Entrevista Pablo Mayer e Diogo César

Foto: Divulgação

ESTRÉIA E ASSOMBRO
No primeiro álbum por uma editora, quadrinhistas catarinenses ganham distribuição nacional em álbum sobre uma casa mal-assombrada
Por Paulo Floro

A pauta mais atual na discussão sobre quadrinhos no Brasil fala sobre distribuição do trabalho de novos autores. A internet é a plataforma mais eficaz na divulgação e interação dos quadrinhistas (quase todos hoje possuem blog ou site). Uma nova perspectiva – positiva, diga-se – começa a se desenhar e a dupla Pablo Mayer e Diogo César, autores de A Casa Ao Lado são os mais representativos exemplos. Eles acabam de lançar o primeiro álbum por uma editora, a HQM, o que mostra que o interesse por novos desenhistas e roteiristas de quadrinhos cresce além da net.

Para conhecer o trabalho dos dois – além do processo de criação e opinião sobre diversos assuntos – pode encontrá-los em seus blogs pessoais, o melhor cartão de visitas que um quadrinhista pode ter hoje. Pablo batiza o seu espaço com o nome da tira que possui no jornal A Notícia, de Joinville, Brabos Comics. Diogo César está no blog homônimo. Assim como a geração anterior, que iniciava seus trabalhos xerocando fanzines, a dupla também teve um início semelhante com Muco, hq que teve vida curta e minúscula tiragem. Sem essas limitações, o alcance do trabalho da dupla só faz crescer, tanto com a internet como com o álbum lançado este mês pela HQM Editora.

A Casa Ao Lado, publicado com apoio do governo de Joinville, conta a história de Jorge, um homem separado e desempregado que, repentinamente, se vê numa trama de mistério após seu filho desaparecer em uma casa mal-assombrada ao lado da sua. O Grito! conversou com a dupla criadora do livro sobre HQ independentes no Brasil, comparações com Mike Mignola e a velha dificuldade de viver de quadrinhos.

Vocês tiveram apoio público para terminar o álbum. Acreditam que quadrinhos no Brasil precisam mais desse incentivo ou as editoras também precisam acordar para publicar mais autores nacionais?
Pablo: Todo incentivo é importante. O quadrinhista precisa se esforçar para mostrar o seu trabalho e procurar meios para fazê-lo. As editoras estão acordando, basta ver a quantidade de material nacional que elas andam publicando. Falamos muito na injustiça do mercado, que valoriza demais os autores estrangeiros, mas esquecemos que as editoras são empresas e precisam de lucros. Cabe a nós, quadrinistas brasileiros, melhorar a qualidade no nosso material.

Diogo: A cultura em geral precisa de todo o apoio que puder conseguir. a iniciativa do governo de Joinville é louvável e tem ajudando em muito o desenvolvimento de todo o tipo de arte na cidade, com isso, tem se melhorado muito a qualidade do que é produzido também.

Pablo, seu desenho lembra um pouco o estilo do Mike Mignola. Talvez seja até uma percepção muito particular minha e eu esteja equivocado. Mas, quais foram os suas principais influências desde quando começou a desenhar?
Pablo: A semelhança vem do contraste e do minimalismo do desenho. Acho que termina por aí. Minhas influências vem de tudo que vejo em quadrinhos e pinturas (muita coisa). Sento na prancheta e desenho do meu jeito. E o que sai é isso que vocês podem ver na A Casa ao Lado.

Qual o primeiro contato que vocês tiveram com os quadrinhos?
Pablo: Meu pai é cartunista. Sempre tive milhares de quadrinhos em casa. Lia muito Fradim (Henfil), Rango (Edgar Vasques), Mineirinho (Ziraldo), Laerte e assim vai… Depois peguei gosto por quadrinhos de heróis. Uma breve fase. Hoje não gosto.

Diogo: Aprendi a ler com quadrinhos. Histórias dos gibis da Disney em geral. Em seguida comecei a acompanhar o Homem-Aranha e a coisa fluiu daí. Estava sempre desenhando também, criando meus heróis, fazendo continuação de histórias de seriados de tv

Li sobre o fanzine Muco de vocês. Senti uma retomada de bons fanzines (qualidade gráfica e de conteúdo) recentemente. Ainda planejam continuar editando?
Diogo: Muco foi nossa primeira tentativa, junto com nosso comparsa Paulo Gerloff (Banda Grossa). Teve três edições, todas com seu “evento de lançamento”, que era sempre o único lugar onde se podia adquiri-lo, pois cada edição teve no máximo 30 exemplares. Havia em cada edição uma mensagem incentivando o leitor a fazer cópias e distribuir por aí também, mas nunca tive notícia de ninguém que o tenha feito.

