Entrevista: Guizado

Guizado (Foto: Myspace/ Divulgação)

A IMAGEM DO SOM
Por Gabriel Gurman

Uma trilha sonora para o caos urbano. É isso que propõe Guilherme Mendonça, jovem trompetista que, sob a alcunha de Guizado, ao lado de Regis Damasceno (guitarra), Rian Batista (baixo) e Curumim (bateria), acaba de lançar o disco Punx. Paulistano de alma e de gírias, Guizado incorpora elementos antes observados em Miles Davis e outros grandes mestres do trompete e os mistura com sintetizadores, overdubs e programações. O resultado é uma música instrumental não palpável a qualquer ouvinte mas que, pelo mesmo motivo, nos instiga a prestar uma atenção redobrada para não deixar passar qualquer detalhe. Confira abaixo a entrevista que a Revista O Grito realizou com o músico:

Vamos começar do começo: Quando você decidiu que ia tocar um instrumento e por que o trompete?
Logo de cara, meu interesse começou pela bateria, lá pelos treza anos. Cheguei a tentar formar uma banda com o meu primo e uns amigos, e a coisa até que foi em frente, mas nada muito sério. O problema foi que a bateria começou a causar muitas confusões com vizinhos, eles chegaram até a chamar a polícia. Com tudo isso, fui parando aos poucos, mas tinha que dar um jeito para prosseguir meu caminho na música. Passei então para guitarra e o violão durante um tempo, até que duas coisas me fizeram ir para o trompete: primeiro, um trompete veio parar na minhas mãos, através do avô de um amigo que, por sua vez, tocava saxofone. Eu havia ficado sócio de um sebo de discos que permitia alugá-los e levar pra casa, então ficávamos eu e esse meu amigo tocando em cima dos discos que a gente conseguia e ali foi aonde eu senti que mais estava evoluindo. Passava as tardes inteiras tocando em cima desses álbuns e me identifiquei com a idéia de ter uma voz mais abstrata, de poder criar melodias dentro de uma banda e não precisar da letra, seguir outros caminhos.

Mas até então sua pegada era mais roqueira?
Era sim. Um dos primeiros discos que eu tive foi o Electric Ladyland, do Jimmy Hendrix, lá pelos quatorze anos. Hoje em dia, eu consigo perceber como essa época foi fundamental para traçar a forma como eu crio minha música.

Falando sobre isso, quais foram suas maiores influências, tanto em sua formação musical no trompete como para o Punx?
guizadoNo trompete, a maior influencia foi, de início, o blues. Foi com ele que aprendi as formas e estruturas da música, os primeiros acordes etc. Depois, conheci os trompetistas que vinham do blues, como Louis Armstrong e Roy Eldridge. Foi só então que veio o Miles Davis, que foi quem abriu infinitos caminhos com suas inovações. Além disso, há também os músicos do avant-garde como Ornette Coleman, Don Cherry, Art Essemble of Chicago, entre outros, que abriram minha cabeça para o free jazz. Já no Punx, as influências vieram de diversos lugares. Foi um momento em que passei a ouvir poucos trompetistas e me ligar mais na produção dos discos que eu ouvia. Coisas como Kraftwerk, TV On The Radio, Prefuse 73, a fase mais antiga do Pink Floyd, mas também Miles Davis, Jimmy Hendrix e o free jazz.

Poucos instrumentos são tão ligados a um tipo de som como o trompete com o jazz. Mesmo com discos como On The Corner, de Miles Davis, por exemplo, que me parece como um percurssor desta miscigenação que há em Punx. Você enxerga algum tipo de preconceito nessa mistura de influências e gêneros que você propõe em seu álbum?
De modo algum. Pode gerar, de início, uma certa estranheza. Mas acho que essa estranheza é, na verdade, um ponto a favor, ou melhor, uma coisa negativa que no final das contas se torna positiva, pois também gera interesse e acaba se tornando instigante ao invés de estranho.

Até por isso, você concorda que Punx não é um disco imediato, fácil? Você não tem medo de lidar com isso em uma época onde a música é um “produto” cada vez mais efêmero e substituível, onde as pessoas fazem downloads e, se não gostam na primeira vez que ouvem, acabam deixando de lado?
É, eu penso nessas coisas sim. Mas, por enquanto, ficam mais no campo das reflexões e das especulações. Na hora de compor eu acabo não me preocupando muito com isso. Além disso, creio que existe algo mais sólido na comunicação desse disco com o ouvinte, é um processo mais lento porém mais verdadeiro e que fica por mais tempo.

