Por Renata Arruda
Com o fim da Hidrocor em 2013, Marcelo Perdido decidiu que queria assumir o preço de suas decisões sozinho. Para gravar as 14 composições do seu primeiro álbum solo, lançado em março, resolveu convidar um grupo de instrumentistas amigos como reforço em diversas faixas e ainda a cantora Laura Lavieri – segundo ele “uma das vozes mais encantadoras de nossa geração” -, para dividir os vocais na delicada “Sacolé”, que Marcelo diz ter composto já imaginando-a na voz de Laura. Contando com a produção de Felipe Parra e João Erbertta, Lenhador está envolto em uma atmosfera delicada e de fácil assimilação.
Para O Grito!, Marcelo Perdido concordou em falar um pouco sobre o álbum e comentar cada uma de suas faixas, inaugurando uma série que promete trazer ainda o trabalho de outros artistas. Confira:
Poderia comentar um pouco sobre a concepção de Lenhador e a decisão de se lançar solo?
Lenhador diferente da significado literal da palavra não era sobre derrubar árvores, destruir ou desmatar. É um disco sobre entender que o que fazemos com nossas vidas, às vezes é prejudicial não só para nós mesmos mas para os outros, mas de certa forma está socialmente aceito. Então é quase o contrário, é sobre se reinventar, replantar, construir. É um disco um pouco magoado com a própria coisa de se fazer música, já que é uma necessidade que não posso conter, mas depois de feita, a música me traz tanto prazer quanto angústia, pois nunca sei o que será dela lá fora, onde eu não a puder proteger, defender. Tudo isso me fez fazer um disco de pé atrás, um pouco ressentido por ver alguns amigos talentosos não sendo reconhecidos o suficiente para explorar ao máximo seus talentos. Nisso escrevi minhas músicas – mesmo as mais alegres tão com um olho no peixe e o outro na missa. O fato de ser um disco solo também me deu liberdade para quebrar o formato clássico de banda em algumas músicas, coisa que imagino cada vez será mais presente no meu trabalho. E já que pude escolher quase tudo, busquei trabalhar com caras que entendessem a cara, envelhecida, um pouco bicuda que quis dar para o disco.
De uma forma muito resumida, eu não queria mais que outras pessoas “pagassem” pelas minhas escolhas ou eu pelas delas, e isso musicalmente falando. Preferi poder tomar todas as decisões de como seriam as minhas músicas e como vou tocá-las ao vivo, podendo variar de formação e me adequar a cada caso. Mas só tomei essa decisão pois tenho amigos queridos que sempre me dizem sim e me acompanham nessa história toda.
Como foi o processo de escolha do repertório?
Todas as músicas são sobre questionamentos, e a grande questão das histórias cantadas é “o que estou fazendo com minha vida?”, seja ideologicamente ou romanticamente. Aí as respostas às vezes dadas oscilavam entre otimismo e pessimismo. Queria que fosse um disco menos homogêneo, já que eu me acho um pouco mais plural do que um só gênero musical, então não vetei músicas que pareciam a princípio diferentes umas das outras, pois para mim elas continuam complementares no sentido que elas todas são questionamentos dos personagens que inventei, ou sou.
O que Lenhador representa para você?
É o meu primeiro. Representa me apresentar para as pessoas, é como se já tivesse uma festa rolando e eu chegasse falando o que eu penso, para identificar aqueles que forem da mesma onda. Algumas músicas sou eu ali de peito aberto, então obviamente torço para algumas pessoas gostarem daquilo que escutarem. Mas ao mesmo tempo que é o primeiro, é só o primeiro.
Site oficial: http://marceloperdido.com.br/
01. Lenhador
É a música que abre e leva o nome do disco, por resumir o questionamento de se o que nós fazemos nos define, se o fazemos por opção ou falta de.
02. Aritmética
Fala de lidar com as expectativas que a vida foi lhe pregando nas costas, mas de reassumir o rumo da sua vida, e tocar o foda-se para as coisas que não forem realmente importantes para você.
03. Paquetá
Podia chamar Pasárgada, é sobre achar um lugar só seu, mesmo que mental, para onde você possa fugir e se reestruturar. Paquetá para mim parece um lugar assim, meio defendido pelo tempo por ser uma ilha, claro que é a visão afetiva que tenho de uma visita que fiz à ilha na infância, essa Paquetá que só deve existir na minha cabeça.
04. Ê Pimenta
Eu gosto de compor com eu-lírico feminino, acho triste que ainda haja submissão das mulheres para o tão antigo machismo, mas ao mesmo tempo quando falamos de amor fica difícil julgar o que é submissão ou o que é paixão. Foi uma das músicas que pedi para o Erbetta colocar bateria junto com o Pete Curry, que é um baterista muito particular que vive em Los Angeles, ele soube respeitar os buracos e espaços da música.
05. Sacolé
Quando escrevi eu não conhecia a Laura pessoalmente, mas já escrevi para ela cantar, eu nunca tinha ouvido ela cantar uma letra que falasse de vida/morte de uma maneira doce e sexy, mas sabia que não seria a mesma música se eu cantasse. É uma música triste que disfarçamos de música bonita.
06. Meu Maravilho Amigo Meu
Sobre eu e meus amigos, que nunca realmente vejo, que sempre encontro online, que sempre marco uma breja. Então talvez seja também sobre você e seus amigos, aqueles que você sempre marca uma cerveja, mas nunca vê.
07. Creme Brulée
É uma história sobre ter dividir sua atenção e vida, quando se acha alguém. É do time das músicas otimistas do disco, é a com mais instrumentos também.
08. Merda
Escrevi pensando nas comédias românticas, que sempre acabam em cenas felizes, mas abertas a tudo dar errado 2 dias depois. A gente, às vezes, não sabe realmente o final desses amores que chegam rápidos e avassaladores.
09. Pendura
Outra música sobre fugir do que você está sentindo, reprimir um sentimento, às vezes classificá-lo como algo que não é só para não ter de encarrar. Talvez seja uma das minhas favoritas pois acho que o instrumental dela me dá vontade de dançar.
10. Balela
É uma música triste, sobre os dias que é difícil sair da cama, sobre esses dias se prolongarem por meses, anos. A depressão é algo velado hoje em dia, dentro de casa ela é muito mais presente do que mostra nossa timeline de facebook.
11. Vicent, William e José
É uma conversa de madrugada, com pessoas que não foram tão reconhecidas em vida, ou entendidas em vida. No fundo acho que muita gente se sente mal entendida, seja pela roupa que veste, pelo jeito que fala, pelo que escolheu fazer de sua vida. Vincent, William e José para mim foram dessas pessoas, e eu me incluo nessa estática.
12. Toda canção um dia cansa
A internet democratizou a musica, mas cobra um preço alto das canções, elas precisam ser muito boas para durar, ou vão cansar facilmente. Essa música é o contrário, quase a visão de uma canção que cansou das pessoas, pois para ela as pessoas é que estão efêmeras, não as músicas.