Pablo: O Muco é nossa “menina dos olhos”. Sempre prezamos a qualidade gráfica. A linha é humor, que gostamos muito de fazer. O plano é continuar editando sim, mas antes, faremos um encadernado com as duas melhores histórias de cada um e uma nova.

Como surgiu a idéia do álbum? Digo, do conceito mesmo, tanto do ponto de vista do roteiro quanto do texto.
Pablo: Cheguei para o Diogo e disse: “Vamos fazer um álbum em quadrinhos. Pensei em fazer sobre uma casa abandonada e um cara. Pode fazer esse roteiro?” E assim foi…

Diogo: É como o Pablo disse. Surgiu o convite da parte dele para que eu escrevesse, mas tinha que ser sobre uma casa misteriosa e um homem. Nunca havia escrito nenhuma história de mistério, mas fazia sentido que começássemos sabendo qual era o final dela, antes de contar o começo. Uma vez com a solução do mistério em mãos, foi questão de preencher as lacunas, criar e desenvolver os personagens, situações… Pra mim, foi realmente um processo de aprender fazendo.

Você, Pablo, publica tiras no jornal A Notícia e faz diversas ilustrações para outras publicações. Consegue já viver do próprio trabalho de ilustrador/quadrinhista? Isto é uma dos grandes debates hoje no, cada vez mais crescente mercado de HQs no Brasil. O que cada um faz?
Pablo: Sim. Vivo disso desde os 18 anos. Comecei cedo trabalhando em jornal. Mas, para sobreviver, tenho de fazer as duas coisas: Ilustração e tirinha (as vezes até charge).

Diogo: Eu sou ilustrador, tenho meu próprio estúdio e procuro pagar as contas em dia atendendo agências de publicidade e editoras. Se fosse viver de escrever e fazer quadrinhos, provavelmente seria mendigo.

Vocês acompanham os novos autores da sua cidade? Acreditam que exista alguma dificuldade de interação entre os diversos artistas independentes do país?
Pablo: Os artistas independentes nunca estiveram tão unidos. A internet tá aí pra isso.

Diogo: Falar em dificuldade de interação hoje em dia, é sacanagem. Existe tudo quanto é recurso para que você mantenha contato com outros artistas, acompanhe o trabalho e troque idéias, e tem muito artista por aí interessadíssimo nesse tipo de contato. Estamos sempre abertos a conhecer novos artistas, experientes ou iniciantes, e em nossas viagens de lançamento do álbum, fomos recebidos com grande interesse por muitos artistas locais. Foi fascinante.

Existe alguma HQ brasileira que dialogue com a obra de vocês, alguma que os influenciou?
Pablo: Acho que não. Na real, fizemos nossa história sem pensar em outras. Queriamos contá-la do nosso jeito.

Diogo: Realmente, quisemos contar uma história do nosso jeito. As referências fluem naturalmente como uma coisa inconsciente mesmo. Tentamos fazer tudo de uma maneira muito honesta, verdadeira.

E como surgiu o contato com a editora HQM?
Diogo: No início do ano, na iminência de ter 2000 exemplares do álbum encalhados em casa por falta de distribuição, surgiu a idéia meio que tardia de ir atrás de uma editora. Tentamos algumas, até que nosso amigo e mestre, o José Aguiar, nos indicou a HQM, com quem havia acabado de lançar seu álbum, o Quadrinhofilia.

Pablo: Entramos em contato com o Carlos, nosso editor, mandamos o PDF e perguntamos “e aí, interessa?” Pra nossa sorte, a resposta foi positiva e nosso álbum saiu da melhor maneira possível graças a isso.

Quais as expectativas com o lançamento do álbum para vocês?
Pablo: Vender bem e ganhar muito dinheiro, claro! (risos). A expectativa é de que as pessoas gostem e quem sabe, trazer o leitor que não costuma a ler quadrinhos para o nosso lado. Acho que é isso.

Diogo: Acredito que demos um passo muito importante: nossa cara está à tapa. Agora é esperar que venham as impressões de cada leitor sobre nossa história. Depois que fizemos os lançamentos, começaram a surgir os comentários de quem leu, e até agora estão todos muito contentes com nosso trabalho. Isso é muito legal, principalmente para inciantes como nós.

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