Não é a primeira vez, nem será a última que as pessoas vão ouvir o nome dela. Natural de Taiobeiras, norte de Minas Gerais, Marina Sena lançou, na última quinta (19), o seu aguardado disco de estreia, De Primeira, com dez faixas que nasceram no início da pandemia. Produzido por Iuri Rio Branco, que coleciona trabalhos com Flora Matos, Urias e Jean Tassy e dedo na edição vocal de Davi Sabbag, ex-integrante da Banda Uó, o disco traz composições preparadas durante a trajetória da sua carreira.
Conhecida pelo trabalho com os grupos A Outra Banda da Lua e Rosa Neon, a cantora e compositora vem fazendo barulho nas plataformas digitais. No dia do lançamento, conseguiu emplacar o 2º lugar entre os álbuns mais ouvidos do Deezer e chegou ao 8º lugar entre os discos mais ouvidos da Apple Music. Este ano ela já foi escolhida artista radar do Spotify e um dos nomes da América Latina pelo YouTube Foundry, estampando anúncios no metrô de São Paulo e na Times Square, em Nova York. “Eu quero muito que meu som ultrapasse a barreira da língua e atinja no mundo inteiro pessoas que vão se levar pelo ritmo, pela melodia, e que vão entender do que se trata a música só no sentir”, almeja Sena. “Quero conquistar tudo que sei que consigo com minha energia. E quando eu sonho, eu não consigo sonhar de um jeito modesto”, afirma.
Ouvindo o repertório, fica claro que a autoconfiança vem do reencontro com o seu protagonismo. A energia solar presente nas camadas do disco sinergicamente nos revela o quão potente é nossa música popular. De primeira é a tradução musical de Brasil, onde Sena desponta seu poder artístico infinito e canta sobre os mais diversos tipos de amor em que além de reverenciar a pessoa amada, ao mesmo tempo, nos provoca uma vontade alucinante de dançar.
Confira o bate-papo com Marina Sena:
Você fez um show virtual no festival Mov.Cidade (Mostra & Lab de Criatividade e Sutentabilidade Urbana) que aconteceu neste sábado, 21, e foi a primeira amostra ao vivo do disco. Como você tem reagido a recepção calorosa e adesão das pessoas com o De Primeira?
Por mais que eu esperasse que o disco fosse fazer sucesso mesmo, na hora que acontece a gente não sabe o tanto que vai ser, se o tanto que você espera é muito, o tamanho desse muito, e nossa, quando eu vi a adesão das pessoas eu fiquei completamente passada. Era muito. Muito mesmo. Muita gente! Fiquei impressionada.
O jeito que você canta e o tom de voz influenciado pela MPB remete ao tempo de ouro das grandes divas do rádio e você difunde essa nostalgia com um pop dançante que traz beats envolventes acompanhados de muita brasilidade criando uma mistura própria contagiante. Tem funk, tem cavaquinho, tem cuíca, mas também tem eletrônico, tem dancehall. É mesmo como um abraço. Cabe todo mundo. Como foi juntar tudo isso e deixar assim tão puro e harmonioso?
Eu acho que era muito natural já das minhas referências e das de Iuri Rio Branco, que é o produtor do disco, que a gente tem referência de Brasil, assim, profundo mesmo, de tudo o que rola aqui, sabe? A gente se relaciona com todas as músicas, a gente não tem barreira para o que nos vai nos inspirar. Só basta ser bom, só basta ser autêntico, quando o trem bate não interessa qual o estilo musical. Na hora de criar o disco, não tinha nenhuma referência específica, a gente fez a única coisa que a gente poderia ter feito com esse disco. Era esse o caminho que ele tinha que tomar mesmo, não foi uma coisa combinada do tipo “vamos unir o samba com não sei o que”, é basicamente a visão que a gente tem da música. É tipo, Brasil pra exportar. É o Brasil com modernidade, entendeu? Pro mundo.
E como é o seu processo de compor?
Eu comecei a compor essas músicas no decorrer da minha carreira. Tem música que, por exemplo, tem cinco anos que já existe na voz e violão. Sempre compus na voz e violão. Só “Me Toca” que a gente compôs com beat e voz, tudo junto, daí eu mandava pra Iuri e ele dava essa cara, né? Eu nunca nem precisei falar com ele o que eu queria. Quando eu o procurei eu já sabia que faria a leitura que eu gostaria de ter nas minhas músicas. Começamos a produzir em março do ano passado, quando começou a pandemia, ele em São Paulo e eu Belo Horizonte, tudo remotamente. Só nos conhecemos depois em São Paulo quando nos juntamos para gravar pessoalmente as vozes. Entre pré-produção, gravação e produção foram quatro meses e o álbum foi levado pronto para mixagem em outubro do ano passado. Das dez músicas, eu acho que dei apenas três observações. Algumas, nós gravamos logo de cara (destaque para as faixas “Amiúde”, “Me Toca” e “Seu Olhar” que foram gravadas em um take só). No mais, ele mandava e eu falava: “é isso, acertou mais uma vez. É ele, Brasil!”. (risos)
É tão raro e difícil encontrar uma parceria mútua em que a outra pessoa consiga passar o que a gente tá sentindo.
E sem precisar falar palavras. A pessoa te lê. É muito raro mesmo. Os melhores produtores são assim. São pessoas capazes de olhar pra você e te lê, e transmitir isso. A pessoa sabe entender o que você tá querendo fazer com a sua música mesmo que você não fale nada, a pessoa lê sua personalidade, lê o que você andou ouvindo, ela sabe o que você é. Mas também tem uma coisa da característica dele (Iuri) como produtor que já é assim. O que ele faz não só comigo já é o Brasil moderno e ele traz essa personalidade pra música.
