Ela já teve tudo com você: dois filhos, conta conjunta, suruba, planta, cigarro, banda, stress, frango… Letícia Novaes canta isso em “Ninguém Perguntou Por Você”, uma das faixas de Letrux em Noite de Climão (2017), seu disco solo, no qual celebra a sexualidade feminina e a fossa amorosa. Letrux atualmente é um dos nomes mais badalados da cena cult nacional.
Essa não é a primeira vez de Letícia Novaes: ela fez parte do duo Letuce, ao lado de Lucas Vasconcellos. Unindo referências pessoais, literárias e ritmos da música eletrônica e referência à música dos anos 80, seus shows reiteram o quanto o corpo é potente quando utilizado na arte como discurso de empoderamento.
No palco, essa capricorniana esbanja brilhos, roupa vermelha, sintetizadores e cabelos ao vento e muita fossa, enquanto a multidão acompanha, com seus olhos fervorosos de força e sonoridade a cada apresentação. O disco solo traz 11 faixas e o universo da escritora, atriz, compositora e cantora carioca de 36 anos. Cinco músicas já ganharam clipe: “Coisa Banho de Mar”, “Noite Estranha, Geral Sentiu”, “Que estrago”, “Flerte revival” e “Além dos Cavalos”.
“Puro Disfarce” é uma parceria com a cantora Marina Lima. Fruto dessa irmandade, nasceu também outra canção: “Mãe Gentil”, agora integrando o novo álbum de Marina, Novas Famílias, que ganhou clipe recentemente. Uma pegada Pussy Riot, com direito a homenagem à vereadora Marielle Franco.
Nesta entrevista para O Grito!, com a cativante simpatia, Letícia fala de diversos temas que deságuam num lugar só, o seu lugar, a música. A cantora se apresenta pela terceira vez em 2018 no Recife, na MecaBrennand, no próximo sábado (22). Será a primeira edição do evento na cidade. O evento conta ainda com Duda Beat, Mundo Livre, Afrocidade e Windy City Classics na programação.
Vamos falar um pouco da sua história. Por que você começou a cantar? De onde surgiu a necessidade de criar músicas que falassem sobre a realidade a sua volta?
Comecei a cantar criança, mas sempre de maneira intuitiva e astral, fui estudar teatro com 19 anos, e dentro do teatro, aprendi a tocar violão e todas as poesias que eu escrevia na agenda, comecei a musicar, foi um processo muito catártico, as músicas são terríveis hahahaha, mas tenho carinho por essa fase onde fazia 20 músicas por semana, sabe? Minha família é musical, apesar de ninguém trabalhar com isso, meu pai sempre fez questão de ter instrumentos em casa, e ouvíamos muita música sempre. Amo escrever desde que fui alfabetizada, então quando a música pintou me pareceu natural musicar meus escritos, meus poemas, meus delírios.
Estou acompanhando política como qualquer brasileira de bom senso: jamais votarei num candidato fascista, que prega violência e que não respeita todos os seres humanos.
Você é neta de pernambucanos. Qual sua origem?
Meu avô, pai do meu pai, era de Floresta, onde tinha (tem?) a guerra de família Novaes e Ferraz, risos. Ele veio pro Rio fugir dessa loucura toda, conheceu minha avó, que é carioca mesmo, e meu pai nasceu aqui. Tenho lembranças bonitas desse avô, sempre gostei do sotaque, das expressões escolhidas pra falar qualquer coisa, era um vocabulário tão novo pra mim. Fui algumas vezes, e sempre passo dias lindos em Pernambuco. Minha família materna é do Espírito Santo.
No palco, você encarna uma persona que transborda suas fossas, mas não deixa de rir de si própria? Quem é a personagem Letrux?
É exatamente essa pessoa, que sabe circular entre a fossa e o gozo, entre o riso e o choro, e eu sou um pouco assim. Não embarco muito nas minhas deprês porque logo já começo a rir de alguma coisa e também não sou palhaça 24 horas por dia, pois logo algo já me causa reflexão profunda, enfim, fico lá e cá, sempre.
