Eloyr Pacheco (Foto: Divulgação)
OLHAR DE DENTRO
Eloyr Pacheco é personagem importante para compreender a trajetória (aventura) que os quadrinhos nacionais tiveram até o que representam hoje
Por Matheus Moura
Começando com um breve currículo, Eloyr Pacheco é natural de Londrina, onde trabalhou em jornais (Paraná Norte, Folha de Londrina e Jornal de Londrina), rádio (Universidade FM) e TVs (Bandeirantes e Record); foi promotor de eventos culturais e, por oito anos, membro do Conselho Municipal de Cultura. Publicou diversos fanzines e revistas. Mudou-se para São Paulo em 1997, quando foi convidado para ser secretário de redação da revista Metal Pesado, da Metal Pesado Editora. Em fevereiro de 1999, iniciou as atividades da Brainstore (inativa). Deu aulas na área de Quadrinhos, entre outros, no Sesc (Londrina e São Paulo), Senac (Londrina), Biblioteca Pública do Estado do Paraná (Curitiba) e na Quanta (São Paulo). Atualmente é professor de Quadrinhos no Planeta Tela; foi colunista do SoBReCarGa e assina uma coluna no clipping eletrônico Colunas e Notas. Entre outras, HQs de sua autoria foram publicadas na revista Metal Pesado – em parceria com Danilo Faria e Adauto Silva -, no D.O. Leitura (SP) – com arte de Osney “Roko” -, e em parceria com Will, na Prismarte, na Bigorna Quadrinhos #0 e n’A Mosca no Copo de Vidro e outras histórias, esta última ainda contando com a arte de Caio Majado.
QUEM É ELOYR PACHECO?
Um cara que gosta de HQ e tem a felicidade de trabalhar com o que gosta.
E HOJE, ALÉM DO BIGORNA, VOCÊ TRABALHA COM O QUE QUANDO SE DIZ RESPEITO ÀS HQS?
Estou escrevendo aventuras do Escorpião de Prata (que hoje faz parte do mix da Tempestade Cerebral, do Alex Mir); coordeno cursos e oficinas de produção de Histórias em Quadrinhos no SESC Londrina; sou um dos idealizadores da AQL – Associação dos Quadrinhistas de Londrina; membro do coletivo Syndicate Ink que, no momento, produz o fanzine Deu Nisso?! e represento a área de Artes Gráficas no Conselho Municipal de Cultura de Londrina. E ainda ministro palestras sobre HQs em eventos como a Feira do Livro do SESC, o Londrix – Festival Literário e o Work Design.
BACANA!! ENTÃO VOCÊ PODE SER CONSIDERADO COMO UM DOS POUCOS BRASILEIROS PRIVILEGIADOS QUE CONSEGUEM “VIVER DE HQS”?
Sim, de um modo geral, eu “vivo de HQs”.
CONTE COMO FOI SUA HISTÓRIA ATÉ CHEGAR A ESSA “CONFORTÁVEL” SITUAÇÃO, POR EXEMPLO, SEI QUE FOI DONO E EDITOR CHEFE DA EDITORA BRAINSTORE, CERTO?
Resumidamente: Desde 1984 eu estou envolvido com Quadrinhos. Fiz fanzines, exposições, colaborei com jornais ilustrando matérias e publicando charges e cartuns. Em 1990, eu criei a primeira banca especializada em Quadrinhos aqui de Londrina, depois disso passei a colaborar ainda mais com rádio, jornal e televisão. Em 1997 realizei um grande evento que contou com as presenças do professor Álvaro de Moya e do editor Leão Azulay, que me convidaram para ir para São Paulo trabalhar na revista Metal Pesado. Um tempo depois passei a publicar, entre outros, títulos da DC, da Vertigo, e da Marvel. Dois anos depois veio a Brainstore (que está inativa desde maio de 2005) com publicações nacionais e + DC e Vertigo. Retornei para Londrina no final de 2007…
COMO EDITOR, QUAIS AS PRINCIPAIS DIFERENÇAS EM SE EDITAR TÍTULO MARVEL E DC E NACIONAIS, POIS A METAL PESADO PUBLICAVA MATERIAL NACIONAL APENAS, CERTO?
A grande diferença é a seguinte: Marvel e DC, por exemplo, você seleciona histórias já produzidas e no caso da Metal Pesado, eu selecionava roteiros que ainda seriam desenhados. Podia também, em muitos casos, escolher o desenhista que combinasse melhor com determinado roteiro.
No caso de material do exterior raramente você contata diretamente o artista e, sim, o licenciador. Essa é mais uma grande diferença, o contato com quadrinhistas ocorre rotineiramente na produção nacional.