A maioria das músicas do disco falam sobre amor, porém, desde o seu primeiro lançamento, “Me Toca”, em janeiro, ficou nítido que o seu som também exala a sensação de devoção por si próprio, dá vontade de dançar sozinho no quarto, você parece estar bem resolvida, refletindo um encantamento consigo mesma antes de amar alguém, além de emanar uma sensualidade natural. Como é a sua relação com autoimagem?
Realmente eu sou uma pessoa muito bem resolvida. Logicamente eu tenho os meus momentos de altos e baixos como qualquer pessoa, de pensar: “meu deus, eu nem sou talentosa, o que eu tenho demais, por que que as pessoas gostam de mim”, sabe? Você não consegue enxergar a sua luz, não consegue enxergar qual é o seu brilho. Vários momentos eu fico assim, mas o que eu mais realmente amo em mim é quando eu tô curtindo a minha presença, curtindo todas as potencialidades que o meu corpo me oferece e gosto de passar isso pra as pessoas. Tipo, você tem um corpo, aproveita esse corpo, você é capaz de sentir tantas coisas, sabe? Você está dentro de um parque de diversões que é o seu corpo, você pode sentir tanta coisa, você pode aproveitar cada sensação dele e o que me faz me sentir mais gostosa é entender que não tem a ver com o meu físico, tem a ver com eu estar curtindo a experiência de estar aqui dentro desse corpo. Eu acho que se sentir gostoso tem a ver com se sentir confortável dentro do corpo que você tá e aproveitar o máximo que ele pode proporcionar.
E sem que você fale, imediatamente isso acaba respingando no seu som. Além de cantar, você transmite, dá pra sentir.
Ah que bom, por que eu sempre falo que a função da arte é expressar uma coisa sem precisar fazer textão ou explicar essa coisa. A arte é pra transmitir uma sensação, o artista ele tem uma sensação e ele transforma isso em arte. A função do artista é sentir e transmitir pra arte. Esse é o trabalho do artista e se você consegue fazer uma coisa e as pessoas conseguem sentir sem você falar, você acertou. Eu sempre falo que no dia que eu precisar explicar o que eu tô fazendo, eu tô fazendo errado.
Falando em imagem, qual foi a inspiração estética por trás dos visuais do De Primeira?
Quem foi o diretor criativo dos visuais foi o Marcelo Jarosz. Muita coisa da direção criativa partiu da leitura que Leandro Porto, que fez o styling, teve de mim que era uma coisa que eu sempre quis ser, mas eu não sabia como. E ele me deu a possibilidade de vestir exatamente o que eu sou e o que eu gostaria de ter vestido a minha vida inteira. Ele falou que eu lembrava muito a Cher, a Gal Costa nos anos 70 e ela é simplesmente a maior referência que eu tenho na minha vida. A gente faz aniversário no mesmo dia e ela é uma pessoa que, mesmo se eu tentar, eu não consigo não referenciar na minha expressão porque eu consumi muito o trabalho dela, tá no meu sangue quase, e os meninos souberam disso sem eu precisar falar nada. O Marcelo quis fazer algo com a cara do Brasil, um trem de Miss, um Brasil tipo “PAH!”, capa de revista. E todas as pessoas que trabalharam ao redor da parte criativa são muito sensíveis. Me leram sem eu precisar falar um “A” no processo de criação e isso é maravilhoso.
Em uma das faixas do álbum, “Amiúde”, é uma daquelas que a gente se transporta direto para um festival e imagina todo mundo em coro entoando aquele refrão: “…se ela soubesse… ou pelo menos se o meu dinheiro desse… ”, a sensação que dá é que você fez já pensando na possibilidade desses versos estarem na ponta da língua do público. Falando nisso, conta pra gente como foi pensar em conceber um álbum em um momento sem perspectiva de shows?
Muitas pessoas me aconselharam a lançar quando tivesse uma perspectiva maior de volta, mas eu não aguentei, sabe? Eu precisava lançar. Era algo tipo pra eu existir, sabe? Pra eu respirar, não tinha como guardar mais isso. E depois eu lanço outro. Esse é só o primeiro. Eu sou uma artista que gosta de repertório, eu gosto de compor muitas músicas, a maioria das músicas que eu componho são tão boas quanto essas que tão no disco. Inclusive, a gente já preparou várias que já foram produzidas depois e são músicas que já pensei: “quero lançar o disco pra poder lançar essas aqui logo”. Música não falta. Graças a Deus não tá faltando.
Das 10 faixas que entraram pra o corte final, qual é o seu pódio?
Eu gosto muito de “Temporal“, é a minha favorita. Minha segunda favorita é “Voltei Pra Mim” e a minha terceira favorita é “Cabelo”.
Diante do cenário triste e desesperançoso que estamos vivendo… qual o futuro da música? Quais são seus próximos passos? Nós vamos ter que reaprender um novo jeito de fazer música?
Eu acho que pelo fato da gente tá na pandemia e não tá vivendo o rolê do show, as pessoas tão prestando atenção na música de um outro jeito. Tem que ter uma energia, uma mística diferente. Até os funks que estão saindo na pandemia, que estão chegando no mainstream e viralizando são muito diferentes. São funks contemplativos, dá pra você escutar pra dormir, pra dançar, pra transar, pra malhar, pra passear no parque, porquê é tão gostoso. Tem muita coisa que tá saindo que dá pra ser inserido em qualquer contexto. Em relação aos planos, eu vou fazer algumas lives pra promover o disco e um show confirmado em novembro no festival Rock The Mountain, ainda em aberto. Pra show presencial esse ano duvido muito, só se for fora do país, que é uma coisa que pode acontecer.