Estreia solo de Paulo Camões traz evolução no mix Rock-MPB
Por Renata Arruda
Paulo Camões é cantor e compositor com influências de música brasileira e rock que começou sua carreira com a banda de indie rock Os Lusíadas, no Rio de Janeiro. Foi em uma das apresentações da banda que Camões conheceu o produtor Bernardo Pauleira e a identificação imediata acabou resultando em Cupim, EP com que estreia sua carreira solo. Com seis faixas todas compostas pelo músico carioca, Cupim é a união da MPB feita no violão de nylon com o pop eletrônico – ideia de Camões que foi acatada por Pauleira com uma condição: “Eu não poderia fazer o violão “chacundum”, aquela levada sambalanço… Não tive outra opção. Ainda bem. Evoluiu muito, esteticamente”, conta ele.
Cupim foi apresentado ao público pela primeira vez no mês passado e os próximos passos de Camões incluem filmar o primeiro clipe do EP, para a música “Tá na Cara” e finalizar as gravações de mais um EP (“bem rock’n’roll”), dessa vez com sua banda Os Lúsiadas, que deve ser lançado em breve.
Descontraído, o músico destrinchou Cupim para O Grito! e ainda falou sobre a importância da união entre artistas iniciantes para fortalecer uma cena, acreditando que “uma boa forma de se destacar é não querer se destacar, mas querer fazer parte. Quero dizer, o artista iniciante ganha muito mais visibilidade quando passa a fazer parte de uma cena, quando tem a sua turma”. Com vocês, Camões:
Poderia comentar um pouco sobre como surgiu o projeto e a concepção do álbum?
Tudo começou quando o Bernardo Pauleira apresentou o Bikini Festival no Teatro Ipanema e assistiu o show da minha banda “Os Lusíadas”, que era uma das participantes. Ele gostou do som e nos chamou pra gravar no seu estúdio. Naquela época os meninos dos Lusíadas estavam um pouco enrolados com outros compromissos e eu com muito tempo disponível. Foi então que sugeri para o Pauleira de nós dois inventarmos uma moda. [Risos] Expliquei pra ele que sempre ouvia muito eletro pop, nu dance, indies, tudo repleto de synth e elementos eletrônicos, mas não era isso que eu tocava com um violão de nylon, claro. Daí dei a ideia de mesclarmos o violão de nylon com a batida da mpc e os sons do synth, e ele topou na hora. Mas tinha uma condição: eu não poderia fazer o violão “chacundum”, aquela levada sambalanço… Não tive outra opção. Ainda bem. Evoluiu muito esteticamente pela necessidade de buscar novas soluções para o violão de nylon. Acabou que minha obssessão pelo pop, pelo clean, pelo arrumadinho se equilibrou bem com a sensibilidade do Pauleira para dar organicidade à gravação com timbres mais ousados.
Em um cenário onde bandas e artistas estão se lançando o tempo todo na rede e com um público que demonstra certa resistência a conhecer o novo, como você pensa em se destacar para chegar até ele?
Tento não pensar sobre isso. Não tem uma reposta certa a não ser que você tenha muita grana pra investir. Com grana, você pode botar a música na rádio e tentar vencer pela insistência. Do contrário, o caminho é torcer pra que haja um encantamento espontâneo da galera pela sua arte.
De uma forma ou de outra, não vejo um cenário musical fértil como uma competição. Uma boa forma de se destacar, por exemplo, é não querer se destacar, mas querer fazer parte. Quero dizer, o artista iniciante ganha muito mais visibilidade quando passa a fazer parte de uma cena, quando tem a sua turma. Foi assim com a turma da Bossa Nova, foi assim com a galera da Tijuca (Erasmo, Roberto, Tim…), foi assim com os tropicalistas, foi assim com a galera do Rock 80. Hoje é assim com o Funk Ostentação e é assim com o Sertanejo Universitário.
Por aqui vejo eventos como o “Dobradinhas e outros tais” e o “Rio Música Contemporânea” que junta uma galera boa. É dessa galera que quero fazer parte. ;)
Depois do show de lançamento no Rio, quais os próximos passos de Camões?
Devo lançar o lyric video de “Bem Estar” semana que vem [A entrevista foi realizada antes do lançamento do vídeo, que pode ser visto acima]. Além disso, vamos começar a filmar o clipe de “Tá Na Cara”. Ah, e também estou gravando com Os Lusíadas um EP bem rock’n’roll que deve ser lançado em breve.
O que Cupim representa para você?
Na minha relação com a música, Cupim representa a insistência de ficar batendo com a cabeça na lâmpada pra alcançar o que quer. Uma insistência louca e masoquista que não se importa com o calor mortal.
Na poesia da música, Cupim representa o sofrimento intrínseco às relações amorosas. Apesar da beleza sedutora de um novo amor, em algum momento esse sempre pode se transformar num sofrimento profundo. É o que acontece entre o Cupim e a Luz.
