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Diretor cobra preservação da Serra da Cantareira. (Foto: Divulgação)

Entrevista com Rodrigo Ribeyro, diretor do curta Cantareira

O filme foi exibido em Cannes e ganha agora nova exibição no Brasil. “O filme tem um posicionamento de questionar qual o futuro que essas novas formas de ocupar a Cantareira estão trazendo”

“É preciso ter noção do lugar que estamos ocupando e que a prioridade lá não é uma necessidade humana, consumista e imediatista, mas esse lado de viver em harmonia com a natureza”, afirma Rodrigo Ribeyro, 25 anos, acompanhado de fundo musical de canto de pássaros, em entrevista exclusiva, por telefone, à Revista O Grito!. Ribeyro refere-se às contradições entre a natureza e o crescimento econômico que estão entre os ingredientes que o diretor paulista usou para criar o curta-metragem ficcional Cantareira, selecionado para o famoso Festival de Cinema de Cannes 2021, na França.

Ribeyro levou o cinema nacional a ser premiado no festival francês. O filme foi exibido na Mostra Cinéfondation, categoria focada em novos diretores ainda estudantes, e faturou o terceiro lugar, dividindo o prêmio com o curta romeno Love Stories on the Move de Carina-Gabriela Dasoveanu. Também levou o prêmio de Fotografia com Dani Drumond, na Mostra Competitiva Nacional do Festival de Brasília 2021, neste mês de dezembro.

O curta aborda a região da Serra da Cantareira, em São Paulo, e foi produzido como trabalho de conclusão de curso da Academia Internacional de Cinema de São Paulo. Baseado na vivência de Ribeyro, o filme mostra a história de Bento (o ator paulista Emiliano Favacho) e Sylvio (interpretado pelo ator pernambucano Almir Guilhermino), neto e avô, respectivamente. Ambos possuem raízes profundas na Serra da Cantareira, mas em momentos diferentes de vida. O avô se preocupa com o estado atual da Serra e o neto vive em São Paulo, sozinho, afetado pelo barulho da cidade grande.

Rodrigo mudou-se para a região aos quatro anos de idade e ficou até os 16, quando foi morar sozinho no centro de São Paulo. Foi esse distanciamento que fez o diretor olhar para a Cantareira com outros olhos todas as vezes que voltava ali para visitar os pais, que até hoje moram na Serra.

“O filme vem de uma mescla de um aspecto autobiográfico. Aos 16 anos, eu mudei justamente da Serra da Cantareira pro centro de São Paulo. Então, primeiro vem disso, dessa mudança, que foi muito impactante do modo de sair de um lugar bem tranquilo e ir para o “olho do furacão”, ressalta. “O filme tem um posicionamento de questionar qual o futuro dessas novas formas de ocupar a Cantareira estão trazendo”, acrescenta o realizador.

Conversamos com o jovem diretor a respeito do seu curta premiado na França, sua relação com a natureza, meio ambiente, política de fomento ao audiovisual e muito mais.

Assista ao trailer do filme no Vimeo.

Qual motivação, de onde surgiu a ideia de realizar o filme?

O filme vem de uma mescla de um aspecto autobiográfico. Aos 16 anos, eu mudei justamente da Serra da Cantareira pro centro de São Paulo. Então, primeiro vem disso, dessa mudança, que foi muito impactante do modo de sair de um lugar bem tranquilo e ir para o “olho do furacão”. Primeiro vem dessa mudança sensorial, mas aliado a isso também da observação da vida de alguns trabalhadores lá do centro. Chegando lá, passei a fazer parte daquele ecossistema e, de lá, conhecer muitos trabalhadores que eram, principalmente, garçons, atendentes dos chamados “pratos-feitos”. Um desses estabelecimentos eu ia com bastante frequência e quase diariamente eu tinha contato com eles. Tomava consciência também de saúde mental, saudade de casa, ansiedade, depressão.

