Entrevista: Hector Lima, editor da Inkshot

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Uma das HQs da coletânea feita por Daniel Werneck e João Lavieri (Divulgação)
Uma das HQs da coletânea feita por Daniel Werneck e João Lavieri (Divulgação)

Inkshot apresenta para leitores gringos o melhor da produção de quadrinhos BR

Por Paulo Floro

A coletânea Inkshot chega em setembro na plataforma de quadrinhos digitais ComiXology. O projeto ousado reúne 44 histórias feita por roteiristas e ilustradores brasileiros, muitos deles fazendo sua estreia nos EUA e outros países.

A coletânea foi editada por Hector Lima, roteirista autor de Sabor Brasilis e será publicada pela editora norte-americana MonkeyBrain. A presença de quadrinistas brasileiros no exterior – mais precisamente nos EUA – sempre foi um desafio a ser vencido. Nos últimos anos, nomes como Fábio Moon, Gabriel Bá, Rafael Grampá e Rafael Albuquerque conseguiram feitos que os colocaram como autores de destaque no mainstream. Mas ainda há muito a ser conhecido. E é isso que Hector e a Inkshot querem mostrar. Entre os nomes que participam estão Danilo Beyruth, José Aguiar, Gabriel Góes, Estevão Ribeiro, Pablo Casado, Estevão Ribeiro, DW Ribatski, entre outros.

As histórias não contaram com um tema fixo. “Só pedi que cada um deixasse as ideias correrem soltas. Deu trabalho – e me doeu no coração ter que rejeitar algumas histórias, mas era pro bem maior de ter um livro de qualidade consistente”, explica o editor. Conversamos com Hector Lima sobre o trabalho de edição da Inkshot, a atual produção brasileira e o mercado nacional de quadrinhos. “Falta todo mundo se organizar mais e parar de ter medo”.

Inkshot estará disponível exclusivamente via comiXology por US$8,99 em 18 de setembro, mas já está em pré-venda.

A coletânea estava prevista para sair pela IDW (chegou a entrar em pré-venda), mas agora vai sair pela Monkeybrain. O que aconteceu nesse período?
Na ocasião a editora IDW decidiu em cima da hora que seria um investimento arriscado derrubar árvores por causa de 50 quadrinistas brasileiros desconhecidos (para eles). Então cancelou, mesmo já havendo página de pré-venda na Amazon e tudo. De lá até o começo deste ano pesquisei os melhores lugares pra apresentar a Inkshot e a editora digital MonkeyBrain foi a melhor opção. Além de dar uma exposição ótima para as obras os publishers Chris Roberson e Allison Baker respeitam muito a criatividade, variedade e direitos dos autores.

Como surgiu a ideia de lançar uma coletânea de quadrinistas brasileiros em inglês?
Fazia um tempo eu queria fazer algo do tipo, mostrar pro mercado estadunidense um recorte do que é produzido aqui, do que nossos autores podem fazer. Apesar de termos ótimos desenhistas na Marvel e DC e de Gabriel Bá e Fabio já estarem despontando como autores das próprias histórias, acho que faltava mostrar o bom momento que estamos vivendo. Então em 2008 mandei pro roteirista Pablo Casado um email intitulado “Ideia Maluca Sem Noção” (porque eu sabia que ia dar trabalho) e ele me incentivou a embarcar nessa empreitada, na qual me ajudaram os desenhistas Felipe Cunha e o George Schall. E esse quarteto comemorou o fim do projeto fazendo a Sabor Brasilis. [N.doE.: Leia a entrevista sobre esta HQ aqui]

Quem pretende ver nos gibis um meio de vida, tem que pensar em publicar nos EUA e no Brasil. E na Europa, se possível

O mercado americano de quadrinhos ainda é algo muito importante para um autor de quadrinhos, digo, como uma meta ou algo do tipo?
Não para todos… falando por mim pessoalmente, é sim. Estamos em uma curva ascendente no Brasil, mas ainda não temos um mercado de publicações de gibi autossustentável como nos EUA. Lá é possível de certa forma um autor viver só das próprias histórias, sem fazer trabalhos por encomenda de que não goste. Aqui já é bem mais difícil. Deve dar pra contar nos dedos de uma mão quem vive só de se publicar aqui – e pra funcionar tem que ter tino editorial, olho pros negócios, tem estande em todos os eventos, pensar em licenciamentos e tudo mais. Quase todos os desenhistas brasileiros hoje são ilustradores editoriais ou publicitários e quase todos os roteiristas são redatores de agência (como eu). É só ver a quantidade e tamanho das convenções pela terra do Tio Sam. Então eu penso que se alguém pretende ver nos Gibis um meio de vida tem que pensar sim em publicar em ambos os países. E Europa também, se possível.

