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Um papo com Hermeto Pascoal, que lança novo disco: “Vejo o mundo e transformo em som”

Um dos maiores nomes da música brasileira, Hermeto lança disco em homenagem à mulher, que morreu de câncer em 2000 e com quem viveu por 46 anos

Fotos por João Atala

Capaz de transformar meros barulhos em obras clássicas, o multiinstrumentista Hermeto Pascoal representa a vitalidade e a diversidade da música brasileira. Um dos mais inventivos artistas de sua época, este alagoano é uma figura significativa na história da música mundial, reconhecido principalmente por suas habilidades em orquestração e improvisação, além de ser produtor musical e colaborador de diversos álbuns nacionais e internacionais.

O artista lançou seu mais recente Pra Você, Ilza, álbum de inéditas que chegou em maio passado às plataformas digitais. Hermeto homenageou a esposa, falecida em 2000, nas 13 faixas do novo trabalho. Uma versão em vinil também está disponível no site da gravadora Rocinante. O trabalho é marcado pela experimentação que consagrou o “bruxo”, como Hermeto é conhecido.

O multiartista frequentemente faz música com objetos não convencionais, como bules, brinquedos infantis e animais, bem como teclados, acordeão de botões, melódica, saxofone, violão, flauta, voz, vários metais e instrumentos folclóricos. Talvez por ter crescido no campo, usa a natureza como base para suas composições, como em sua “Música da Lagoa”, em que os músicos fazem borbulhas de água e tocam flautas imersos em uma lagoa. “Vejo o mundo e transformo em som. Eu pego essas histórias do ar, do vento, do cotidiano e as transformo em música”, detalha. 

Hermeto Pascoal nasceu em 1936 em um dos vários povoados de Lagoa da Canoa, chamado Olho D’Água. Aos 14 anos de idade, ele veio para o Recife, onde conheceu Sivuca. Depois foi tocar no Rio de Janeiro e em São Paulo. Entre os vários grupos que formou, está o Quarteto Novo, que compôs com Airto Moreira, Heraldo do Monte e Theo de Barros

Entre o final dos anos 1960 e início dos anos 1970, Hermeto Pascoal foi para os Estados Unidos, onde tocou com Miles Davis. Deslumbrou o público no Festival Internacional de Jazz realizado em 1978, em São Paulo, e no ano seguinte se apresentou ao lado de Elis Regina no Festival de Jazz de Montreux, na Suíça.

No mais recente trabalho, assinando como “Hermeto Pascoal & Grupo”, o multi-instrumentista é acompanhado pelos músicos que fizeram sua turnê recente ao Japão, incluindo o filho Fábio Pascoal, percussionista e produtor musical. O Grupo ainda tem Ajurinã Zwarg (bateria e percussão), André Marques (piano acústico e teclados), Itiberê Zwarg (baixo elétrico e tuba) e Jota P (saxofones soprano, alto e tenor, flauta e flautim).

Hermeto segue inspirando novas gerações da música no Brasil. “Ver as novas gerações pegando minhas músicas, estudando, regravando, dando suas próprias interpretações é maravilhoso”, celebra.

Confira o bate-papo exclusivo à Revista O Grito!: 

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Como foi pensada a sonoridade de “Pra você, Ilza”, seu mais novo álbum de inéditas, dedicado à memória de sua esposa Ilza da Silva?

Essas músicas eu escolhi com muito carinho. Uma delas é do aniversário da Ilza, 17 de janeiro, e as outras escolhi porque tinha que ter uma ligação entre elas. Temos mais choros, tem outros frevos, mas sim, esse livro todo merece ser gravado. Não sei como, não sei quando, não sei onde, mas as coisas devem acontecer assim. Tem que ser gravado. Meu grupo ou qualquer músico do mundo tem que poder gravar. O importante é a energia e a conexão que cada música traz.

A música instrumental está ganhando espaço no Brasil? Você sente que o seu público está rejuvenescendo?

Sempre onde eu toquei teve muito público, o povo sabe o que é música boa. Agora, tem que dar boa condição para se apresentar, som bom, instrumento bom. Do público, hoje eu vejo bebê, adulto, jovem, todo mundo nos meus shows, é um público lindo. 

A sua música tem um estilo de contação de história. Mesmo quando não tem letra, às vezes, só de ler o nome da música você já consegue imaginar uma historinha na sua cabeça! Como você pesca esses causos assim, para preencher as histórias das suas canções?

Cada título de música é uma imagem, uma lembrança. Vejo o mundo e transformo em som. Eu pego essas histórias do ar, do vento, do cotidiano e as transformo em música.

Todo mundo se espanta e fica encantado com a sua inventividade, a sua capacidade de achar música em todos os lugares. Parece que é só aí que a gente nota que a música realmente está à nossa volta o tempo todo. Como é possível desenvolver essa sensibilidade de encontrar beleza à nossa volta?

A música está em todo lugar. É preciso estar atento, com os ouvidos abertos para o mundo. Cada som, cada barulho do cotidiano tem sua beleza, sua musicalidade. Para desenvolver essa sensibilidade, é preciso viver a música, sentir cada detalhe do mundo ao nosso redor. Escutar o canto dos pássaros, o som dos carros, até o silêncio tem sua música.

Agora, Hermeto, a sua música é muito de encontro, né? Muita coisa foi gestada trocando ali com os seus amigos, o Itiberê, o Carlos Malta, aqueles ensaios com a turma toda. Você ainda abre a sua casa pra receber os músicos e o que esses encontros te ensinam?

Minha casa sempre esteve aberta para os amigos músicos. O Itiberê, o Carlos Malta, todos esses grandes amigos trazem suas experiências, suas energias, e juntos criamos algo único. Esses encontros me ensinam muito sobre a vida, sobre a música, sobre a conexão entre as pessoas. Hoje em dia não tem ensaio como tinha antes no Jabour, o Grupo quebra tudo, conhece o repertório e quando apresento algo novo eles botam pra quebrar.

A música está em todo lugar. É preciso estar atento, com os ouvidos abertos para o mundo. Cada som, cada barulho do cotidiano tem sua beleza, sua musicalidade. Para desenvolver essa sensibilidade, é preciso viver a música, sentir cada detalhe do mundo ao nosso redor.

Há cerca de 15 anos você liberou suas músicas, as partituras para serem estudadas, regravadas. Como tem sido pra você ver as novas gerações estudando seu trabalho, regravando e dando a sua própria leitura?

Ver as novas gerações pegando minhas músicas, estudando, regravando, dando suas próprias interpretações é maravilhoso. A música precisa ser tocada. Cada músico traz sua visão, sua energia, e isso mantém a música sempre nova.

Falando da música no Brasil, o seu tipo de música é ainda restrito porque alguns segmentos da sociedade ainda o elitizam. Colocam em salas de concerto, por exemplo. Como a gente pode mostrar para o público que a música instrumental também pode ser popular? Porque você faz música para o povo, né?

Pra mim é sempre a música universal, às vezes é instrumental, mas às vezes eu canto um pouquinho também hahaha. Mas eu acho que se você oferece, as pessoas querem, tem que organizar, festival, teatro, que dá pra ter sempre casa cheia.

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Hermeto Pascoal durante as gravações do novo disco. (Divulgação)

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