O filme vem dessa mistura de coisas que senti e observei e o que os trabalhadores sentiam naquele espaço. Aliado a isso, tem todo aspecto colaborativo do filme com toda a relação com a natureza, algo muito forte pra mim e pro diretor de fotografia, o Dani Drummond. Ele trouxe um olhar documental, bastante calcado num olhar voltado para essas questões. Ele é uma ficção, mas tem conflitos que são reais. 

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Qual o tom que você escolheu para abordar a questão ambiental no filme?

Vem muito de um receio humano com a Cantareira,  maior floresta urbana do mundo. É um espaço remanescente de Mata Atlântica, de um bioma bem degradado. Neste sentido, ele tá muito próximo de São Paulo, inclusive, dentro do município de São Paulo tem trechos do Parque Estadual da Cantareira. E a partir dessa observação, ter o receio de como essas ocupações se dão, qual relação das pessoas que estão vindo pra cá estabelecem com a natureza: se é próxima ou distanciada. Assim, o filme tem um posicionamento de questionar qual o futuro dessas novas formas de ocupar a Cantareira estão trazendo. E o filme termina na Pedreira do Dib, que está passando por um processo de apagamento.

Ela tem um lago que é importantíssimo no filme, que esse ano foi drenado. Esse é um processo misterioso, a pedreira está fechada, com tapumes. Então, na verdade, o filme tem uma chave de lutar pela preservação desse espaço e questionar as pessoas em relação a como elas estão aqui e também o poder público a como cuidar desse lugar. A própria questão da pedreira é muito delicada, é um grande imbróglio de um lugar que deveria ser preservado e, inclusive, de uma forma ecoturística. Mairiporã, município onde eu moro e cresci, onde filmamos boa parte da obra, tem um potencial ecoturístico enorme, mas a sensação é de que falta um pouco de visão e de recurso.

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Baseado na vivência do diretor, o curta mostra a história de Bento (Emiliano Favacho) e Sylvio (Almir Guilhermino), neto e avô respectivamente.

Como se deu a sua relação com a natureza e como você enxerga o atual momento do Brasil em relação ao meio ambiente? 

Minha relação com a natureza é de necessidade. O filme veio dessa experiência autobiográfica e eu fui pro centro de São Paulo e entendi como o ritmo de lá pode ser prejudicial, pode ser complicado e como a fluidez pra respirar afeta a nossa saúde, nossa serenidade e tudo isso é saúde mental. Indo pro centro, descobri a importância que a natureza e calma tinham pra mim.

Eu moro aqui [em Mairiporã] e estou numa cidade de um ritmo muito mais tranquilo de uma sonoridade diferente, mais apaziguada: aqui tem cachoeira e vários outros lugares que procuro busca essa calma pra viver que é tão rara na cidade hoje em dia. [Lá no centro, eu morei muito perto ali do Parque Augusta, no Centro de São Paulo], que também é uma vitória recente da população de conseguir preservar um lugar de natureza, uma porção de terra remanescente ali naquele lugar tão central. Minha relação com a natureza é enxergar o meio ambiente o lugar onde a nossa subjetividade sobrevive e encontra um autoconhecimento. É muito importante todo ser humano ter um tipo de contato com esse lugar, com um lugar que seja mais sereno. 

Em relação ao governo [federal] é isso… A gente tá vendo mais recentemente a questão do garimpo, estão tentando legalizar o garimpo em terras indígenas na Amazônia. Falta de sensibilidade é até um eufemismo: é uma eterna priorização do lucro, do dinheiro, uma falta de visão total às necessidades do planeta e como a preservação não é uma questão de opinião, mas de sobrevivência. O filme, de alguma forma – muito humildemente – vem pra lembrar as pessoas de que empreendimentos e dinheiro são necessários para que possa existir distribuição de renda, geração de emprego.