A coletânea tem 40 histórias de vários artistas. Como editor você teve algum parâmetro para fazer a seleção?
Sim, alguma. Não ofereci nenhum tema pré-definido, só pedi que cada um deixasse as ideias correrem soltas. Uma direção editorial que eu tive foi tentar parear roteiristas com desenhistas. Temos uma tradição forte de ilustradores-roteiristas mas só agora aos poucos vemos se destacando roteiristas que não desenham, e isso precisa se fortalecer cada vez mais. Eu pegava roteiros e pensava quem seria mais indicado para ilustrar. Deu trabalho – e me doeu no coração ter que rejeitar algumas histórias, mas era pro bem maior de ter um livro de qualidade consistente.

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O leitor gringo que comprar a coletânea pela ComiXology vai encontrar o que? É possível encontrar características comuns entre todos os artistas, uma “personalidade” da produção daqui?
A Inkshot tem 44 histórias variando entre 3 e 5 páginas e abrangendo um leque imenso de gêneros e estilos. Tem suspense, drama, terror, comédia, romance, ação – histórias sobre temas do dia a dia e outras sobre os confins do universo. Quero crer que não tenho muitos preconceitos de gênero, nenhum pra mim é “menor”. Então como a proposta era mostrar um panorama bem geral do que é feito aqui hoje eu fiz questão de que a coletânea fosse uma salada criativa mesmo.

Curiosamente várias das histórias tratam de criação e criatividade. O o leitor estrangeiro vai ter mais contato com novas obras de alguns caras que já são peso-pesado aqui, como Danilo Beyruth, Eduardo Medeiros, José Aguiar, Sam Hart, Milton Sobreiro e muitos outros. A Inkshot é uma ponte entre as nossas realidades, brasileira e mundial (porque através da comiXology gente do mundo todo terá acesso, não só dos EUA); brinco dizendo que é quase uma balsa de latinos, invadindo os países pela internet, hehe, e eu como o cara que conduz a balsa.

A capa da Inkshot.
A capa da Inkshot.

Alguma editora brasileira se interessou pela Inkshot? Teremos a obra por aqui, o que você pode adiantar?
Teve uma editora de uma área bem específica que se interessou, graças ao contato feito por um dos ilustradores que fez frila pra eles. A coletânea seria sua estreia nos gibis, mas algo bizarro aconteceu, e não foi culpa da editora. Demorou tanto tempo pra Inkshot acontecer de fato que alguns dos autores simplesmente sumiram e não respondem mais os emails. Então não tenho todas as histórias em português. Na pior das hipóteses contato nossa tradutora pra fazer a versão nacional, mas por hora a coletânea está cumprindo seu papel original: apresentar autores brasileiros para o mundo. De quebra pro Mauricio de Sousa também, já que alguns autores dos livros de 50 anos dele saíram de um pré-boneco que o Sidney Gusman viu no FIQ de 2009.

O mercado nacional de quadrinhos vive um bom momento na sua opinião, Hector?
Está. Vivemos um momento fantástico de muita variedade e criatividade, mas pode melhorar muito mais. A existência de editais como o ProaC ajuda, bem como o Programa Nacional Biblioteca da Escola (pelo qual o governo compra obras). Mas falta todo mundo se organizar mais e parar de ter medo: os autores de terem medo de produzir mais e de criar histórias com apelo comercial para as editoras venderem; as editoras pararem de ter medo de investir em autores nacionais, seja em livraria ou banca, e se esforçarem para divulgar mais; as livrarias e bancas pararem de ter medo de Gibi e não o jogar na seção infantil. E finalmente os leitores pararem de ter medo de ir atrás de novidades que não sejam de super-heróis gringos, dos quais eles já reclamam tanto mesmo.

Você acha que é possível repetir no Brasil a experiência de uma editora de quadrinhos digitais tão elogiada como a MonkeyBrain?
É possível sim. A comiXology é uma plataforma incrível, praticamente o iTunes dos gibis, e aceita cadastro de novas editoras. A própria MonkeyBrain tem material em português, como as edições de Red Light Properties; é a série do Dan Goldman, autor que facilitou nosso contato com o Chris Roberson. Melhorando cada vez mais nossa produção, e aceitando críticas construtivas, vamos poder não só colocar mas também fincar o pé em outros mercados – mostrando pro mundo todo que não somos só uma promessa. E quero crer que a Inkshot é mais um passo na realização dessa promessa.

Veja mais previews. Neste Tumblr tem mais imagens.

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Lancheira Canibal, de Danilo Beyruth.
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Nascidos no Mesmo Dia, de Marcelo Braga.