Fresta, festival dedicado ao cinema analógico, promove a beleza e memória dos filmes em película

Primeira edição do festival exibe 65 filmes em película e promove debates e oficinas sobre preservação audiovisual

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"Retratos Fantasmas", de Kleber Mendonça Filho, será exibido em cópia 35mm no Fresta (Foto: Divulgação).

Nos últimos anos, o Recife tem assistido ao surgimento de novas iniciativas no campo do audiovisual, renovando o circuito de mostras e festivais. Entre os já tradicionais, como o Cine PE e o Janela Internacional de Cinema, somam-se agora propostas voltadas para nichos específicos. É nesse contexto que surge o Fresta – Festival Internacional de Cinema Analógico de Pernambuco, primeira mostra do Nordeste inteiramente dedicada ao cinema em película, que acontece entre os dias 27 e 31 de agosto, no Cinema São Luiz e no Cinema do Museu (Fundaj).

Com 65 filmes em exibição, o Fresta reúne obras nacionais e internacionais produzidas em super 8, 16 mm e 35 mm, divididas entre mostras competitivas e sessões especiais. O festival também promove oficinas, debates e ações formativas voltadas para a preservação audiovisual.

“O Fresta surgiu da minha paixão pelos antigos formatos de película, queria incentivar as pessoas a continuarem optando por fazerem filmes assim enquanto levantava o debate sobre a preservação das nossas produções, que são tão desvalorizadas principalmente nas regiões Norte-Nordeste do país”, disse em entrevista à Revista O Grito! o idealizador e diretor do festival, Douglas Henrique.

A força da linguagem analógica

Para o cineasta e quadrinista Chico Lacerda, que integra a curadoria do festival, o espaço para o cinema em película mantém um caráter de experimentação e singularidade. “Em algum momento, quando a gente só tinha analógico, existiam os formatos mais baratos, como o Super 8 e o 16 mm, que tinham características específicas. O mais caro era o 35 mm, que era o da indústria. Esses formatos mais baratos permitiam que realizadores utilizassem linguagens que fugiam um pouco da clássica utilizada pela indústria, permitindo flertar com experimentações, documentários de forma mais acessível. Enfim, era um espaço em geral mais aberto à criatividade e às novas linguagens”, disse em entrevista à Revista O Grito!.

Com a chegada do digital, Lacerda avalia que houve uma democratização, mas também uma mudança de relação com os meios de produção. “O digital, de alguma forma, chegou democratizando mais essa produção, porque barateou os custos. Mas, ao mesmo tempo, utilizar meios analógicos hoje em dia me parece ter a ver com propostas mais específicas”, comenta.

Cada formato tem suas características, suas especificidades, seus ruídos próprios

Chico Lacerda

Segundo ele, a experiência com suportes diversos não se resume a uma ideia de “magia”, mas sim de especificidades que impactam na criação estética. “Seja o vídeo analógico, o VHS, o Betamax, seja a película 16 mm, que tem cores muito específicas, ou o Super 8, que tem um tipo de ruído de grão também muito característico. Em geral, não acho que haja uma magia específica, mas acredito que esses formatos se prestam à produção de imagens com características singulares”, afirma.

Still O Palhaço
“O Palhaço”, de Selton Mello, integra a programação especial em película 35mm (Foto: Divulgação).

Preservação e memória coletiva

A preservação audiovisual é um dos principais eixos do festival. “Nossa missão é, além de apresentar um programa rico de novas produções, filmes restaurados e clássicos projetados em película, também dar nossa contribuição para o cinema. Toda edição estamos restaurando um filme que compõe nossa pesquisa em preservação e também produzindo um filme em analógico como parte da nossa oficina de realização. Precisamos que a nova geração veja o analógico como uma opção real de se fazer cinema”, destacou Douglas Henrique.

Chico Lacerda também ressalta a importância do cuidado com os suportes físicos. “Eu acho que a preservação é importante para todos os formatos. E uma coisa que a gente vem percebendo é que os formatos digitais são muito mais perecíveis do que os formatos analógicos em película ou fita de vídeo”, afirma.

Still Deserto Feliz
“Deserto Feliz”, de Paulo Caldas terá projeção em 35mm no encerramento do festival (Foto: Divulgação).

Ele acrescenta que a durabilidade da película depende de cuidados específicos. “Então, é interessante: apesar de ser um mundo digital, o digital é muito mais perecível. A película, por ser um suporte físico, mais material, tende a durar mais. Agora, para mantê-la em condições de ser compartilhada e exibida, é preciso ter cuidados muito específicos: umidade, temperatura, local de armazenamento, prevenção contra fungos. Então, eu penso que são estratégias diferentes de preservação para cada formato. E acho que a importância da preservação – talvez já respondendo à pergunta – é que esses materiais produzidos são registros históricos.”