Acho que o filme não está numa posição dicotômica, tá caminhando pra esses dois pontos de entender um equilíbrio entre o que seria a economia e o que seria o meio ambiente, na minha visão dá para os dois caminharem juntos de forma harmônica. Mas na verdade, estamos lidando uma realidade totalmente extrema com uma noção de gente muito pequena e com um coração mínimo, não conseguem entender coisas básicas. Dentro desse governo, tudo o que a gente acredita em relação à natureza fica totalmente escanteado, é como “falar com a parede”. É preciso ter noção do lugar que estamos ocupando e que a prioridade lá não é uma necessidade humana, consumista e imediatista, mas esse lado de viver em harmonia com a natureza.

E qual sentimento da chegada e premiação no Festival de Cannes?

É uma experiência muito interessante. Eu não esperava viver nos meus 25 anos de idade… nem sei se esperava viver isso. Acho meio pretensioso ter isso como expectativa. Foi muuuito enriquecedor e, na verdade, para além de toda experiência de estar lá e poder conhecer e se conectar com outras pessoas, ver filmes, o mais importante dessa vivência foi poder participar desse processo da Cinéfondation, competição da qual o filme participou. Essa é uma iniciativa que serve para incentivar, encorajar e fomentar novos talentos. Nesse lugar, me sinto muito atingido por esse ideal deles, no sentido de que levo tudo o que aconteceu como combustível, “gasolina” pra abastecer forças criativas pra estar sempre acreditando. A gente sabe que a força mental que se tem para fazer cinema no Brasil e manter a sua moral alta, ao se propor a realizar, acho que não é fácil manter esse nível.

Pra mim, tudo o que aconteceu nesse sentido de ir pra Cannes e ser premiado, competindo com filmes que tiveram fundo estudantil com grana… Imagina: qual a política brasileira de fomentar o cinema estudantil? Não existe! Simplesmente não existe! Então sair daqui e desbancar filmes que vinham de escolas de cinema muito fortes e com muito recurso, é muito de como, muitas vezes, não temos os melhores recursos, mas a gente tem muito coração no que faz. Eu falei desse governo que não tem coração e o que eles não têm, enquanto a classe artística no Brasil tem, que tá se propondo a fazer cinema, tem e muito! Essa experiência toda veio forte no sentido de abastecer mesmo, no “vamo que vamo, a gente tem potencial e muito a fazer”. 

E também por ter sido feito pouco dinheiro, é um filme que foi feito de forma voluntária pela equipe. Então, compartilhar essa vitória com toda equipe, todo mundo que se doou, acreditou no projeto, ter buscado experiência, aprender a fazer cinema, se colocar no set… tudo isso é muito importante, pois tudo o que a obra tem atingido, vem da força dessa coletividade. A gente se forjou de uma forma muito natural, jovens estudantes querendo colocar a “mão na massa”, se testar e se jogar no mundo. 

O próprio Almir e o Gelson dos Santos, dois atores que são pessoas mais velhas e tem essa humildade e essa solidariedade dessa equipe que se complementa, que conta com a experiência de pessoas mais vividas, trocando com essa equipe que é majoritariamente jovem. É um processo bonito.

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Registro da premiação na 24ª edição da mostra Cinéfoundation, na França. (Foto: Divulgação)

Em relação à produção, como foi o processo de realização da obra?

Cantareira e TCC da AIC de São Paulo, um curso de dois anos. No terceiro semestre a gente apresenta o projeto pra filmar no quarto semestre pra se formar. No terceiro semestre eu tava com um projeto que foi meu companheiro ao longo do semestre, mas ao chegar o momento de apresentar, eu mudei de ideia pra fazer o “Cantareira”. O outro projeto era um outro tipo de cinema que eu também gosto e me vejo dentro de um lugar bem múltiplo, em relação ao fazer cinematográfico e às linguagens. Optei por fazer o “Cantareira” por estar mais próximo de um cinema narrativo. O projeto foi super bem avaliado, ganhou prêmio de finalização lá dentro da AIC. Em 2019, no primeiro semestre – que era meu quarto semestre – a gente partiu pra filmar. A equipe foi formada basicamente por pessoas que estudavam na AIC, principalmente dos outros cursos como Produção, inclusive os três integrantes da produção de Cantareira vieram de lá. Teve outras do curso de Atuação, inclusive o protagonista. 

