Um dos expoentes da música eletrônica brasileira hoje, IDLIBRA, – projeto da artista olindense Libra Lima – tem cruzado cada vez mais fronteiras com o seu som, literal e metaforicamente. Desde os últimos meses de 2023 e durante todo esse início de 2024, Libra tem marcado presença em espaços importantes do circuito da música eletrônica no Brasil e colaborado com outros DJs e produtores que, assim como ela, são destaque no panorama nacional.
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Além das parcerias nas faixas, a DJ e produtora também têm dividido espaço na mesa controladora. Os b2b’s – abreviação do termo Back To Back – de Libra com outros DJs tem impressionado as pistas do Recife. Uma escolha sempre ousada, a capacidade de aproximar sua arte com a de outras pessoas nunca deixa de surpreender.
Neste período marcado pelo contato de Libra com outros nomes, ela também tem tido contato com outros palcos e públicos. Libra passou por vários selos de eletrônica no resto do país, um feito marcante principalmente quando consideramos que ela mantém seu nome circulando no eixo RJ-SP enquanto mantém-se baseada no Recife.
Nesta conversa, Libra reflete sobre todos esses aspectos. Confira a entrevista na íntegra:
Sobre seus lançamentos mais recentes: “Trem Bala” e “Neotrópicos”. De onde surgiram as propostas para esses trabalhos? E como foi o processo de produzir junto aos outros artistas?
“Trem Bala”, inicialmente, foi uma coisa bem natural de nós três enquanto amigos. Conheço a Clementaum há um tempo, desde que ela veio tocar em Recife a gente super trocava [ideias] e Rkills é um cara que eu não tinha conhecido pessoalmente, mas a gente sempre trocou muito sobre coisas de produção e sobre essa vontade, também, de fazer algo juntos. A gente se reuniu bem despretensiosamente para fazer algo, eles já tinham começado a fazer a música, eu cheguei junto e em uma noite a gente fechou a música. Um tempo depois a Clementaum recebeu o convite para participar do Humildes do Soundcloud e pensou em utilizar a faixa exatamente para essa produção, e aí gente finalizou a track, à distância, e lançou.
Para mim foi super interessante trabalhar com duas pessoas juntas. Essa foi a primeira vez que produzi uma música com outras duas pessoas e para mim foi super interessante trabalhar com eles, já que a gente têm diferenças. De alguma maneira [somos] parecidos, mas também temos processos de produção muito diferentes, que acho que se chocaram e tudo se juntou, foi super interessante.
O Neotrópicos era um projeto que eu já tinha em mente no ano passado, onde eu queria fazer um mini-EP de verão, com essa proposta mais groove, mais tropical. Fiz ele durante alguns processos que tive ano passado. Passei um mês no Rio de Janeiro e produzi “Cabeça de Gelo” lá, meio que nessa vibe de querer uma coisa que tivesse essa energia de verão, mas com os timbres que eu gosto, com a energia que eu tinha apresentado inicialmente no Muganga (2023). Logo depois disso, quando encontrei com Badsista pessoalmente, a gente já queria fazer algo juntos e foi super especial porque Badsista é uma das minhas primeiras referências, musicalmente falando. Desde 2017 que acompanho a carreira dele, e sempre foi uma referência pra mim. E aí produzir em conjunto também foi super interessante, uma das minhas músicas favoritas que lancei até hoje.
A música com GW foi a última música que produzi. Eu queria fazer a música com um apelo comercial um pouco melhor, um afrobeat, com referências mais progressivas e usei os vocais dele, inicialmente, e mandei a música para ele já “pronta”, digamos assim. E aí acabou que a produção curtiu e liberou o feat, e aí fiquei super feliz porque acho que GW é uma voz muito marcante do funk brasileiro, presente em vários ritmos diferentes do funk e poder ter feito uma colaboração com ele foi super interessante.
Em Muganga você inicia essa exploração do funk como inspiração para a eletrônica, mas ainda tinha os flertes com brega-funk. Agora, em Neotrópicos, você parece focar apenas no funk. Esse foi um direcionamento pensando?
Eu tenho interesse no funk brasileiro. Eu estudo essas texturas que estão presentes em todas as musicalidades de funk que são expressadas pelo Brasil, e o brega-funk é uma delas. No Muganga, na primeira faixa, especificamente, é muito presente porque eu sabia que ia ser meu primeiro trabalho e que seria muito importante, também, eu focar em um ritmo que fosse presente do meu local de origem, mas é importante dizer que eu vejo o funk brasileiro como um ritmo e um gênero musical que tem muitos membros e muitas possibilidades, visto que ele também se expressa de maneira diferente em cada estado e região do Brasil. Eu acho que essa miscigenação é o que me interessa, muito mais do que focar em um ritmo que está presente no meu Estado, mas também de escavar esse funk e começar a utilizar essas texturas que existem pelo Brasil nas minhas músicas.