Para ele, o audiovisual é parte essencial da memória coletiva. “Dizem que os filmes de ficção são registros da própria produção dos filmes. São registros históricos, documentários sobre sua própria produção. E, de forma mais ampla, são registros de um discurso de uma época, a base da criação de uma memória coletiva. Se a gente não cuida de guardar a memória, coisas que foram extremamente problemáticas podem se repetir pela falta dela ou por tentativas de falseamento. E isso a gente tem vivido com a ascensão da extrema direita nos últimos anos, de forma muito forte. Há uma tentativa de falsear e apagar a memória, para que projetos de poder ditatoriais possam ser recolocados e ter espaço novamente. Então, para mim, a importância de qualquer artefato histórico é essa. E, no caso do material audiovisual, ele é um artefato histórico, além de estético”, reflete.

Programação e homenagens

A abertura do festival acontece no Cinema São Luiz, com a exibição de O Tubérculo (2024), em Super 8. O evento homenageia o cineasta e jornalista pernambucano Fernando Spencer (1938–2014), conhecido como o “cineasta das três bitolas” por sua produção em super 8, 16 mm e 35 mm. Seus curtas Vicente é o Galo (1974) e Estrelas de Celulóide (1987) estão entre os títulos exibidos em sessão especial.

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Fernando Spencer, cineasta e jornalista homenageado nesta primeira edição do Fresta (Foto: Divulgação).

Entre os destaques da programação estão ainda as exibições em 35 mm de O Palhaço (2011), de Selton Mello; Retratos Fantasmas (2023), de Kleber Mendonça Filho; e Eles Voltam (2012), de Marcelo Lordello. O cineasta espanhol Ion de Sosa também terá seus filmes em 16 mm apresentados. O encerramento contará com a exibição do curta restaurado Morte no Capibaribe (1983), de Paulo Caldas, além do longa Deserto Feliz (2008), também do diretor.

“Os festivais e salas de cinema se adaptaram completamente ao digital, então transportar dezenas de rolos de filme é muito custoso atualmente. Nossa maior missão era conseguir montar uma programação interessante para todos os tipos de públicos dentro do que tínhamos ao nosso alcance”, afirmou Douglas Henrique.

“O Fresta apresenta um formato completamente original de programação e ações e esperamos que isso desperte outras iniciativas semelhantes por outras regiões do país. São ações assim que possibilitam um projetor de película esquecido se manter funcionando e um filme que está 10 anos embaixo da cama de um realizador voltar a ser projetado. O Brasil tem todo potencial de produzir, difundir e preservar o cinema analógico”, concluiu o diretor.

Renovação do circuito

Na avaliação de Chico Lacerda, o Fresta representa um momento de retomada dos festivais no Recife. “Como tudo é cíclico, acredito que estamos novamente em um processo de renovação, no qual vemos novas iniciativas surgindo – e o Fresta é uma delas. Acho interessante acompanhar esse movimento e considero positivo o surgimento de festivais dedicados a nichos específicos. No caso, o Fresta é dedicado ao cinema analógico, e me parece que cada vez mais é importante diversificarmos essas janelas de exibição, seja de forma mais ampla, seja através de nichos”, analisa.

Confira a programação completa

Quarta (27/08) – Cinema São Luiz

15h30 – Sessão de Abertura: O Tubérculo – Dir: Lucas Camargo de Barros / Nicolas Thomé Zetune (2024 | 70′ | BRA | Super 8)
17h – Competitiva Internacional de Curtas #1
18h15 – Sessão Especial: 8 Por 8: Renovação do Ciclo de Cinema em Super 8 na Paraíba
20h – Competitiva Nacional de Curtas #1

Quinta (28/08) – Cinema do Museu (Fundaj)

15h30 – Sessão Especial: Cinema Documental de Eunice Gutman
16h45 – Sessão Especial: Pernambucos Restaurados
18h15 – Competitiva Internacional de Curtas #2
19h30 – Sessão Especial: Colagem (1968) + Um É Pouco, Dois É Bom (1970)

Sexta (29/08) – Cinema do Museu (Fundaj)

15h30 – Sessão Homenagem: O Cinema de Fernando Spencer
17h – Competitiva Nacional de Curtas #2
18h15 – Sessão Especial: Distruktur
19h30 – Sessão Secreta do Filme Analógico Secreto

Sábado (30/08) – Cinema São Luiz

14h – Mostra de Curtas Pernambucanos em 35mm #1
15h30 – Competitiva Nacional de Curtas #3
17h – Sessão Especial: O Palhaço (2011 | 35mm)
19h – Sessão Especial: Retratos Fantasmas (2023 | 35mm)

Domingo (31/08) – Cinema São Luiz

14h – Mostra de Curtas Pernambucanos em 35mm #2
15h30 – Sessão Especial: Ion de Sosa (Leyenda Dorada e Mamántula)
16h45 – Sessão Especial: Eles Voltam (2012 | 35mm)
18h45 – Sessão de Encerramento: Morte no Capibaribe (curta restaurado) + Deserto Feliz (2008 | 35mm)