Formamos, assim, uma equipe voluntária e não tinha praticamente dinheiro envolvido. O que tinha vinha de recursos próprios pra pagar gastos básicos como alimentação e cachê dos atores e ajustando as necessidades de cada área da produção caso a caso. Eu diria que o filme tem uma veia até um pouco caseira. As locações, por exemplo, eu tinha todas bem encaminhadas, mesmo antes da produção entrar no filme e, nesse sentido, facilitou bastante por ser um lugar onde convivo. Não foi preciso fazer uma pesquisa de locação e nem achar os lugares, eles já estavam definidos. A gente só teve que formalizar alguns pedidos e negociar. Então, por ser um filme que por ter um caráter muito pessoal, conta algumas facilidades na produção. Da própria direção de arte com certos aspectos estéticos, de objetos que estavam no lugar. Neste sentido, simplifica, não é chegar de fora e ocupar um lugar que é uma novidade. É estar em casa e fazer um filme nela.

Como foi pensada a relação do neto com o avô no filme?

Os dois se apresentam como sendo o Silvio representando a natureza, ali, sempre presente, enquanto o neto está inserido na cidade, que já foi afetado por esse lugar. Eles apresentam experiências diretas e recentes diferentes. O embate geracional se dá não só em torno das questões de estar na Cantareira e se estar na cidade, mas também na questão da sexualidade, situação que perpassa o filme de uma forma muito sutil, mas que é muito importante também. A ideia era gerar ruídos geracionais para além da cidade-campo. E isso existe aqui na Serra da Cantareira e em todo o Brasil, que é um país preconceituoso, muito machista e homofóbico. Isso está bem presente aqui. É algo que é muito forte na cidade, mas no interior tem muita radicalidade. 

Então, essa relação do avô e do neto são duas pessoas afetadas pelo campo e pela cidade, duas pessoas com mentalidades diferentes e o filme tenta retratar de uma forma que acredita no potencial evolutivo das pessoas, em como elas podem mudar. Para mim, essa é a grande beleza da relação: um neto que volta pra casa e que volta com um ritmo mais apressado, mais aliado a um tom da cidade e que, ao chegar, encontra o avô, justamente, reforçando uma calma, uma serenidade, um não apressar. E ao mesmo tempo, é o neto que retorna e questiona o seu avô no ponto de preconceito do avô. No passado, eles tiveram um ruído sobre a orientação sexual do neto e, por isso, a separação. E o neto traz novamente essa questão pro avô e este se mostra mais evoluído com relação a isso, mostra que ele progrediu e que essa relação pode atingir novos pontos de encontro.

No fundo, é uma coisa minha, de pensar como as pessoas podem sim evoluir. Ao longo da vida, eu ouvi muito esse discurso: “ah, as pessoas estão velhas, elas não podem mais mudar”. Isso eu não acredito nem um pouco, isso é algo que as pessoas usam para simplesmente justificar seus preconceitos, conservar suas ignorâncias e colocar esse personagem do Almir já senhor e avô com mais de 60 anos, que repensou o que ele estava fazendo e agora pensa de uma forma mais saudável com o neto.

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A Serra da Cantareira, em São Paulo. (Foto: Divulgação)

E quando e onde o público pode conferir teu filme?

Gostaria de agradecer pelo espaço, é sempre muito bom conversar sobre filme, e sobre muito entusiasma dessa ideia. O filme vai participar do Festival de Cinema Kinoarte 2021, lá de Londrina, no Paraná, e fica disponível a partir do dia do domingo, dia 19 de dezembro. Agradeço também os parabéns e fico feliz que o filme tenha te atravessado de alguma forma.