Como é seu processo de composição? Elas surgem através das sensações, de improvisos, ou são extremamente desenvolvidas e trabalhadas, nota por nota?
Começa em casa, onde eu tenho um pequeno estúdio. Ali eu programo a parte rítmica, adiciono samplers e gravo os sintetizadores. Com isso, eu direciono a levada da música, algumas melodias e grande parte da harmonia. A partir daí, nos ensaios acontece a lapidação final, quando a banda se junto comigo e escutamos como tudo soa junto. A partir disso, a gente vai encaixando as coisas, fazendo alterações e criando novas partes também.

Guizado (Foto: Myspace/ Divulgação)

Uma pergunta que sempre me instiga: da onde surgem os nomes para canções instrumentais?
Surgem de diferentes formas. “Maya”, por exemplo, é uma música forte e meio agressiva que vem de encontro a sensação urbana do caos (maya no sentido budista significa “o mundo das ilusões”), toda essa babilônia urbana. “Rinkisha” é um nome fictício que eu inventei e foi feita na mesma época que “Maya”, mas me lembra algo de sentido muito forte. Em geral, as músicas desse disco, por serem muito imagéticas, me levam a imaginar palavras que às vezes fogem de seu significado e vão para um lugar mais próximo a sensações.

Você já tentou transformar essas imagens e sensações em letras de música?
Sim, eu tenho pensado nisso e fico feliz em saber que existe essa porta aberta. Ainda quero inserir voz no meu trabalho e já estou planejando pesquisar coisas nesse sentido.

Queria que você comentasse sobre as influências além-música. Me parece que a própria cidade de São Paulo é uma grande influência no seu som…
É verdade.Viver nessa cidade é algo que me impulsiona. O dia a dia, os relacionamentos que acontecem e que nos levam para diferentes lugares da mente, essa trama de pessoas tendo como pano de fundo uma cidade imensa… Essa combinação gera uma certa intensidade que parece estar em todo lugar, e isso sempre me pareceu algo muito inspirador desde pequeno.

Já que estamos falando de São Paulo, de uns tempos para cá, vem sendo construída uma cena cooperativa que inclui diversos músicos como você, Curumin, Anelis Assumpção, M. Takara, entre muitos outros. Você divide a opinião de que hoje em dia faz muito mais sentido a idéia de “coletivo” do que de uma banda fixa?
Eu acredito que existe hoje em dia muita gente produzindo, muita coisa sendo feita e, com o auxílio da tecnologia, o conceito de registrar e gravar idéias se desenvolveu e barateou bastante. Mas, se você olhar de mais de perto, vai ver que as bandas estão todas aí. Existem afinidades e amizades que ligam muita gente envolvida. O fato é que, hoje em dia, a idéia de se ter uma banda e aquilo ser tudo na sua vida não existe mais. Todo mundo tem que abraçar vários projetos para poder seguir em frente na música, por isso, ás vezes, um substitui o outro em algumas situações. Mas o Guizado, por exemplo, é uma banda “formada”. A gente construiu algumas coisas em grupo que foram fundamentais.

Você comentou sobre o barateamento nos custos de gravação e produção. O seu disco foi lançado em SMD, versão que é vendida por um preço baixo e fixo, mas que ainda possui alguns problemas de aceitação. Na sua opinião, o CD ainda é válido como produto comercial ou se tornou um mero cartão de visitas? E como você avalia a importância da internet na sua música?
Eu acredito no produto físico do CD, acho legal poder distribuir o disco em uma escala mais abrangente. Creio que o mercado mudou para um setor mais independente e as coisas tendem a crescer. Porém, o que eu tenho aprendido é a direcionar o meu foco é na construção de um público, de ter acesso a o maior número de pessoas possível, de maneira objetiva. Com um CD de custo mais baixo, isso tem sido comprovadamente eficaz, assim como a internet. Mas acho que o que impulsionara o mercado vai ser a formação de publico para a música através não só dos discos, mas da internet, shows, festivais etc. Existe muita gente atrás de coisas novas e interessantes.

Mas, para uma banda de rock independente conseguir construir uma carreira de sucesso, já é difícil. Um trompetista jovem que lança um disco instrumental e que ainda abusa de sintetizadores e programações tem que ralar muito mais ou já existe esse público formado para seu tipo de som?
Pois é, tem que ralar! A coisa é lenta e há a necessidade de se produzir muito, pois para essa fogueira pegar tem que ter muita lenha. Existe um público que está se formando e, aos poucos, ele tem mostrado a sua cara.

Guizado (Foto: Myspace/ Divulgação)

Para finalizar, quais são suas expectativas para o show no festival Coquetel Molotov, agora em setembro?
Os shows têm sido cada vez melhores. Estão surgindo muitos momentos únicos de interação entre a banda e eu fico feliz de estarmos indo para Recife nesse momento em que essas coisas estão acontecendo de fato. Além disso, tenho algumas músicas novas que possivelmente tocaremos por lá. Gostaria de dizer também que tocaremos semana que vem em São Paulo, na Livraria da Esquina, no dia 22/08.

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