VOCÊ, QUE HOJE “VIVE DE HQS”, ENCARA O MERCADO DE QUAL MANEIRA? ACREDITA QUE REALMENTE ELE SEJA ASSIM TÃO PERVERSO COMO É PINTADO POR OUTROS?
Eu, apesar de manter meu lado fã, procuro encarar o mercado profissionalmente. Sim, ele é “perverso”, como todos os outros segmentos de mercado. Mas, em muitos aspectos, por ser um mercado ainda em formação, gera muitas oportunidades para todos.
ONDE, ESPECIFICAMENTE, VOCÊ VÊ ESSAS OPORTUNIDADES? POIS UMA DAS GRANDES RECLAMAÇÕES DOS QUADRINHISTAS É NÃO TEREM RETORNO COM A ATIVIDADE…
Não vejo… (risos.) Observe as inúmeras atividades que exerço para “viver de HQs”. Embora nem todas sejam remuneradas, são muitas as atividades que o mercado demanda. Eu acho que temos de observar o que o mercado pede e trabalhar. Eu tenho publicado de forma independente, produzido para outras editoras, dado consultoria sobre Quadrinhos, criado mascotes… faço o que rola na área para me manter na área. Claro que tudo dentro dos meus limites profissionais, da minha experiência, daquilo que eu domino e sei fazer, mas trabalhando 15 a 18 horas por dia, sem lembrar de domingos e feriados. Agora, o camarada que só quer desenhar, esse tem de se esforçar para saber tudo sobre desenho e desenhar bem (aliás, muito bem!), encarar madrugadas para cumprir prazos e manter a qualidade. Acho que a grande questão está aí: investir, no sentido mais amplo desta palavra, na carreira. Sei de pessoas que fazem um desenho por semana e ficam na espera de reconhecimento, que apareça um mecenas e as adote. São as mesmas pessoas que quando você pede para ver seus portfólios tiram meia dúzia de páginas de uma pastinha… Mas, sei também de outras que desenham o dia inteiro, não enjeitam testes, refazem o que os editores pedem sem reclamar e estão a um passo de publicar nas majors americanas (leia-se DC e Marvel). Essas são as pessoas que você pede para ver seus portfólios e elas mostram uma pasta com 100 ilustrações (as mais recentes e as melhores)… Não sei se fui claro, mas o que quero dizer é que tem de haver “ralação”, sem sacrifício não há recompensa.
PASSANDO ENTÃO PARA SUA PRODUÇÃO DE HQS. QUANDO COMEÇOU A ESCREVER ROTEIROS? QUAIS SÃO OS SEUS PERSONAGENS? ONDE JÁ FOI PUBLICADO?
Nos anos 1980 publiquei tiras, charges e cartuns no Paraná Norte e outros jornais do estado do Paraná e em fanzines. (Uma das HQs que criei na época é do Paulão Rock´n´Roll, um dos maiores agitadores na área musical do estado do Paraná. Agora essa HQ fará parte de um livro contando a história do rock em Londrina.) Em 1997 tive uma HQ publicada na Metal Pesado (em parceria com Danilo Faria e Adauto Silva); em 1998 uma HQ no D.O. Leitura – SP (em parceria com Osney “Roko”), e depois vieram Bigorna Quadrinhos, Sideralman, Subterrâneo, A Mosca no Copo de Vidro, Prismarte… Nestas fiz parcerias com Will, demais membros do coletivo Subterrâneo, e Caio Majado.
O mais divulgado dos meus personagens é o Escorpião de Prata, que atualmente faz parte do mix da revista Tempestade Cerebral, editada por Alex Mir.
POR QUE O DESTAQUE AO ESCORPIÃO DE PRATA? COMO ELE SURGIU?
O Escorpião de Prata ganhou destaque por ter surgido numa HQ do Sideralman, criação do grande Will (do coletivo Subterrâneo), publicada pela primeira vez na revista Sideralman, lançada em julho de 2007.
Toni, o Escorpião de Prata, deseja limpar o nome do seu avô (também conhecido como Escorpião de Prata) que foi preso pelo Sideralman em 1958 depois de roubar um banco, e morreu ao tentar salvar sua esposa das mãos de seus cúmplices, que queriam o fruto do roubo.