Falando na sua projeção como DJ, desde o ano passado que você tem ido tocar em diversos festivais/ festas. Rock The Mountain (RJ), Mamba Negra (SP), Universo Paralello (BA) e agora a Tijolo Records (SP). Como tem sido, para você, esse momento?
É muito interessante, muito realizador, ver isso acontecer, porque eu sempre senti uma grande dificuldade de produções do Sudeste do Brasil em importar os artistas do Nordeste, principalmente DJs. Acho que sempre houve uma dificuldade dessas produções em olhar para a gente e, principalmente, bancar essas logísticas, que a gente sabe que são caras, mas que nem se aproximam das logísticas internacionais que essas festas pagam, sabe?
Então acho que sempre foi muito sobre interesse e sobre visão de curadorias. É muito significativo pra mim ver que sou uma das poucas DJs do nordeste que tem conseguido criar esse fluxo e ao mesmo tempo me faz refletir, também, quantos desistiram de continuar aqui por essa imensa dificuldade das produções verem as cenas que existem nas margens do país. Demorou, demais até, mas acho que chegou o momento de também termos a possibilidade de colocar isso como condição. A gente é daqui, a gente vai continuar aqui e vocês têm sim a possibilidade de nos trazer, então porque não?
Parte dos locais que te convidam para tocar, e os artistas das suas últimas colaborações estão no Sudeste. Na sua perspectiva, o fato de você ser uma artista de alcance nacional que escolheu ficar no Nordeste tem alguma interferência nessas possibilidades profissionais?
Sem dúvidas. Eu tenho pensado muito sobre isso. Eu acho que continuar na minha cidade é um processo de insistência, porque é onde eu me encontro, é onde minhas referências se estabeleceram, é onde minhas amigas e meus amores moram; então existe toda uma relação, para mim, de encontro comigo mesma, estar eu onde eu estou, o lugar de onde eu vim.
Mas eu sinto que isso implica, também, em possibilidades de trabalho, principalmente quando falo em rotina de trabalho, porque, como falei anteriormente, essas logísticas custam e acredito que é importante perceber que existem sim a possibilidade de ser trazida para esses lugares, mas que estar no Sudeste promove outras possibilidades de ir aos locais que estão mais próximos como Brasília, Minas Gerais, os estados do Sul do Brasil.
Então eu percebo que existe uma limitação no fato de eu permanecer em Recife, mas, sinceramente, continuo acreditando na força que isso pode ter no trabalho, estou falando criativamente, no fato de eu permanecer nesse lugar, consumindo as referências e produzindo nesse Estado. Mas também, falando sobre ser uma artista que permanece no Nordeste, como isso, para o mercado, em alguma instância, é também interessante. Eu tenho percebido que tenho me tornado uma artista “fresh”, por não estar no foco, onde todo mundo está buscando esses trabalhos. Então, eu quero permanecer em Recife, não sei por quanto tempo vou conseguir, mas é, realmente, onde eu me encontro.
Alguns dos seus últimos sets, pelo menos aqui em Recife, tem tido muita participação de outras pessoas. Geni, Brunoso, Pedro Afonso e Badsista são os que me vem à mente agora. O que te atrai nesse formato?
O formato B2B para mim é muito interessante, eu adoro me apresentar dessa maneira. Me atrai muito a possibilidade do inesperado. Eu conheço esses artistas de perto porque muitos deles são meus amigos, mas, acima de tudo, são pessoas que eu escuto e estudo há muito tempo, então, eu conheço o trabalho dessas pessoas, mas a gente nunca sabe qual música vai vir, é uma surpresa também na hora e é quase como uma batalha, sabe?
Sabe batalhas de MC? Para mim, b2b é quase como batalha de DJs. Eu vou botar a minha melhor [faixa] e você vai botar a sua melhor e a gente vai estar aqui batalhando e a pista vai estar com a gente nisso, sabe? Para mim é um formato incrível e tem sido muito bom, ultimamente, ter tido a oportunidade de tocar com pessoas que são, não só meus amores, como minhas referências.
E para o futuro, com quem você tem vontade de colaborar? Seja na produção ou em um B2B.
Quero muito fazer um b2b mais longo com Pedro Afonso (Pedroafonsu), acho que a gente tem um groove super parecido e acho que daria um match muito gostoso. Quero muito fazer um b2b com a KENYA20HZ; um b3b com eu, Geni e Dandara (Dandarona), acho que seria incrível; com a Jacquelone, uma DJ do Rio de Janeiro que eu tenho me interessado e que trabalha com BPMs de mais velocidade que também super me encontro. Enfim, muita gente, inclusive propostas inesperadas seriam ainda mais incríveis, pessoas que não conheço muito, acho que seria ainda mais instigante para mim, estar naquela descoberta ali ao vivo. Acho que é o que cria esse calor, de fazer um b2b para uma pista.
Ouça Neotrópicos, de IDLIBRA:
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