PENSE NUM FILME JOIADO
Falado em cearês com legendas em português e desafiando lógicas de mercado, Cine Hollyúde é o fenômeno do ano
Por Paulo Floro
Halder Gomes é um cineasta obstinado. Lutador de jiu-jitsu apaixonado por cinema, ele defendeu o projeto do filme Cine Hollyúde apesar de todos os sinais contrários de que aquilo não daria muito certo. Falado em cearês e legendado em português, com distribuição setorizada começando no Nordeste, fora do eixo Rio-SP, o longa desafia convenções do cinema brasileiro.
Para completar, faz comédia com referências pop e sem o humor insípido a que fomos acostumados. O resultado dessa mistura improvável deu certo. O filme fez uma das maiores bilheterias nacionais este ano, mesmo contado apenas com nove cópias (Minha Mãe É Uma Peça teve 406 cópias). No primeiro final de semana de estreia, no Ceará, a arrecadação bateu R$ 270 mil. Em sua terra natal, a produção fez barulho, com filas em muitos cinemas.
Em seguida, o filme estreou no Recife e foi sendo distribuído para outras cidades. Neste final de semana estreia em São Paulo, onde deve alavancar ainda mais o número de espectadores. Como se diz em cearês, pense num negócio joiado da mulesta. O longa conta a história de uma família e seu desafio de manter um cinema em uma pequena cidade do interior no momento da chegada das televisões.
Veja a entrevista que fizemos com Halder.
Cine Holliúdy vem sendo chamado de “fenômeno do cinema brasileiro”, com um público expressivo em Fortaleza e boa recepção no Norte/Nordeste. Esperava essa repercussão?
No Ceará esperava sim um bom público. O sucesso do curta O Artista Contra o Caba do Mal – filme que inspirou o longa- havia formado um plateia local, e até mesmo em outros Estados. Mas o que a gente não espera é ver o filme ser a maior bilheteria cearense em todos os tempos, batendo Titanic, Avatar, Vingadores, etc. Tanto em números totais, como em média por cópia (no momento, 270 mil espectadores e média de 27 mil por cópia).
Cine Holliúdy levanta um debate hoje sobre o fim das salas de cinema em pequenas cidades. Muitas foram vítimas da especulação imobiliária ou da concorrência com multiplex. Você tinha isso em mente quando vez o filme?
Sim, queria que o filme ao seu final levantasse a reflexão da falta de cinemas no interior. Por quê privar estas populações deste entretenimento/cultura? E o filme provocou movimentos interessantes. Tenho recebido abaixo-assinados de pessoas do interior reivindicando cinema em suas cidades, assim como prefeitos me perguntando como fazer para abrir um cinema. E a cidade de Arcoverde, interior de Pernambuco, reabriu seu cinema – um dos mais antigos do país, de 1917 – e o Cine Holliúdy foi o filme de abertura.
Você enfrentou muitas críticas por colocar legendas no filme por causa do “cearês”?
Na verdade, não. Pelo contrário, virou uma ótima ferramenta de promoção. A Downtown Filmes propôs legendar o filme inteiro, ao invés de trechos apenas, e usar esta particularidade pra despertar uma curiosidade no espectador.
O que achou da estratégia de fazer o lançamento do filme por regiões, começando por Fortaleza, depois Recife, etc? É um modelo interessante para filmes indies como o seu?
Funcionou muito bem! Foi uma estratégia ousada, na contramão de tudo que o mercado propõe. O Ceará jamais seria pensado como uma plataforma de lançamento. Isso quebrou um paradigma e mostrou que o Brasil, pode, sim, ter um cinema regional com plateia em massa que encoraje uma produção voltada para este mercado, a princípio.
Sendo um filme com uma identidade tão forte do Ceará, o que achou da repercussão do filme em São Paulo, Brasília e até em Bangkok, onde o filme foi exibido?
O filme, além do seu teor regional, fala de sentimentos universais: família, superação, sonhos. E por onde passa, tem agradado a todas as classes sociais e faixas etárias. No Ceará, é comum ver três gerações juntas nos cinemas. Nos festivais pelo Brasil e mundo afora não foi diferente. As pessoas riem, se divertem e se emocionam.
O Ceará jamais seria pensado como uma plataforma de lançamento. Isso quebrou um paradigma
Sua produção é bem extensa nos últimos dez anos. Com a experiência que tem, qual o maior desafio hoje para fazer filmes no mercado nacional?
O maior desafio sempre esbarra na captação. Existe muito dinheiro incentivado no mercado, mas a função do produtor no Brasil é escassa, e na maioria das vezes cabe ao realizador empreender e buscar estes recursos.
Quais suas maiores influências como diretor? O que você gosta de assistir?
Não tenho influências específicas, mas um grande caldeirão de reverências que gosto de referenciar nos meus filmes, que vão da pintura barroca a Bruce Lee. Meu gosto é muito eclético e não tenho preconceito contra nenhum estilo, estética, narrativa, gênero, etc. De Blockbuster hollywoodiano ao cinema francês, assisto tudo.
Depois de Cine Holliúdy, você já tem planos para novas produções?
Sim, já estou desenvolvendo junto com a Downtown Filmes mais dois projetos. Um deles, O Shaolin do Sertão (comédia/ação), deverá ser rodado em 2014, ou 1º semestre de 2015. O outro, ainda está em fase de argumento.
O cinema de Pernambuco vive um bom momento há alguns anos e agora longas do Ceará também estão chamando atenção. Qual o maior desafio hoje em produzir em Fortaleza (e aqui no Nordeste, em geral)?
A resposta pode parecer redundante, mas sempre é a falta de recursos. No Ceará, especificamente, os recursos disponíveis suficientes para bancar um filme, ficam restritos a poucas grandes empresas, que por sua vez, tem suas próprias fundações e investem estes recursos nas mesmas. Do ponto de vista técnico e artístico, temos talento e estrutura pra produzir com alta qualidade.