Você acha que o papel dos artistas é de resistência, mas também despertar esperança?
Sem dúvida, ainda mais nos tempos que correm. Devemos resistir e passar alguma luz, algum despertar, algum ponto de fé, para o público. Claro que não é apenas esse meu papel, também há momentos do show que rola um buraco, uma sombra, um embrionamento, mas logo dança-se, logo você percebe que do chão a gente não passa.
O que e quem te inspira?
Sou bastante inspirável, gosto muito de viajar e contemplar, natureza me chapa bastante, fico uma animalzinha quando viajo pra lugares selvagens assim. Minha mãe é professora e sempre me incentivou muito a ler, a ver filmes que não só os comerciais, então tive muita sorte de conhecer Clarice Lispector, Drummond, Truffaut, Etore Scola, quando eu era nova e tudo isso moldou muito minha cabeça, fiquei ainda mais atenta à minha sensibilidade e percebi que ali haveria caminho, que isso não me deixaria frágil, e sim, forte, muito forte.
Como você está acompanhando a campanha para as eleições de 2018? Como encara a conjuntura política brasileira atual?
Estou acompanhando como qualquer brasileira de bom senso: jamais votarei num candidato fascista, que prega violência e que não respeita todos os seres humanos. É vergonhoso esse cidadão existir e ser candidato, prova que a educação no país precisa passar por uma reformulação gigantesca, é preciso ter memória, é preciso lembrar dos erros e das guerras passadas para não repetirmos.
Vivemos um momento positivo para as mulheres na luta por seus direitos? Como se vê nesse cenário? O seu disco “Letrux Em Noite De Climão” tem a ver com este momento?
De cinco anos pra cá, o movimento feminista me trouxe muitas alegrias, muitos questionamentos, muitas dúvidas, muitas suspensões, muitas broncas, muitos carinhos, eu fico muito feliz de cada vez mais conhecer mulheres em atividade que antes não via, não vou conseguir votar em tantas mulheres quanto gostaria ainda nessa eleição, mas sem dúvida meu pensamento tem sido esse, de dar mais atenção às mulheres, chamar mulheres, convocá-las, enfim. O disco me acompanhou nesses anos, então todo esse despertar feminista, que eu já era, mas foi só se firmando, está presente sim nele, sem dúvida.
Para alguns fãs, trata-se de um “disco bissexual”. O que acha dessa definição?
Acho maravilhosa. De acordo com a escala Kinsey, diferentemente do senso comum, os seres humanos não se classificam quanto à sexualidade em apenas duas categorias (homo e heterossexual), mas apresentam diferentes graus de interesse sexual pelos variados gêneros. Acho que é por aí mesmo.
Esse trabalho tem pouco mais de um ano. Como tem sido a repercussão?
Ótima, estamos viajando muito, fazendo shows e sendo sempre recebidos com muito calor e sangue no olho, e coração na mão, cada show é uma loucura.
O festival e plataforma cultural Meca, que acontece em diversas cidades do País, anunciou pela primeira vez uma edição no Recife, a MecaBrennand e conta com um show seu. O que o público pode esperar? O que aguarda os pernambucanos no próximo dia 22 de setembro?
Acho que estamos cada vez mais entrosados, a banda é muito talentosa, brincamos com alguns arranjos, fazemos gracinhas, a música é viva e ela vai ganhando formas, cores, enfim, foi lindo tocar no Meca Inhotim e vai ser mais ainda tocar em Recife, vamos nessa.
A Marina Lima e você estão juntas no clipe de Mãe Gentil.
Marina é minha madrinha na música, sempre foi muito solícita e presente, desde 2009, quando pedi pra gravar Acontecimentos, no primeiro disco do Letuce. De lá pra cá, estreitamos laços e ela participou do meu disco com “Puro Disfarce”, e eu e ela escrevemos e gravamos “Mãe Gentil”, o clipe foi feito no show maravilhoso que ela fez no Circo Voador esse ano, inesquecível.