Estômago 2: O Poderoso Chef
Marcos Jorge
BRA, 2024. 2h10, Comédia. Distribuição: Paris Filmes
Com João Miguel, Paulo Miklos e Nicola Siri
Revi Estômago (2007) há poucos dias, antes de assistir à continuação que chega aos cinemas do país nesta quinta-feira (29). O filme de 17 anos atrás carrega uma autenticidade invejável: protagonista carismático, montagem fora do convencional e uma direção divertida, com umas sacadas que fizeram do primeiro longa de ficção de Marcos Jorge, à época, um sucesso de público e crítica.
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Quase duas décadas depois, percebi que alguns elementos do filme não envelheceram tão bem. A objetificação da figura feminina, a constante comparação do corpo da mulher a um pedaço de carne (e como o roteiro dá relevância a essa simbologia) me incomodou profundamente. Mesmo se tratando de uma comédia, outro fator questionável é como a obra reforça estereótipos acerca dos nordestinos e das pessoas encarceradas. Talvez essas questões ajudem a explicar os vários problemas de Estômago 2 – O Poderoso Chef: pertinaz em repetir a fórmula do primeiro, a continuação nasce datada, repleta de piadas improfícuas e uma narrativa insossa, repetitiva.
Mais uma vez, acompanhamos Raimundo Nonato (João Miguel), agora o principal chefe de cozinha da prisão: seu talento culinário garante não só bom relacionamento com os detentos, mas também com o diretor do presídio (para quem ele é uma espécie de informante). Entra em cena, então, a figura de Don Caroglio (Nicola Siri): mafioso italiano, novo inquilino na penitenciária comandada por Etcétera (Paulo Miklos), que inicia uma disputa pelo controle do local. Além, claro, de requerer os serviços gastronômicos de Nonato apenas para si e seus capangas.
A homenagem aos filmes de máfia – explícita já no subtítulo – é interessante e bem útil ao transportar a narrativa para locações na Itália. Nicola Siri encarna seu personagem com muita competência, mas o roteiro toma decisões prejudiciais demais para a fluidez da obra. Resgatar a ideia de duas linhas narrativas simultâneas não tem o mesmo impacto dramático como aquele da obra de 2007. Se no primeiro filme o espectador naturalmente fica curioso para saber por que Nonato está na cadeia, em Estômago 2 – O Poderoso Chef o artifício soa inorgânico, forçado mesmo.
Novamente temos aqui a narração em off, agora compartilhada entre os dois personagens – Nonato e Dom Caroglio. A decisão do diretor Marcos Jorge em dividir o protagonismo entre as duas figuras me parece prejudicial; o filme é um permanente vai-e-volta nas histórias paralelas, jamais desenvolvendo as possibilidades de qualquer uma delas. Vejam: no início da trama, somos apresentados ao personagem de Don Caroglio como um ator de teatro com peça em fim de temporada. Ao longo da narrativa, o roteiro simplesmente negligencia tal informação e praticamente esquecemos a profissão, de fato, do personagem italiano.
O restante do elenco faz o possível para entreter, sem muita eficiência. João Miguel se esforça para retomar os maneirismos faciais de Raimundo Nonato, sem a originalidade do primeiro longa. O suposto humor do personagem se restringe a tiradas com palavrões e frases de efeito frouxas. Mas a vergonha alheia do filme, infelizmente, está na construção do Etcétera de Paulo Miklos. O caricatural personagem aparenta ter saído de uma novela dos anos 90, com todas as más referências que a comparação pode carregar. Nada convence na atuação de Miklos: nem a composição do seu figuro, menos ainda as falas carregadas de “gírias de bandido” (sim, os estereótipos estão aqui novamente).
À exceção da cena onde a câmera adentra uma cela através da pequena janelinha da porta, o esmero estético do filme é frágil demais. O que dizer do uso excessivo de imagens de drones nas transições entre as passagens na Itália para o presídio brasileiro? O diretor ainda cria sequências em slow motion mornas, isentas de peso narrativo-dramático. O filme acerta nas cenas onde a violência gráfica têm papel fundamental (a morte com uma tesoura, por exemplo). Com classificação indicativa para maiores de 18 anos, a obra de Marcos Jorge poderia, quem sabe, ter enveredado para o caminho de um slasher brasileiro, mas nem isso se propõe a fazer.
Com as personagens femininas principais uma vez mais sexualizadas (a personagem de Guenia Lemos, secretária do diretor da prisão, é um desserviço), Estômago 2 é uma tentativa obsoleta de recriar o dinamismo do filme antecedente. Sem tensão, sem graça e sem clímax, a aguardada continuação se resume a lampejos pontuais interessantes, cuja soma final é uma obra marcada pelo marasmo de um enredo sem identidade própria.
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