Por fim, na estética da música que produzo, Cupim representa essa mistura do orgânico com o eletrônico, por ser esse inseto que se alimenta de madeira e não resiste à luz elétrica.
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Cupim, faixa a faixa
01. Bem Estar
Fala da agonia de envelhecer, de se sentir adulto Do incômodo daquele momento que você começa a tomar consciência de que tem que fazer escolhas. Do medo de acabar numa vida quadrada, junto da triste percepção de que as loucuras que fazia quando era mais garoto já não te satisfazem mais. Ou seja, não tem pra onde correr.
O bacana dessa faixa é que ela apareceu no meio do processo de gravação. O EP era pra ter só 5 faixas, mas, quando cheguei com essa pérola no estúdio, o Pauleira nem pestanejou e incluiu ela na gravina. Essa música já compus dentro do conceito do EP, já saiu pronta pra receber batidas eletrônicas. Talvez por isso ela chegou por último, mas acabou virando a música de abertura.
02. Tá na Cara
“Tá na Cara” é só amor[risos]. É sobre aquele início de relacionamento cheio de incertezas, mas que é delicioso. Daquela vontade de dizer “eu te amo” que fica entalada na garganta esperando uma reciprocidade.
Quando gravamos, quis acentuar essa vibe de romance. Por isso fizemos um violão com acordes soltos e deixamos ele soando quase como um teclado. Depois preenchemos com uma guitarra tocada pelo Rodrigo Grabowsky com um Ebow (ele dá esse efeito de “baleias” cantando ao fundo). Para dar o tom da pergunta final do eu-lírico, “E por que não fala que é minha mulher?”, pedimos para o Grabowsky fazer um solo de guitarra distorcida. Deu muito mais certo do que eu imaginava. É como se a guitarra fizesse uma declaração de amor final e dissesse: vem!
03. Cupim
Fiz essa música sem estar sentindo de fato o que eu canto nela. Compus a partir do que já tinha vivido em relacionamentos passados e de como eu via o vazio desses casais de instagram. É uma música que fala das relações supostamente amorosas da minha geração, ou melhor (prefiro ser um provinciano assumido), das relações que vejo aqui pela zona-sul carioca.
Ela é sobre essa necessidade desesperada de ter uma companhia, seja para aparecer bem na foto, seja para ter um frisson por alguns meses e depois partir para outra. No final, é tudo muito solitário.
Quanto ao som, queríamos que soasse com uma trilha sonora para o voo de um cupim alegre e inebriado que não sabe o que lhe espera. Pelo menos foi o que tentamos passar com o riff inicial de duas notas e também com a chamada e resposta entre o baixo synth e o violão. Essa foi uma das mais trabalhosas para gravar a voz… Queríamos que soasse irônica sem ser caricata.
04. Segredo
Essa foi uma das músicas que o arranjo veio mais naturalmente. Nela revelo aquela vontade de ir além num relacionamento superficial, de querer entender profundamente uma pessoa até conhecer o lado obscuro dela. Falo do desejo de ultrapassar a superfície polida para criar um envolvimento mais forte.
Um detalhe bacana dessa música é que parte da letra surgiu no estúdio mesmo, principalmente aquele jogo de palavras no final: “Quero ser seu/ Quero seu ser”. Isso veio quando eu já estava de pé em frente ao microfone.
Ah, e é inevitável comentar a guitarra do Grabowsky nessa música. Enquanto o eu-lírico argumenta mostrando porque a mulher deve se abrir para ele, a guitarra vai lá e simplesmente seduz. É como se a guitarra completasse o discurso e desse uma bossa final a cada verso. Sem falar na elegância do fraseado melódico do Grabowsky. Encantador.
05. Flanar
Essa é uma música nitidamente triste, introspectiva. Por isso optamos por deixar ela o mais orgânica possível. O baixo é o elétrico mesmo e ela tem poucos elementos. Só baixo, violão, a batida eletrônica constante e o synth com linhas melódicas ao fundo.
Deixamos o violão ruidoso propositalmente pra dar essa sensação de agonia, de falta de paz. Esse é uma música que acho que não devo comentar tanto, prefiro que as pessoas sintam livremente e deem seus próprios significados à poesia.
06. Que Nó
Essa canção reproduz aquela velha sabedoria que, às vezes, pra conquistar alguém, você precisa fingir não se importar. Acontece que isso é chato pra caramba, aí acabou rendendo música.
Pra criar o clima de alguém que está de saco cheio de fazer jogo, fizemos ela numa levada mais punk, sem medo de ser noisy. E para deixar ela ainda mais ácida, chamamos o Pedro Calloni pra tocar esse synth com timbre de órgão. Apertamos rec e o Pedro saiu rasgando ao longo da música.