VOCÊ QUE TRABALHA COM SUPER-HERÓIS, O GÊNERO NO BRASIL POSSUI VÁRIOS PERSONAGENS DISTINTOS, ALGUNS INTERESSANTES E OUTROS QUE NÃO PASSAM DE CÓPIAS DESCARADAS. O QUE ACREDITA SER O MOTIVADOR PARA SE CONTINUAR DESENVOLVENDO ESSE TIPO DE MATERIAL? ME CORRIJA SE EU ESTIVER ERRADO, MAS PELO QUE SE VÊ A ACEITAÇÃO DO HERÓI BRASILEIRO NÃO É ASSIM MUITO BOA…
O leitor brasileiro de quadrinhos é influenciado diretamente pelos super-heróis, os “comics”, e, mais recentemente, pelo Mangá. Nada mais natural que essas influências apareçam nos quadrinhos que são desenvolvidos no Brasil. O gênero super-herói é reforçado pela presença marcante de desenhistas brasileiros em editoras como Marvel e DC.
A aceitação, a meu ver, é boa. O gênero “super-herói brasileiro” é desenvolvido no Brasil assim como o “terror brasileiro” e o “erótico brasileiro” também são, mas não com tanto espaço quanto estes.
VI, RECENTEMENTE, QUE O ESCORPIÃO DE PRATA SERÁ PUBLICADO TENDO TRAÇAS REALISTAS. POR QUE DESSA “NOVA VERSÃO”?
Não se trata de uma nova versão, é o mesmo personagem. O estilo caracterizará os volumes: Volume 1, traço cartunesco/estilizado/”adventures” (seguindo a linha adotada pelo Will) e Volume 2, traço realista/comics. O Volume 1 está sendo publicado na Tempestade Cerebral (ainda levará algum tempo para fechar o “arco” de histórias) porque a revista é publicada trimestralmente, a edição #5 acabou de ser lançada, e o Volume 2 está em produção.
HÁ ALGUNS ANOS VOCÊ EDITOU E PUBLICOU O A MOSCA NO COPO DE VIDRO, QUE CHEGOU A GANHAR O HQMIX DO ANO. HÁ PRETENÇÃO DE FAZER ALGUM OUTRO PROJETO SEMELHANTE? SE SIM, QUAL? CASO NÃO, POR QUÊ?
O próprio Caio Majado, que junto com o Will desenhou A Mosca, me incentiva a continuar essa HQ, mas ainda não conseguimos parar e conciliar nossas agendas, pois eu só farei uma continuação com a mesma equipe e isso, no momento, não é possível.
QUANTO AO BIGORNA.NET. POR QUE UM VEÍCULO COMO ELE? HOJE O SITE JÁ É REFERENCIAL PARA OS PRODUTORES DE QUADRINHOS BRASILEIROS, MAS E COM RELAÇÃO AO LEITOR? HÁ UM BOM RETORNO?
Nunca parei para pensar num “por quê” para o Bigorna, apenas o fazemos porque gostamos de escrever sobre Quadrinhos e tem muito o que escrever. Sei que o site é um referencial para os produtores de Quadrinhos, e isso é muito importante, mas o Bigorna também atinge muitos leitores de todo o Brasil e do exterior. Retorno? Financeiro? Não, nenhum. Ainda é um investimento meu, do Humberto Yashima, do Marcelo Baptista e demais colaboradores.
QUAL SUA AVALIAÇÃO DA MÍDIA NACIONAL ESPECIALIZADA EM HQS? HOJE OS QUADRINHOS NACIONAIS ESTARIAM MAIS DEPENDENTE DELA DO QUE A DÉCADAS ATRÁS?
No momento há um ótimo espaço dedicado aos Quadrinhos, tanto em jornais, TV e sites, blogs… Isso é muito bom. Quanto mais se falar de Quadrinhos melhor. As mídias estão observando mais os Quadrinhos e virou “moda” falar de HQ por causa dos grandes filmes baseados em Quadrinhos no Cinema que geram muita curiosidade do público em geral e os meios de comunicação, além de abrir espaço, tem que se informar sobre o tema para noticiar.
NA SUA AVALIAÇÃO DE EDITOR, O QUE É NECESSÁRIO PARA O MERCADO DE HQS EXPANDIR? ISSO TANTO COM RELAÇÃO AO MATERIAL NACIONAL COMO O ESTRANGEIRO…
Acho que tudo o que vemos no momento de certa forma é uma expansão: os fanzines de Quadrinhos voltaram a se multiplicar; várias publicações independentes estão se consolidando; um grande número de adaptações de Clássicos da Literatura em Quadrinhos nas bancas; títulos como O Cabeleira, Mesmo Delivery, Menina Infinito, Aú o Capoeirista e Prontuário 666 ganhando notoriedade; novos projetos (como o da Turma da Mônica Jovem) atingindo patamares inacreditáveis de venda; edições especiais (como a de Watchmen, da Panini) com tiragem esgotada rapidamente; agito nos fotologs de desenhistas apresentando projetos e personagens; o surgimento de novos WebComics a cada dia… Creio que tudo isso caracteriza uma expansão do mercado de Quadrinhos. Todas essas ações fazem parte de um todo e são muito importantes. Agora, discussão de plataforma impressa e/ou digital são outros quinhentos, mas independentemente delas, o mercado está muito ativo.
