra tem um roteiro simples, que lembra bastante a trama de Dança com Lobos: alguém que aprende a viver numa sociedade diferente e acaba defendendo a nova “família” contra a barbárie. No caso, em 1990, Kevin Costner era o homem branco que se aproximou dos índios apaches. Já em 2009, Sam Worthington é o humano inserido numa comunidade alienígena nativa.
A trama de Avatar se passa no futuro, em 2156. O ser humano virou colonizador numa lua distante chamada Pandora, onde há um mineral valiosíssimo (um quilo vale US$ 20 bilhões!) capaz de ressuscitar nosso planeta, destruído por sua própria sociedade.
Sam Worthington vive um paralítico, ex-fuzileiro, que aceita fazer parte desse programa de colonização no lugar do irmão gêmeo falecido. Ele comandará, por meio de sensores neurológicos, o corpo artificialmente de um avatar, ser desenvolvido a partir do DNA humano junto com o de um Na’vi, espécie alienígena que vive naquele ambiente venenoso aos terráqueos. O objetivo da missão: se aproximar da população nativa, aprender seus costumes e depois convencê-la a deixar suas terras. Caso contrário, haverá guerra.
Apesar do roteiro repleto de clichês e que remete a tantas outras produções (além de Dança com Lobos, temos a mente que guia um outro corpo, cortesia de Matrix), Cameron caprichou tanto nos detalhes visuais que fica impossível não mergulhar na trama. Além disso, o enredo tem a capacidade de nos fazer envolver com sua mensagem ambientalista. Nada mais oportuno numa época em que o ser humano castiga cada vez mais seu próprio habitat.
Em Avatar, os Na’vi possuem uma ligação profunda com a natureza. Toda a existência de Pandora está ligada, como se fosse um sistema de rede, uma network. É um universo selvagem, natural, mas que funciona como as últimas tecnologias da informática.
O poder dessa mensagem é tamanho, que nos pegamos torcendo contra nossa própria espécie. No filme, os heróis são os alienígenas. Algo corajoso até, se pensarmos que em tantas outras produções (inclusive em outro blockbuster deste ano, Star Trek) são os aliens que visam dominar o universo.
Aqui não. Os seres humanos (exceto alguns da trama) é que pretendem conseguir, não importa como, o tal mineral precioso. Mesmo que seja necessário extinguir uma sociedade inteira que vive de forma pacífica. É mais empolgante ainda quando percebemos que até os marines americanos, retratados sempre como heróis em filmes de guerra, são derrotados. Avatar surgiu também para romper mitos do cinema.
Mas nada disso adiantaria se tecnicamente o longa não fosse impecável. E Cameron, mais do que ninguém, sabe como empregar a tecnologia em favor da arte. Sim. Apesar de ser uma produção “arrasa quarteirão” e megalomaníaca, Avatar é o oposto de filmes como 2012. É um ambiente maravilhoso, que utiliza efeitos especiais em favor de uma história.
Cada detalhe da fauna e da flora de Pandora soa extremamente real. É como se estivéssemos presenciando realmente um outro mundo. E belo.
Já os Na-vi (cujo corpo e a pele azul lembram muito criaturas de um gibi dos anos 80, “Timespirits”) possuem algo que outros filmes feitos por CGI (como O Expresso Polar e A Lenda de Beowulf) não conseguiram. Seus olhos demonstram vida. São verossímeis. Para isso contou também as boas interpretações de Sam Worthington, de O Exterminador do Futuro – A Salvação, Zoe Saldana, de Star Trek, e Sigourney Weaver, que aparecem nas duas formas, interpretando de verdade, e emprestando suas feições e expressões às figuras alienígenas (destaca-se também o vilão encarnado por Stephen Lang).
Para chegar a esse resultado impressionante, Cameron (recentemente eleito para a Calçada da Fama de Hollywood) criou uma nova tecnologia, que fez cada ator usar um equipamento especial na cabeça, semelhante ao capacete do futebol americano, permitindo a captura de movimento com clareza e precisão inéditas, seis vezes maior que o poder de captação usado anteriormente no cinema.
Outra inovação criada para o longa foi a Câmera Virtual, que possibilitou ao diretor filmar cenas dentro de seu mundo gerado pelo computador, como se estivesse em um estúdio de Hollywood.
Mesmo que numa sala 3D a sensação de três dimensões (ao menos na sessão em que estive presente) não aconteça a todo momento, Avatar é uma obra magnífica. O resultado preciso de quando arte e produto comercial se cruzam. Desde já, é sério candidato ao Oscar em várias categorias e um dos melhores filmes do ano.
Talvez não arrecade mais de US$ 1 bilhão como “Titanic”, mas com certeza é um novo marco na história da sétima arte realizado por James Cameron, que mantém sua carreira regular e admirável. Divirta-se.