Um músico de climas
Por Renata Arruda
Phillip Long é uma máquina criativa. Quando conversei com o músico pela primeira em 2012, ele tinha Man On A Tightrope (2011) no currículo e estava finalizando os lançamentos de singles do seu segundo álbum, Caiçara, e preparava o lançamento do terceiro, Dancing With Fire. No mesmo ano, Long ainda lançaria Atlas e Sobre Estar Vivo (seu primeiro disco em português), que seriam seguidos por Gratitude e Seven – todos em 2013. Incansável, em junho deste ano Phillip Long disponibilizou para download gratuito A Blue Waltz, seu oitavo disco em um curtíssimo período de três anos. Se antes seus trabalhos tinham o folk como base, desta vez Phillip foi buscar influências no rock inglês dos anos 1980 e em seu perfil no Facebook, diz ter encontrado “todo um caminho em comum no que diz respeito a forma que sempre pensei música. É uma linguagem próxima da minha e eu demorei muito para explorar isso, mergulhar. Eu sinto que estarei trabalhando nesse campo durante algum tempo. Estou pronto para carregar minha música de climas e deixar ela respirar essa atmosfera”.
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E essa não é a única diferença de A Blue Waltz para os anteriores: desta vez, Long participou do processo de produção do álbum ao lado de Enzo Petruchi e Danilo Carandina, companheiros de Coletivo Pau de Arara, “uma parceria entre amigos que produzem arte” na cidade paulista de Araras, buscando se fortalecer através da união. “A cidade de Araras tem uma geração muito forte de criadores em mãos e por vezes negligencia isso, então a gente resolveu fazer as coisas com nossas mãos”, conta ele. Além disso, o show ganhou um formato todo especial, com um artista plástico e um poeta fazendo intervenções e projeções de colagens no palco ao lado dos músicos.
Phillip Long conversou com O Grito! sobre sua carreira e seu novo álbum e ainda fez um faixa a faixa exclusivo, comentando cada uma das faixas de A Blue Waltz. Confira a seguir:
Poderia comentar sobre a concepção do álbum? Dessa vez você foi buscar influências em bandas inglesas do anos 80, mais especificamente os Smiths – inclusive os títulos longos das músicas lembram os de Morrissey. Pode falar um pouco sobre isso?
Eu estava namorando bandas inglesas dos anos 80 há um certo tempo e eu comecei a perceber que as minhas impressões da vida, as minhas letras, a intenção que eu sempre quis dar a minha música, enfim, elas se relacionavam com aquela estética e eu fui naturalmente me atraindo por isso. E começou a refletir, como foi quando eu resolvi ouvir Bob Dylan novamente com 16 anos, era aquilo que eu queria fazer. Foi tão forte como aquele momento em minha vida, é um impulso, um despertar, de repente você se pega pensando: é isso. Foi assim com Smiths agora. Minha música sempre foi carregada de referências, eu sempre acreditei nisso como uma força para evocar um ritual. Eu quero fazer música que signifique algo, que incite procura, detalhes a serem desvendados, que a partir delas você enxergue todo um universo, esse movimento que me atingiu. Eu enxergo isso como uma força tremenda, então eu vou carregando minha música de referências e pistas de um movimento todo.
Você trabalhou com o produtor Eduardo Kusdra em todos os seus álbuns anteriores, mas em A Blue Waltz ele ficou de fora. Foi alguma incompatibilidade profissional ou somente uma decisão estética?
Nós fizemos muita coisa juntos e foi muito bonito. Eu sou grato pelas coisas que fizemos, chegou o momento de trabalharmos em outras frentes, ciclo natural.
Como foi a experiência de coproduzir o álbum?
Foi a experiência mais incrível que já me aconteceu, pela primeira vez eu pude comandar cada aspecto de minha música, pude dar voz aos climas que sempre desejei, pude me colocar por completo em minha música. Isso foi transformador, profundamente transformador. Foi um renascimento e é nesse espaço que estarei trabalhando daqui para frente. Mergulhar profundo em direção ao respeito por cada canção minha, o espírito delas, sabe? Como elas devem ser e como devem soar. Mais coração e mais sentimento, mais ritual e proximidade com aqueles que acolhem meu trabalho. E sinto que agora, quando ouvirem uma canção minha, as pessoas estarão me encontrando inteiro ali, minha respiração e minha fragilidade, nu como quando cheguei. E é isso que eu sempre quis com minha música, que as pessoas se reconhecessem nela, como alguém que é exatamente como eles, sabe? Com o coração partido, com o sangue circulando, com medo e esperança. Alguém que vive e é atingido por isso, exatamente como qualquer outro ser humano. Que eles não se sentissem mais tão sozinhos nessa experiência.
Sua carreira é recente, mas bastante prolífica. Nestes três anos, o que mudou para você como artista do primeiro disco até aqui? E como percebe as oportunidades de manter uma carreira no cenário independente brasileiro?