FALANDO DA MÍDIA DIGITAL. COMO MENCIONOU, A DISCUSSÃO É DIFERENTE. MAS DIFERENTE COMO? ACREDITA QUE ESTE SERIA MESMO O FUTURO DAS HQS?
Não creio que o WebComic seja o futuro das HQs, mas mais um meio de publicação de Quadrinhos. Quem diria que em 2009 ainda estaríamos publicando fanzines? (risos) Quando digo que é diferente é por ser outra “coisa”, e não Quadrinho. Só pela forma de interação já se percebe a diferença, por exemplo, uma revista eu folheio e na tela do computador eu uso a barra de rolagem. Mas, uma não invalida a outra, os dois são, em essência, Histórias em Quadrinhos. Então Quadrinho é Quadrinho e WebComic é WebComic. Para pôr certa ordem: Quadrinho é notoriamente Arte Gráfica e WebComic é Arte Digital. Há muito ainda o que nos aprofundarmos nessa discussão, mas isso é só o começo, pois (nos sintamos privilegiados) estamos num momento de “transição”, por assim dizer, maravilhoso. O que ocorre agora é algo como o que ocorreu quando os leitores viram as tiras sairem dos jornais e se transformarem em revistas. Mas, as tiras continuam nos jornais até hoje…
VAMOS FALAR UM POUCO SOBRE O TROFÉU BIGORNA. ELE É UMA IDEIA SUA E DO BARALDI? POR QUE MAIS UM PRÊMIO DE QUADRINHOS NO BRASIL?
É uma idéia do Marcio Baraldi! O objetivo do Troféu Bigorna é incentivar, valorizar e reconhecer os produtores brasileiros de Histórias em Quadrinhos. E gostaria que houvesse mais prêmios e troféus no Brasil: eu só conheço o HQ Mix, o Ângelo Agostini, o troféu Prismarte, o Alfaiataria de Fanzines (que, nem sei se continua)… Esqueci de mencionar algum? Quanto mais prêmio, quanto mais “ôba-ôba”, melhor, pois mais se incentivará a produção e mais se falará de Quadrinho.
JÁ HÁ DATA PARA A PREMIAÇÃO 2009? QUAIS SÃO OS CRITÉRIOS DO PRÊMIO?
O Troféu Bigorna sempre será entregue no Festão do Baraldi, que é realizado nos finais de ano. A data deste ano ainda não está definida. O principal critério é haver consenso entre a comissão julgadora, que no ano passado foi formada por mim, pelo Marcio Baraldi e pelo Humberto Yashima. Cada um de nós fez separadamente uma lista. Muitos dos prêmios foram selecionados de primeira por terem recebido votos de nós três e, depois, discutimos o restante. Pode ser que esta comissão julgadora aumente, mas ainda não discutimos isso. Por mim ficamos os três até criarmos uma identidade para o Troféu.
COM RELAÇÃO A ESSE SEU NOVO CURSO DE ROTEIRO. O QUE O INTERESSADO PODE ESPERAR? COM UM CURSO DESSE SURGE E QUAIS AS PERSPECTIVAS PARA QUEM PARTICIPA?
Não é simplesmente um curso de roteiro, é um curso de criação e roteirização de Histórias em Quadrinhos. Esse Curso de Extensão surgiu depois que, o Prof. Ms. José Abílio Perez Junior, o coordenador do Departamento de Educação, Comunicação e Artes da Universidade Estadual de Londrina, sondou o interesse dos alunos em relação as HQs. Como os alunos demonstraram interesse ele me procurou para, além de montar o projeto do curso, ministrar as aulas. Quem participa pode esperar um professor empenhado em apresentar as Histórias em Quadrinhos na sua plenitude, além, é claro de trocar ideias com alguém que tem muita experiência na área, trabalho com Quadrinhos desde 1984, sendo mais de 10 anos em São Paulo. Vamos debater a importância e teorizar sobre a forma das HQs e também vamos produzir. O objetivo de cada aluno será produzir uma História em Quadrinhos no decorrer do curso.
HÁ PRETENSÃO DE PUBLICAR ESSAS HISTÓRIAS, DEPENDENDO DA QUALIDADE COM QUE ELAS VENHAM A SER FEITAS?
Não, não temos este plano no momento, mas, essa possibilidade não está descartada, já a discutimos preliminarmente.