Ah, eu sou um cara mais calejado hoje, eu conheço melhor minha linguagem, meus limites e meus desejos. Acho que essa é a grande mudança, eu sei como respeitar minhas canções, como entrega-las. Esse lance de saber respirar, compreender o espírito de uma canção e facilitar o caminho pra ela e nunca correr no sentido contrário. Eu aprendi isso produzindo como um louco, dedicando uma grande parte da minha vida em encontrar canções, dormir com elas. Outra coisa que descobri foi que quanto mais sentimento você colocar em seu trabalho mais difícil se torna o caminho, é extremamente pesado se manter de música nisso que se convencionou chamar de cena independente brasileira, a gente segue dando murro em ponta de faca, mas a gente segue. O músico se compromete por completo, as casas de show nem tanto, a gente continua arcando com a maioria dos gastos e assumimos os riscos entre o sucesso e fracasso de um evento, por exemplo. Músico tem costas largas, costas boas de bater.
Pode falar um pouco sobre o que é e como atua o Coletivo Pau de Arara?
O coletivo é uma parceria entre amigos que produzem arte aqui em Araras. São músicos, poetas, artistas plásticos, fotógrafos e loucos. A gente resolveu se unir para darmos mais força as nossas vozes, para levarmos nossas criações para outros lugares. A cidade de Araras tem uma geração muito forte de criadores em mãos e por vezes negligencia isso, então a gente resolveu fazer as coisas com nossas mãos.
Você tem pelo menos duas versões muito elogiadas de músicas de outros artistas, “Sentimental” e “Como Nossos Pais”. Como é pra você reimaginar a obra de outra pessoa?
Eu sempre tive a sorte de ser chamado para interpretar canções que significam muito para mim, canções com as quais eu já me relacionava. Foi assim com “Sentimental” e “Como Nossos Pais”, foi muito forte trabalhar nelas, foi incrível. É claro que eu tive meus medos, porque a última coisa que você quer quando interpreta canções tão significativas como essas, é ferir o coração da música. Então, eu sempre procuro respeitar isso, principalmente a linha vocal, que é o que fica profundamente gravado nas pessoas, a partir disso eu tento abrir uma nova carga emocional, que é como essa canção reside em mim. Nos dois casos eu tive muita sorte, são canções fantásticas.
O que A Blue Waltz representa para você?
Renascimento, um encontro com a verdade profunda em minha música. É um disco que diz muito sobre morrer para se transformar, para se perceber, para fazer as coisas de uma maneira mais profunda, e por consequência mais direta. Sonoramente ele é um disco cru e direto, sem muitos rodeios, só o que é necessário. É um ritual sobre a morte como uma força transformadora, o azul do que é espiritual. Sigo abordando um tema recorrente em minha vida e na de muita gente, o amor. E a morte nesse contexto não significa sempre um fim mas um movimento de transformação. E foi isso que me aconteceu, e é isso que o disco reflete. Uma profunda transformação em cada aspecto da minha vida.
Site oficial: http://www.philliplong.com.br/
A Blue Waltz, faixa a faixa:
01. Tidal Wave
É o dia depois do estrago, quando a gente faz a contagem do que sobrou, das coisas que a gente fez, se há algo na gente que permanece inteiro. Você procura nos destroços um pouco de identidade. Foi uma das primeiras canções que escrevi para esse disco.
02. A Kind of Blue
Sobre coisas que a gente nunca vai conseguir ser, nós tentamos nos colocar no lugar, na perspectiva, e é isso, a gente busca melhorar. Eu nunca serei uma mulher, muito embora quisesse. Eu nunca saberei como é sentir o fluxo, eu nunca saberei o que é verter sangue, nem saberei completamente como é ser oprimido em todas as instâncias possíveis. Eu sou um filho do patriarcado, sou hétero e sou homem, portanto como posso saber o que é ser uma mulher? Eu nunca serei uma mulher, eu sou um homem que ama uma mulher e naquele momento havia perdido a coisa mais bonita que já me aconteceu na vida.
03. If The Band Leaders are Dead
É um diálogo interno. Tudo está morrendo, os líderes de banda estão mortos, logo não teremos muito mais para cultuar, no entanto ela permanece viva em mim. E nós somos como coelhos correndo por cenouras.
04. What Lovers Should Do
Sobre desespero, o que se faz quando a gente perde o chão? Até os amantes podem parecer cruéis.
05. Love is a Ritual
Uma canção que quebra o ritmo pesado do disco. Caminhei tempo suficiente nesse mundo para reconhecer quando se encontra alguém por quem vale a pena se arriscar.
06. Noble Soul
Primeira canção que escrevi para o disco. É uma canção sobre reconhecer a grandeza outro mesmo quando isso te machuca.
07. Naturally Sad
Somos mais tristes do que pensamos.
08. I Hope You Have a Better Life
Quando você tenta de todas as formas deixar alguém partir para que essa pessoa tenha uma vida melhor. Uma procura por humanidade.
09. Why So Romantic With Death
3/4. É uma valsa, a tônica desse disco todo. A gente simplesmente não consegue matar algumas coisas, nós as enterramos vivas.
10. Could Ground (Take Her Away)
Pessoas podem ser extremamente cruéis umas com as outras, no trabalho, nos bares, nas esquinas e nos jardins de infância. Os animais nunca.